domingo, 19 de junho de 2011

MARCHA DA MACONHA: O OUTRO LADO



RESUMO: Análise do tema à luz das garantias fundamentais e demais dispositivos constitucionais que o cercam, sem desconsiderar bens jurídicos potencialmente afetados, tomando-se por baliza o princípio da concordância prática.


EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONALMENTE TUTELADOS – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA – MARCHA DA MACONHA – DEVER DE PROTEÇÃO À FAMILIA – HARMONIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.


O Direito é a ciência que melhor ilustra os traços evolutivos de uma sociedade, acompanhando a velocidade destas transformações, sem, contudo, estabelecer preceitos absolutos, tampouco acepções de caráter imutável.

Face à característica sócio-evolutiva em destaque, o Direito invariavelmente se vê desafiado a superar antagonismos que, por vezes, o coloca “contra a parede”, tal como ocorre nos conflitos “sociedade versus indivíduo - maioria versus minoria”, despertando opiniões e reações diametralmente opostas na comunidade jurídica.

Exemplo unívoco exsurge do recente julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 187, sob a relatoria do Exmo. Ministro Celso de Mello. Sua propositura, intentada pela Procuradoria Geral da República, teve por fundamento a liberdade de manifestação daqueles que defendem à tese da descriminalização do entorpecente, estabelecendo como parâmetro a interpretação, conforme à constituição, do artigo 287 do Código Penal [1].

Num voto indiscutivelmente técnico, brilhante e arrebatador, o Ministro Celso de Mello, tal como seus pares, votou pela integral procedência da ADPF, conduzindo o julgamento à estrondosa unanimidade, em Plenário.

Neste diapasão, pede-se venia para transcrever parte da conclusão do r. voto proferido pelo Rel. Min. Celso de Mello, in verbis:

“A liberdade de expressão, considerada em seu mais abrangente significado, traduz, ela própria, o fundamento que nos permite formular idéias e transmiti-las com o intuito de provocar a reflexão em torno de temas que podem revelar-se impregnados de elevado interesse social. As idéias, Senhor Presidente, podem ser fecundas, libertadoras, subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais. (...) a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião, sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional de tais prerrogativas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social da proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame e consideração da própria coletividade.(grifo nosso) [2]

Destarte, com fundamento nos incisos IV e XVI, do artigo 5º da Constituição, o STF interpretou o artigo 287, CP, conforme à Constituição, afastando sua aplicação, por consequência, conferindo legitimidade à manifestação que defende a bandeira da legalização do entorpecente.

Não obstante sejamos obrigados a nos curvar ao brilhantismo desta r. decisão, ousamos discordar do seu desfecho. É que apesar de toda perfeição técnico-jurídica, esta desconsiderou, a nosso sentir, um dos aspectos fundamentais da Carta Magna: o dever de especial proteção do Estado à família.



I – A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


De plano, cabe consignar que, ao trazer à baila o tema família, não se está pretendendo construir mera retórica moralista, tampouco conservadora. Na verdade, busca-se atribuir efetividade ao disposto no artigo 226, caput, CF, cujo teor descreve-se, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Conforme assevera Laura Affonso da Costa Levy, o dispositivo constitucional suso mencionado “reconhece a importância do organismo familiar para a formação e a manutenção da sociedade” [3] De modo que o Estado fica obrigado, dentre outras coisas, a amparar à família, seja instrumentalizando o planejamento familiar (226, § 7º), seja zelando pelos direitos e interesses das crianças, jovens e adolescentes (art. 227), por exemplo.

Nesta esteira, Pietro Perlingieri, considerando os fins da unidade familiar, sob a égide do dispositivo constitucional em tela, leciona, in verbis:

"A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.” [4]

Assim, família nada mais é do que um grupo de pessoas (ente despersonalizado), unidas por laços sanguíneos ou de afetividade, que adjetiva os valores de uma sociedade. Do núcleo familiar decorrem preceitos e valores fundamentais à formação do indivíduo que, por sua vez, repercutirão no meio social.

