Há aproximadamente três semanas acompanho atentamente, via imprensa escrita e falada, a triste situação vivida pelos "moradores" da comunidade Pinheirinho,
Uma vez concedida a medida liminar, oficiais de justiça dirigiram-se ao local para informar os populares da aludida decisão judicial e, a partir de então, começaram os problemas. De antemão, registro profunda e sincera tristeza em ver famílias, crianças, senhores de idade em tal situação, afinal há muito as 3 esferas de Governo simplesmente negligenciam a situação de política habitacional no Brasil, culminando em enfrentamentos como este, ocorrido
Todavia, data maxima venia, não posso furtar-me à análise jurídica e, por que não, social do presente imbróglio, afinal muito se fala em arbitrariedade e abuso policial, que a meu ver não houve, mas pouco se fala do oportunismo de certas pessoas e, sobretudo, do descaso dos Governos, que assistiu inerte tal invasão por mais de 8 anos.
Desta feita, peço venia para analisar o caso em tópicos.
1. DA INÉRCIA POLÍTICA ANTE A INVASÃO NO PINHEIRINHO
Reza o caput do artigo 6º da Carta Magna que são direitos sociais, dentre outros, a moradia. Assim, a chamada "Constituição cidadã", de 1988, é considerada por muitos um grande avanço, sobretudo no campo dos direitos e garantias fundamentais e sociais.
Todavia, na prática, toda a beleza textual contida na Constituição logo se esvai quando nos deparamos com fatos como este, ocorrido
Notem, o terreno particular, objeto da presente reintegração de posse, foi paulatinamente invadido ao longo de 8 anos, sob os olhos dos Poderes Públicos Federal, Estadual e, especialmente, Municipal, e absolutamente nada foi feito para impedir o avanço das construções irregulares, tampouco foram providenciados projetos habitacionais para a transferência destas famílias para outros locais.
Neste ínterim vale destacar o disposto no artigo 22, IX, CF, em conjunto ao que prevê o artigo 182, da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Artigo 182 - Incumbe ao Estado e aos Municípios promover programas de construção de moradias populares, de melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Da leitura dos dispositivos suso mencionados é possível abstrair, sem maiores dificuldades, que o problema reside no histórico descaso das políticas habitacionais, por parte das três esferas de Governo. Logo, União, Estado de São Paulo e Município são os verdadeiros responsáveis pela omissão no caso Pinheirinho, visto que assistiram ao crescimento ilegal e desordenado da comunidade Pinheirinho, mas, ao invés de obstá-lo e providenciar locais apropriados para estas pessoas, preferiram fechar os olhos para o problema.
Em razão disso, não cabem críticas ao Judiciário, tampouco a Polícia Militar, mas às Pessoas Jurídicas de Direito Público constitucionalmente responsáveis pelos programas habitacionais.
2. DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Consoante a inteligência do artigo 926 do Código de Processo Civil, o possuidor tem direito a reintegração de posse em caso de esbulho, sendo, portanto, competência da Justiça Comum apreciar o pedido e, assim, julgá-lo procedente ou não.
Tal situação, aparentemente óbvia, tornou-se deveras confusa e tormentosa face à apresentação de medida cautelar perante ao STJ requerendo o deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal, sob alegação de pretensa violação aos Direitos Humanos. A partir de então sucessivos atos processuais sucederam-se na Justiça Federal, culminando na interposição de recurso ao TRF, motivando à União a suscitar conflito de competência no STJ.
Assim, na noite deste domingo, o Ministro Ari Pargendler em brilhante voto entendeu pela incompetência da Justiça Federal, esclarecendo, in verbis:
"(...) a ordem judicial, emanada da Justiça estadual, deve ser observada por todos, inclusive pelos demais ramos do Poder Judiciário. Nenhum juiz ou tribunal pode desconsiderar decisões judiciais cuja reforma lhes está fora do alcance”, (...)“A parte inconformada com a decisão judicial deve interpor os recursos próprios. Não existe contra-ação no nosso ordenamento jurídico”
Em outras linhas, o STJ, de forma técnica e legalista, afastou, em princípio, a competência da Justiça Federal, já que a União não é objeto de sujeição passiva ou ativa na ação, logo, descabe a esta intervir no processo de reintegração de posse, que tramita na 6ª Vara Cível da Comarca de São José/SP.
Ao nosso sentir acertou o STJ, pois considerada a relação processual em si em nada afeta à União, traduzindo-se, portanto, em lide de natureza iminentemente particular, cuja submissão jurisdicional restringe-se ao Poder Judiciário Estadual.
Destarte, incompetente a intervenção da Justiça Federal no tocante a decisão proferida pelo Poder Judiciário paulista.
3. AÇÃO POLICIAL MILITAR NA INVASÃO: ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL (ART. 23, III, CÓDIGO PENAL)
Nos últimos dias, a Polícia Militar do Estado de São Paulo foi alvo de inúmeros ataques, via imprensa, opinião pública, etc. Mas tais críticas são realmente devidas e justas?
Antes de adentrar ao mérito, imperioso consignar o conceito de estrito cumprimento do dever legal, que segundo Jorge Luis de Camargo "é o cometimento de um fato típico pelodesempenho de uma obrigação legal." (in O ELEMENTO SUBJETIVO NAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE E A NECESSIDADE DE SUA QUESITAÇÃO NOS PROCESSOS A SEREM JULGADOS PELO CONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI)
Ora, uma vez subsumida a definição doutrinária supra à situação fática que enlaça o "caso Pinheirinho", tem-se que a operação policial militar não exorbitou à legalidade, tampouco extrapolou os poderes conferidos à instituição.
