terça-feira, 9 de julho de 2013

DA OBRIGATORIEDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE COMO CONDIÇÃO AO BACHARELADO




Nesta semana, o Governo Federal divulgou importantes mudanças na grade curricular do curso de medicina,  acrescendo dois anos na graduação, cumpridos na forma de serviços no Sistema Único de Saúde. Noutras palavras, o bacharel, para obter o diploma e o consequente registro no CRM, deverá cumprir 8 anos de formação acadêmica, sendo os 2 últimos anos destinados a prestação de serviços na rede pública de saúde.


Evidente que a mudança não é unanimidade dentre os especialistas, despertando debates em torno de possível afronta a liberdade do exercício de profissão. Deixando de lado qualquer coloração partidária ou ideológica, é preciso pautar a questão sob 2 enfoques: sua necessidade e sua constitucionalidade.


Não há dúvida que a rede pública de saúde requer maiores atenções por parte dos governos, seja no tocante a profissionais, seja na manutenção e aquisição de equipamentos, logo a injeção destes "residentes" representará um fôlego a mais para aliviar o gargalo da saúde, no país. 


No entanto, de nada adiantará a medida se o governo não envidar esforços na construção de universidades públicas nas regiões mais carentes de abastecimento de saúde. Ora, se o intuito é interiorizar a saúde, o primeiro passo a ser dado é criar universidades públicas e incentivar instituições privadas nas regiões com baixas demandas de profissionais de saúde.


Ademais, não é correto com o aluno, ser humano, impor a obrigação de deixar seu Estado de origem para cumprir a nova grade curricular em outro, face à inexistência de cursos de medicina no local. É que isso poderia denotar efeito inverso ao esperado, afinal estar-se-ia impondo a mudança do futuro profissional para locais diversos, longe de seus familiares, mediante ajuda de custo de 3 mil Reais, fato que pode determinar a presença de um médico desmotivado na rede pública.


Assim, o ponto de partida para a referida mudança deve ser a construção de universidades públicas nestas áreas com maior defasagem de profissionais de saúde, tudo para que profissionais da região ou a estas familiarizados possam cumprir os 2 anos de estágio obrigatório sem prejuízo de sua vida particular e, acima de tudo, conhecendo os problemas locais.


No que diz respeito à constitucionalidade da medida, é preciso socorrer ao disposto no inciso XIII, do artigo 5º, da Carta Magna, cujo teor transcreve-se, in verbis:


"XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;" (grifamos)


Da leitura do dispositivo constitucional em destaque, pode-se asseverar que se trata de uma norma de eficácia contida, ou seja, que possui efeitos imediatos, mas não integrais, eis que podem ser restringidos por força de lei ordinária. Notem, muito embora a Constituição consagre a liberdade do exercício de qualquer trabalho, o mesmo dispositivo autoriza o legislador infraconstitucional a impor condições ao seu exercício.


Com efeito, a anunciada mudança curricular nos cursos de medicina vão ao encontro do disposto no inciso XIII, do artigo 5º, da Carta Magna, eis que a condição de exercer por 2 anos a atividade de medicina na rede pública de saúde atende à restrição constitucional assegurada ao legislador infraconstitucional, logo nenhuma inconstitucionalidade há que ser suscitada.


O mesmo raciocínio é o que norteia a exigência do Exame para a obtenção no registro da Ordem dos Advogados do Brasil. Noutros termos, tal qual a imposição de provas de conhecimentos para o exercício da advocacia, a condição de prestar serviços por prazo determinado no SUS também é justificada pelo Princípio da liberdade profissional restringível  (art. 5º, XIII, CF).


Conclui-se, portanto, que a discussão não deve orbitar sobre à constitucionalidade da obrigatoriedade imposta pelo Ministério da Educação, mas, sim, em torno da necessidade da criação de novas instituições públicas e incentivo para novas instituições privadas capazes de oferecer cursos de medicina, de qualidade, em regiões carentes de profissionais de saúde. 






sexta-feira, 5 de julho de 2013

Neoconstitucionalismo: da legalidade para a juridicidade. Um breve comentário.


Em tempos de "Neoconstitucionalismo", cujo marco teórico (nas precisas lições do agora Ministro e ainda mais festejado Luís Roberto Barroso) reside na EFICÁCIA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO, é necessário desenvolver novos métodos e instrumentos para a interpretação da “ordem jurídica constitucionalizada”.
Certo é que a hermenêutica constitucional não deixa de ser uma espécie de hermenêutica jurídica, pois o objeto de ambas consiste na interpretação dos fenômenos jurídicos, dentre eles as normas constitucionais. Porém, é bom que se diga: em virtude das peculiaridades marcantes das normas constitucionais (supremacia hierárquica; viés político; o objeto de juridicização; a linguagem eminentemente principiológica, etc.) os tradicionais métodos e instrumentos de interpretação, criados à época do positivismo jurídico clássico (a lei como o centro do ordenamento jurídico), são insuficientes para a interpretação não só da Constituição, mas do “Direito Constitucionalizado”. Por exemplo: uma das garantias (ou, para alguns, direitos) fundamentais consagradas pela Constituição é o “PRINCÍPIO DA LEGALIDADE” (art. 5º, II da CF/88). Por ele, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de “LEI”. Ou seja, somente a “LEI” pode impor ao cidadão determinadas situações jurídicas passivas (deveres, obrigações, ônus e sujeições). Eis, aí, a clássica interpretação do dogma da legalidade!
Entretanto, o art. 5º, II da "Lex Legum" sofreu o que se denomina de "MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL", sobretudo à luz do caráter deôntico (normativo) dos Princípios. Agora, o cidadão continua sendo obrigado a fazer não só o que a lei ordena, mas, também, o que os Princípios lhe impõem. Passamos, então, de uma noção de “LEGALIDADE ESTRITA” para uma ideia mais rica e abrangente de “JURIDICIDADE”.
Atento ao aludido "giro interpretativo", o Supremo Tribunal Federal, com reverências à eficácia normativa da Constituição, proibiu o censurável “NEPOTISMO” na Administração Judiciária. Muitos, ainda escravos do arcaico positivismo jurídico clássico (a lei como astro do universo jurídico), indagaram: "como poderia o STF proibir o nepotismo se inexiste LEI vedando tal comportamento?" Pobres de espírito jurídico, com todo o respeito.
De fato, inexiste lei vedando o desprezível nepotismo, mas sua censura já decorre do próprio “PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA”, expressamente consagrado pelo art. 37, "caput" da Constituição da República. Lembrem-se: estamos na era do "Neoconstitucionalismo". No reino supremo da Constituição. No nicho do Direito Constitucionalizado, onde muito mais importantes do que uma mera prescrição legal são a eficácia e a máxima efetividade das normas constitucionais, sobretudo daquelas que declaram direitos fundamentais. Pena que nossos políticos ainda não assimilaram essa lição. Mas vão aprender, quem sabe, daqui a uns 200 anos, como já prospectava o saudoso jurista Ruy Barbosa.