A premissa supra, vai ao encontro da concepção sociológica que a estrutura, in verbis:

“Uma família despersonalizada criará uma sociedade desestruturada, e uma sociedade desestruturada causará um mundo desequilibrado, onde os seres humanos passarão a ter os seus valores considerados a partir de êxitos ou fracassos ocorridos nos negócios onde cada pessoa será um produto de última, penúltima ou antepenúltima geração.” [5]

A forttiori, a Carta Magna eleva a família ao status de “base da sociedade”, consagrando Capítulo específico para salvaguardar seus interesses. Em outras linhas, o que pretendeu o constituinte originário foi, acima de tudo, preservar valores enraizados no ambiente familiar, tais como dignidade, respeito, dentre outros.

Todavia, a proteção destes valores não se exaure nos dispositivos que perfazem o aludido Capítulo de proteção a família. Logo, o caput do art. 226 deve ser analisado em sentido amplo, cabendo ao intérprete considerá-lo à luz dos demais princípios constitucionais, tais como à dignidade da pessoa humana.

Tendo em vista o caráter abstrato que reveste o núcleo familiar, muitos conceitos externos colocam em xeque à finalidade educacional e a formação moral ora preconizada na Constituição, sobretudo quando direcionados direta ou indiretamente às crianças, jovens e adolescentes, que, em razão da tenra idade, não possuem formação, tampouco discernimento para sua exata compreensão.

É neste contexto que o artigo 227, caput, expressamente incumbe à família, sociedade, bem como ao Estado o dever de assegurar às pessoas acima descritas o inalienável direito à sua dignidade, ao respeito, colocando-as a salvo de quaisquer violências.

Como cediço, as pessoas a que se refere o art. 227 sujeitam-se as mais variadas ofensas e provações, especialmente num país em desenvolvimento, como o Brasil. Sejam quais forem às agressões, o Estado, como garante, deve intervir no sentido de coibir ou fazer cessar ações que aviltam os direitos e interesses da família.

Em razão disso, o artigo 226, caput, atribui especial proteção do Estado à família, devendo balizar os demais dispositivos constitucionais, de modo a conferir ampla efetividade aos direitos que lhes são inerentes.


II – O PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA: NECESSÁRIA HARMONIZAÇÃO DOS ART. 5º, IV E XVI AOS ARTS. 226 e 227, CF.


Como regra, toda sistemática jurídico-constitucional revela uma série princípios e subprincípios constitutivos de uma sociedade. A aludida complexidade, por vezes, expõe aparentes conflitos de normas, exigindo do intérprete aptidão especial para harmonizá-las, de maneira a conferir-lhes escorreita eficácia.

Para sua adequada interpretação, imperioso socorrer-se da hermenêutica constitucional que, por sua vez, oferece ferramentas adequadas à solução de potenciais conflitos normativos, tornando o sistema harmônico como um todo.

In casu, destaca-se o “princípio da concordância prática ou da harmonização”, construção do eminente jurista alemão Konrad Hesse. A concordância prática, corolário do princípio da Unidade, tem por escopo promover a adequada consonância harmônica entre dispositivos constitucionais.

Na lição de Ingo W. Sarlet, “cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas. [6] (grifo nosso)

Noutro vértice, Canotilho ensina que, in verbis:

“(...) o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou em concorrência de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais e não uma diferença de hierarquia que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos, de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens." (grifo nosso) [7]

Em outras palavras, o princípio, em comento, sugere a ponderação dos valores que materializam os princípios constitucionais, afastando aparentes contradições, obstando o sacrifício unilateral de um determinado bem jurídico, sopesando interesses, bem como os relativizando, se necessário, para garantir adequada harmonia da sistemática jurídico-constitucional.

Superado o proêmio, cabe, neste ínterim, subsumir a aplicação deste princípio à casuística sob exame, considerando, para tal, seus elementos constitucionais e seus efeitos.

Numa análise superficial e perfunctória, é possível depreender que a temática sob exame estabelece concorrência entre direitos fundamentais (art. 5º, IV e XVI) e bens jurídicos constitucionalmente protegidos (arts. 226 e 227,CF)

De um lado tem-se a liberdade de manifestação do pensamento, aliada a liberdade de reuniões em locais públicos, de outro a família (bem jurídico objeto de especial proteção do Estado).