É que uma vez determinada judicialmente a reintegração de posse, a Polícia Militar apenas e tão somente cumpriu tal ordem, desocupando o terreno objeto da demanda sob a supervisão de um juiz de direito.
Não obstante, não é despiciendo lembrar que as prisões efetuadas no período da desocupação não se deram ao acaso, tampouco ao arbítrio dos policiais, mas devido a "diversos locais foram saqueados na madrugada desta segunda-feira (23), após a retirada de cerca de 1.600 famílias que moravam irregularmente na região do Pinheirinho,
Ora, caros leitores, consoante se depreende da matéria em destaque, a desocupação teve desdobramentos que fogem à normalidade, ensejando prisões em decorrência de atos de vandalismo, furto e danos patrimoniais que não se coadunam às manifestações salvaguardadas pela Constituição Federal, no artigo 5º.
Latente, pois, a correção da operação policial militar!
4. DA ATUAÇÃO DE OPORTUNISTAS NO CASO PINHEIRINHO
Como sempre, no Brasil, situações de aflição social são comumente objeto de oportunismo político, bem como manifestantes travestidos de “guerrilheiros”. Reitero, compreendo a tristeza e o sentimento de revolta destes moradores, vítimas de Governos negligentes que os abandonaram a própria sorte e sequer aparecem para lhes prestar solidariedade.
Todavia causa-me repulsa a infiltração de indivíduos com tendência ao uso da violência que, por sua vez, ameaça a integridade física de crianças, idosos, etc, bem como subtraem a legitimidade de manifestações sociais em prol da habitação e terras, no país.
Vejam as seguintes matérias, in verbis:
“Sitiado, Pinheirinho prepara resistência à operação da PM
O entorno do acampamento foi cercado com lanças de bambus e o único portão de acesso ao local foi mantido trancado, com dez homens controlando a entrada e saída de moradores. (...) E para dificultar ainda mais a ação da Polícia Militar, algumas vias internas foram fechadas com sofás e cadeiras.
(...)
Por todo o acampamento era possível observar moradores com armas improvisadas, como porretes de madeira com prego nas pontas, barras de ferro, facões, espetos, enxadas, machados, pedras e estilingues."
“MST treina ‘exército’ para a luta
Diariamente, os ‘soldados’ do Pinheirinho passam por treinamento de guerrilha com noções de defesa e ataque. Mas o local é mantido sob sigilo absoluto. Já, as mulheres se dedicam a cortar e costurar escudos. Algumas afirmam que também irão enfrentar a luta armada.
Armas. Porretes de madeira com prego nas pontas, barras de ferro, facões e foices são os mais comuns. Mas também serão utilizados espetos, enxadas, machados, pedras e estilingues. Como escudo tambores cortados, chapas de ferro e antenas de televisão. Um grupo de moradores realizaria rondas pelas ruas do acampamento durante toda a madrugada.(inhttp://www.ovale.com.br/nossa-regi-o/mst-treina-exercito-para-a-luta-1.206518)
Ao compulsarmos o teor das matérias jornalísticas acima transcritas, podemos constatar que, uma vez infiltrados no meio da população desta comunidade, tais indivíduos com ideais guerrilheiros organizaram verdadeira tropa para-militar dotada de armamento rústico, porém de notada periculosidade, denotando intenção de ferir aqueles que por lei tinham o dever de desocupar a área.
Esta situação traz à baila a discussão sobre os conflitos sociais ocorridos Brasil afora, onde é cada vez mais freqüente a organização de pessoas voltada a defender seus propósitos não com o debate e discussão de ideias, mas pelo uso da força.
É assim que se conquista algo num Estado, dito, Democrático de Direito?
5. DO USUCAPIÃO COLETIVO
Por fim algo chama minha atenção, por que tais políticos de ocasião, ao invés de fomentar ideais revolucionários no intelecto dos moradores não lhes forneceram orientação jurídica a fim de pleitear o competente pedido de “Usucapião Coletivo”?
Neste ínterim pede-se vênia para a análise combinada dos artigos 1.228, §4º, do Código Civil eart. 10 da Lei nº 10.257/01, in verbis:
Art. 1.228. (...)
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”
Confessamente desconheço os termos dos autos da reintegração de posse, que tramita na 6ª Vara Cível da Comarca de São José, contudo, a priori, vislumbro perfeitamente possível a caracterização do chamado “Usucapião Coletivo”. Ora, a comunidade Pinheirinho possui mais de 1 milhão de metros quadrados, sendo ocupada por mais de 8 anos, por população de baixa renda, de boa-fé e, até pouco tempo, sem contestação, afinal a reintegração de posse foi intentada a pouco tempo.
Por que não suscitaram o disposto nos diplomas legais em tela no momento adequado? Porque estes “revolucionários de ocasião” que só apareceram para tumultuar o ambiente não vieram antes a fim de incentivar à comunidade a brigar judicialmente, não com armas?
CONCLUSÃO
É muito fácil e cômodo colocar a culpa covardemente na Polícia Militar que, apenas e tão somente, cumpriu sua missão. Difícil é questionar os políticos que elegemos e são os verdadeiros responsáveis por toda essa barbárie em São José!