As liberdades de manifestação do pensamento e reunião, revelam-se consectários de um Estado Democrático de Direito, ora ilustradas na manifesta exteriorização de um direito individual de exercício coletivo, onde se busca promover idéias, novos modelos, críticas, quebra de paradigmas, reflexões sociais e políticas, etc.

Destarte, numa primeira leitura, tais garantias fundamentais parecem inatingíveis, portanto, imunes a quaisquer limites, que não aqueles estabelecidos expressamente no bojo de seus dispositivos.

Neste sentido, foi o entendimento do STF ao julgar a ADPF nº 187, cujo dispor ressalta que as idéias promovidas, nestas manifestações, “podem ser fecundas, libertadoras, subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais”, que, ainda assim, restarão legítimas e constitucionais.

No entanto, cabe, novamente, recorrer aos ensinamentos de J. J. Canotilho, que afasta o caráter absoluto das garantias fundamentais, atribuindo limites à sua aplicação, os quais o jurista português denomina “cláusula da comunidade”.

Assim sendo, a cláusula de comunidade funciona como limite implícito às liberdades de manifestação do pensamento e reunião, “desde que colocassem em perigo bens jurídicos necessários à existência da comunidade”. [8]

Neste sentido, surge a família, bem jurídico constitucionalmente tutelado.

Conforme descrito alhures, a unidade familiar consagra uma série de valores e preceitos de índole moral, enunciados na Carta Magna como pilares da formação do indivíduo, razão pela qual o constituinte originário consolidou, especificamente, os artigos 226 e 227.

Ora, a Constituição expressamente outorga, concorrentemente, ao Estado, a sociedade e a família a tarefa-dever de zelar pelos direitos das crianças, jovens e adolescentes, devendo a todo custo evitar-lhes embaraços, máxime considerando-se o teor da discussão que fomenta a denominada Marcha da Maconha, inequívoco reconhecer afronta ao “bem jurídico família”.

Como o próprio nome indica, tal marcha não se resume a reuniões isoladas em praças ou locais públicos determinados. Como tal, o propósito é chamar a atenção da sociedade civil mediante deslocamentos públicos (ruas, avenidas, etc) até chegar num dado local, adotado como referência.

Sendo que, no decorrer do trajeto, o grupo entoa cânticos, palavras de ordem, bem como expõe cartazes fazendo alusão direta ao entorpecente, chegando, por vezes, a notória exaltação à droga, tal qual ocorreu, recentemente, em São Paulo, ocasião em que integrantes bradavam “ei, polícia, maconha é uma delícia" [9]

Pergunta-se, sendo as vias públicas espaço onde transitam crianças e adolescentes, afigura-se razoável a realização de manifestações que despertam o interesse pelos “sabores” do entorpecente?

Sob o manto protetor dos artigos 226 e 227 da CF, acredita-se que não!

Adentrando à casuística do tema, vale destacar que, em dias de marcha da maconha, as famílias não podem e não devem se encarcerar nas suas próprias casas, afinal, seus filhos estudam, tem direito ao lazer, a cultura, etc. Assim, à família cabe optar por não realizar suas atividades diárias (o que denota um absurdo) ou dividir vias públicas com manifestantes, sendo forçada a ouvir gritos e palavras de ordem que ultrapassam a mera discussão sobre a legalização do entorpecente.

No âmbito de sua formação, protegida pela Carta Magna, a família orienta e forma seus filhos no sentido de que o uso de entorpecentes não se adéqua aos valores albergados no art. 227. Isto posto, evidente reconhecer que a Marcha da Maconha, em vias públicas, agride tais acepções, expondo, direta ou indiretamente, o menor a conceitos e temas dos quais não possui discernimento, tampouco formação moral para a adequada compreensão.

Daí porque se faz necessário aplicar o princípio da concordância prática, de modo a viabilizar as liberdades de pensamento e reunião, sem, contudo, sacrificar o bem jurídico família. Não pode o intérprete preferir as garantias fundamentais em detrimento do aludido bem jurídico, razão pela qual deve atenuar a eficácia das normas ou impor-lhes limites, até o necessário ajuste que permita à convivência harmônica de ambos.

Neste mister, não é despiciendo destacar que a discussão sobre o entorpecente, além de conflitante aos interesses da família, envolve temática dependente de necessária modificação legislativa. Logo, a manifestação, em vias públicas, além de atentatória aos valores familiares, mostra-se inócua, já que distante daqueles que detém competência para legitimar o pleito, ora estabelecido na Marcha.

Desta maneira, tal manifestação pode, sim, ocorrer em locais abertos ao público (consoante apregoa o art. 5º, XVI, CF). No entanto, o evento deve ocorrer em local apropriado [10], sem, contudo, promover suas idéias além do espaço ajustado, seja no deslocamento da massa até o local do evento, seja na dispersão, após encerramento.

Importante perceber que a aplicação do princípio da concordância prática, in casu, restringiria o local da manifestação, bem como limitaria a liberdade de manifestação durante o trajeto dos manifestantes.

Apesar de atenuadas, as garantias fundamentais restariam preservadas, assim como o bem jurídico família estaria protegido, evitando-se desnecessária concorrência de valores, já que a família não seria obrigada a dividir vias públicas com indivíduos entoando gritos de exaltação ao entorpecente.

Por fim, dessume-se que o princípio em voga vai ao encontro dos preceitos buscados pelo Estado Democrático de Direito, já que harmoniza, em tese, a convivência entre direitos fundamentais e bens jurídicos tutelados na Carta Magna, obstando injustificáveis sacrifícios, supressões de natureza absoluta, tampouco, eventual hierarquização de normas.


CONCLUSÃO


O STF, ao julgar a ADPF nº 187, entendeu pela legitimidade e constitucionalidade da vulgarmente conhecida Marcha da Maconha, embasado nas garantias estatuídas nos incisos IV e XVI, do artigo 5º da Constituição, por conseqüência, afastando a aplicação do artigo 287 do Código Penal, que pune apologia pública a fato criminoso.

No entanto, data maxima venia, num juízo meramente acadêmico e doutrinário, acredita-se que a manifestação em comento não deve restar imune a limitações, tampouco as garantias fundamentais invocadas devem ser consideradas isoladamente, como regras hierarquicamente superiores a bens jurídicos constitucionalmente protegidos.

Muito embora as liberdades de manifestação do pensamento e reunião sejam pilares do Estado Democrático de Direito, estas nada mais são do que núcleos constitucionais que, por sua vez, devem ser harmonizados à sistemática jurídico-constitucional.

Diferentemente de outras manifestações, em que se debatem questões de cunho político, artístico, social ou intelectual, esta traz à baila discussão sobre o entorpecente, difundindo, em vias públicas, a defesa de sua legalização. A partir daí, surge toda a celeuma, eis que a temática confronta valores buscados pela família, dentre os quais, o repúdio às drogas.

Consoante dispõem os artigos 226 e 277 a família goza de especial proteção do Estado, devendo salvaguardar sua dignidade, assegurar-lhe respeito e empregar todos os meios necessários para evitar violência dirigida à criança, jovem e adolescente.

Por se tratar de reunião em movimento, induvidosa a constatação de que a aludida Marcha avilta (moralmente) crianças, jovens e adolescentes mediante palavras de exaltação aos sabores do entorpecente, isto porque dividem espaço com manifestantes no decorrer do trajeto até seus destinos finais.

Latente, portanto, o choque entre direitos fundamentais à liberdade de manifestação do pensamento e reunião em relação à família, enquanto bem jurídico constitucionalmente protegido.

Neste sentido, o princípio da concordância prática funciona como ferramenta que harmoniza garantias fundamentais e bens jurídicos, se necessário, atenuando sua aplicação, a fim de não sacrificar bem jurídico contraposto.

Trazidas as acepções doutrinárias ao concreto, pode o intérprete estabelecer limitações à liberdade de manifestação do pensamento e reunião, delimitando o espaço físico destinado à manifestação, restringindo, ainda, seu exercício no decorrer do trajeto (vias públicas) até o local avençado, tudo para preservar a família.

Por derradeiro, abstrai-se que apesar de limitadas, as garantias constitucionais invocadas para legitimar a manifestação restariam intactas, eis que conservado o expediente pretendido, podendo seus idealizadores promover suas idéias, sem prejuízo do propósito estabelecido.

Em termos práticos, deixaria de existir a marcha (enquanto reunião em movimento), dando lugar à reunião num espaço delimitado, propiciando a família o direito de manter seus filhos alheios a temas que, devido a sua formação incompleta, não tem o necessário discernimento para aferir correção.


NOTAS


[1] Art. 287, CP - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

[2] STF, ADPF nº 187, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/06/2011.

[3] LEVY, Laura Affonso da Costa. Vínculo Conjugal: o novo fim que se espera. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 71, 01/12/2009 [Internet].Disponível em
url = location;document.write(url);
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6969. Acesso em 18/06/2011.

[4] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

[5] DUARTE, Antonio Augusto Dias. “TWIBLINGS”: a última novidade em procriação artificial. [Internet]. Disponível em http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/dom-antonio-augusto-dias-duarte/5911-twiblings-a-ultima-novidade-em-procriacao-artificial. Acesso em 18/06/2011.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de Alçada e Limitação do Acesso ao Duplo Grau de Jurisdição. Revista Ajuris 66, 1996.

[7] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 5. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Coimbra: Editora Almedina, 1992. p. 232-34.

[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, ob.cit. p. 1265

[9](
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI2865228-EI8139,00-SP+parados+manifestantes+fazem+ato+pela+maconha.html)

[10] Por lugar apropriado, entende-se espaços públicos aptos a receber eventos populares (Casas Legislativas, Praça dos Três Poderes, o Campo de Marte, em São Paulo, etc.), que, por sua vez, conservem distância de bairros essencialmente residenciais, bem como escolas de ensino médio e fundamental.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

CADASTRO RESERVA E A PRORROGAÇÃO DE CERTAMES PÚBLICOS: DESAFIOS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO





RESUMO: Trata-se de ensaio jurídico acerca do tema concurso público, mais especificamente quanto à formação de cadastro reserva e a, conseqüente, prorrogação do certame. De tal sorte, sua análise resta balizada à luz dos princípios constitucionais e orientações jurisprudenciais que aludem à temática ora proposta.


EMENTA: CONCURSO PÚBLICO – CADASTRO RESERVA – PRORROGAÇÃO DO CERTAME – VINCULAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – PAPEL DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO



Há tempos, o país observa contínua e progressiva migração de profissionais do setor privado para o público. Seja pelo fator estabilidade, seja por mero idealismo, fato é que a procura por certames públicos tornou-se prioridade de 7 em cada 10 profissionais recém-egressos das universidades públicas e privadas brasileiras.

Para tal, cumpre ao candidato submeter-se às exigências de um Edital, que segundo José Afonso da Silva “visa essencialmente realizar o principio de mérito que se apura mediante investidura por concurso público de provas ou de provas e íitulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeacões para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeacão e exoneracão (art. 37, II)". [1]

Não obstante a árdua missão de conquistar sua vaga, num universo de milhares de concorrentes, o candidato, por vezes, não logra o êxito merecido e esperado. É que a complicada vida do "concurseiro" resta ainda mais tormentosa face ao constante desrespeito das Administrações Públicas, em geral, no tocante às normas constitucionais alusivas a concurso público.

É certo que, há algum tempo, STJ e STF pacificaram o entendimento inerente ao direito do candidato aprovado dentro do número das vagas estabelecidas no instrumento editalício a ser nomeado ao final do lapso temporal previsto para a vigência do certame.

No entanto, muitas questões, ainda, carecem da atenção do Poder Judiciário, eis que conduzem o rumo de um concurso a terrenos deveras nebulosos, por vezes, culminando em prejuízos irreparáveis, não apenas aos candidatos, mas à sociedade como um todo.

Exemplo unívoco pode ser extraído da polêmica que alude ao tema "cadastro de reserva" e "prorrogação do concurso público".

Bastante recorrente em concursos modernos, o chamado cadastro reserva objetiva, em tese, reunir candidatos habilitados a assumir dada função pública segundo expectativa (evento futuro e incerto) aferida, a priori, conforme à necessidade do órgão ou entidade pública. De tal sorte, a Administração Pública observa à regra descrita no artigo 37, III [2], da Carta Magna, cujo teor estabelece um prazo de validade de até dois anos prorrogáveis pelo mesmo período.

Ab initio, imperioso consignar que STJ e o STF [3], por vezes, entenderam que candidatos aprovados em cadastro reserva possuem "mera expectativa de direito à nomeação" em concurso, bem como restou assentado que a prorrogação de um certame público denota o caráter "discricionário" da Administração Pública em assim proceder, obstando a análise do Poder Judiciário acerca do tema.

À margem de qualquer polêmica, é preciso reconhecer que a premissa acima estatuída consagra, apenas e tão somente, a regra deste núcleo e, como tal, comporta exceção, devendo, portanto, ser aferida caso a caso, senão vejamos.

Desde a confirmação da tese, pelo STF e STJ, atinente ao direito de nomeação dos aprovados conforme às vagas definidas no Edital, as Administrações Públicas, temendo eventuais complicações financeiras e orçamentárias, têm lançado mão de um expediente costumeiramente aferível nos últimos certames: vagas predeterminadas cumuladas com a formação de Cadastro Reserva.

Desta feita, por razões diversas, a Administração Pública deixa de preencher o número de vagas predeterminadas ao final dos dois anos de validade do certame (desistências, candidatos inaptos em exames complementares, suposta dificuldade orçamentária, etc.) e, apesar das vagas existentes e da manifesta necessidade em preenchê-las, deixa de convocar aqueles candidatos constantes em cadastro, preferindo publicar novo instrumento editalício.


Ora, mediante perfunctória leitura acima, é possível depreender que a existência de vagas remanescentes, aliada à formação de cadastro reserva, bem como o caráter dispendioso de um novo certame, torna a situação em tela extraordinária se comparada àquela descrita como regra.

É que a Carta Magna brasileira elenca expressamente e implicitamente dispositivos constitucionais deveras sensíveis e de observância obrigatória pelo administrador público, por sua vez, negligenciados, in casu.


Em outras linhas, a decisão administrativa no sentido de não aproveitar o cadastro reserva, havendo vagas remanescentes, viola, inequivocamente, os princípios da "Legalidade, Eficiência, Moralidade e, por derradeiro, o princípio da dignidade da pessoa humana".

Como é cediço, a edição de um concurso público é precedida de necessária lei que autoriza sua abertura, bem como defina um número exato de vagas a serem providas. Assim, por exemplo, se o instrumento editalício previu 130 vagas para um dado cargo, mas por algum motivo não conseguiu provê-las in totum, sem, no entanto, convocar o cadastro reserva para supri-las, afigura-se latente a violação ao princípio da legalidade, eis que a Administração restou vinculada ao número de vagas ofertadas e tinha meios matérias para seu preenchimento.

Na mesma esteira, o não-aproveitamento deste material humano coloca em xeque a estrutura jurídico-constitucional estatuída pelo princípio da eficiência administrativa, eis que, desta forma, a Administração simplesmente descarta profissionais de comprovada boa técnica e aptos a atender às expectativas almejadas pela máquina pública.

Ademais, vale consignar o desrespeito aos princípios da moralidade e dignidade da pessoa humana. Inequívoco reconhecer que ao formar cadastro reserva, em certames públicos, a Administração Pública incute, tanto no indivíduo (candidato) quanto sociedade, à ideia de aproveitamento destas pessoas assim que caracterizada a possibilidade de seu aproveitamento.

É o que se infere do julgado abaixo, in verbis:

“Entende esse Juízo que, ao promover o concurso público, ainda que inicialmente para a formação de cadastro de reserva, ré compromete-se a contratar os aprovados, pois o concurso figura como uma promessa de contratação, desde que haja necessidade do serviço, o que corresponde a fato incontroverso nos autos. A compreensão da lide, perpassa pela análise do conteúdo ético do certame, de modo que, ao se inscreverem de boa fé no concurso público, todos os candidatos arcam com os custos do processo de seleção, e se dedicam à preparação, com a expectativa de que, uma vez aprovados, preenchidos os requisitos legais e, havendo necessidade do serviço, a contratação corresponde a um direito inafastável” (grifo nosso). [4]

Destarte, uma vez frustrada a convocação do candidato, quando esta era possível, resta evidente a quebra da boa-fé objetiva que norteia todo e qualquer certame, bem como faz com que o candidato, que há tempos aspirava a oportunidade de ingressar no serviço público, experimente situação de absoluto desconforto emocional que não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por derradeiro, exsurge unívoco asseverar que a decisão, injustificada, de não prorrogar um certame, onde há candidatos suficientes à vaga pretendida, para lançar novo instrumento editalício, vai de encontro ao princípio da economicidade (art. 70, CF) [5]. Neste diapasão, vale destacar o ensinamento de Ricardo Lobo Torres [6], in verbis:


"O conceito de economicidade, originário da linguagem dos economistas, corresponde, no discurso jurídico, ao de justiça. (...) eficiência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstanciada na minimização de custos e gastos públicos e na maximização da receita e da arrecadação. (...) ‘‘sobretudo, a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas.’’


Consoante o excerto supra, resta induvidoso asseverar que a decisão de não prorrogar um certame para, em seguida, lançar outro, afronta o princípio da economicidade. Como é cediço, a edição de um novo certame implica uma série de procedimentos, desde os preparos que antecedem à licitação até a efetiva escolha da nova organizadora do certame, demandando tempo e gastos que, por sua vez, seriam evitados com a simples prorrogação daquele vigente.

Tais posições restam confirmadas em recente julgado proferido na Justiça Federal do Sergipe, cujo decisum determinou a prorrogação da validade de certame público promovido por Autarquia de âmbito federal, após reconhecida a ilegalidade do ato administrativo que altera a data de vigência do concurso, a inobservância dos princípios da moralidade e proporcionalidade, bem como em homenagem ao princípio da economicidade.

Aqui, cabe consignar os fundamentos explicitados nesta r. decisão, in verbis:

“Na lição da doutrina, a proporcionalidade exprime uma correlação de eficácia do ato em relação à realidade sobre a qual vai atuar, selecionando as medidas adequadas à satisfação do interesse público específico colimado pela norma de regência do caso concreto. De seu lado, a razoabilidade opera uma harmonização da seleção prévia derivada da proporcionalidade, permitindo balancear a aplicação da medida selecionada, de modo que a satisfação do interesse público ocorra concretamente com a menor restrição possível aos direitos individuais dos cidadãos. Nesse contexto, é consabido o esforço e dispêndio para a definição das necessidades de pessoal e a respectiva alocação de recursos na lei orçamentária para prover os cargos públicos. Ora, vencidas todas as etapas - de natureza política, orçamentária e administrativa -, realizado o concurso e selecionados os melhores candidatos, não se mostra aceitável, em termos de boa gestão administrativa - informada pela proporcionalidade e pela razoabilidade -, a alteração das regras editalícias, manobrando-se seu prazo de validade antes fixado, aspecto que poderia levar ao improvimento de vagas com candidatos a tanto habilitados. (...) Sob outro giro, a previsibilidade imanente à segurança jurídica implica um elo de confiança entre Estado e indivíduo e uma salvaguarda para toda a sociedade, pois preserva e exige um mínimo ético de parte a parte. A implicação do postulado da proteção à confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, com os atos administrativos (...) O princípio da boa-fé, por sua vez, também abrange o aspecto objetivo, que diz respeito à conduta leal, honesta, e um aspecto subjetivo, que diz respeito à crença do sujeito de que está agindo corretamente. (...)Com efeito, na hipótese versada nesta demanda, não é conferido ao INSS o direito de surpreender a todos com a expedição de um edital retificador após a realização do certame e uma vez conhecidos os candidatos aprovados em definitivo, manipulando o seu prazo de validade.” [7]

É certo que o caso, em tela, reserva certa peculiaridade, ante ao reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo que, após a homologação do certame, alterou dispositivo edittalício alusivo à vigência do certame. No entanto, em seu bojo, trouxe elementos que consagram à observância de princípios sensíveis por parte da Administração Pública, impedindo que a inicial discricionariedade descambe para a arbitrariedade.

Recentemente, o próprio STF deu sinais de que os princípios constitucionais suso mencionados, enfim, começam a permear o espectro do concurso público ao julgar o RE 581113/SC, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, cuja ementa transcreve-se, in verbis:


EMENTA Concurso público. Criação, por lei federal, de novos cargos durante o prazo de validade do certame. Posterior regulamentação editada pelo Tribunal Superior Eleitoral a determinar o aproveitamento, para o preenchimento daqueles cargos, de aprovados em concurso que estivesse em vigor à data da publicação da Lei.

1. A Administração, é certo, não está obrigada a prorrogar o prazo de validade dos concursos públicos; porém, se novos cargos vêm a ser criados, durante tal prazo de validade, mostra-se de todo recomendável que se proceda a essa prorrogação. 2. Na hipótese de haver novas vagas, prestes a serem preenchidas, e razoável número de aprovados em concurso ainda em vigor quando da edição da Lei que criou essas novas vagas, não são justificativas bastantes para o indeferimento da prorrogação da validade de certame público razões de política administrativa interna do Tribunal Regional Eleitoral que realizou o concurso. 3. Recurso extraordinário provido. (grifo nosso)
[8]

A decisão é paradigmática, eis que reflete os valores buscados por todo e qualquer Estado Democrático de Direito, que deve primar pela qualificação técnico-profissional de seus servidores, sem descurar a primazia pelo escorreito atendimento ao interesse público primário, bem como atende ao preceito que preconiza o respeito à pessoa humana.

Desta forma, é possível abstrair que a ideia de discricionariedade na convocação do cadastro reserva e respectiva prorrogação do certame, apesar de regra, deve ser mensurada conforme às peculiaridades do caso concreto, devendo o administrador subsumi-las à efetiva necessidade de preenchimento de servidores e, fundamentalmente, às regras expressas na Carta Magna.


Noutras palavras, é preciso que o Poder Judiciário consolide os posicionamentos descritos outrora, de modo a não permitir que princípios constitucionais tornem-se letra morta, sendo, por vezes, aviltados pela Administração Pública em sede de concursos públicos Brasil afora.


NOTAS


[1] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Malheiros Editores. 2007. Pag. 679


[2] Art. 37 - (...)

III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;

[3] 1. O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas previsto no edital tem mera expectativa de direito à nomeação. Com isso, compete à Administração, dentro do seu poder discricionário e atendendo aos seus interesses, nomear candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência, respeitando-se, contudo, a ordem de classificação, a fim de evitar arbítrios e preterições. 2. A prorrogação do prazo de validade de concurso público é ato discricionário da Administração, sendo vedado ao Poder Judiciário o reexame dos critérios de conveniência e oportunidade adotados”. (STJ, RMS 25501/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, j. 18/08/2009, DJ 14/09/2009) (grifo nosso)

[4] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO. 8ª VARA DO TRABALHO DE MACEIÓ/AL. PROCESSO: 0001605-55.2010.5.19.0008. j. em 27 de maio de 2011.

[5] Art. 70. CF - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (grifo nosso)

[6] TORRES, Ricardo Lobo. O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade. Revista do TCE/RJ, nº 22. Rio de Janeiro, jul/1991, pp. 37/44.

[7] JFSE, Ação Civil Pública nº 0005370-43.2010.4.05.8500, 2ª Vara Federal, j.17/05/2011.

[8] STF, RE 581113/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLIJ. 05/04/2011, Primeira Turma, DJe 31/05/2011.