terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A violência nos estádios de futebol

foto: http://futebola.files.wordpress.com/2009/01/bola-mucha1.jpg




Decorridos 14 anos do fatídico episódio ocorrido no Pacaembú, em partida válida pela Supercopa de Juniores entre Palmeiras e São Paulo, nenhum avanço foi notado na seara esportiva e jurídica a fim de colocar termo aos constantes atos de violência nos arredores dos estádios.

É certo que o bem intencionado "Estatuto do Torcedor" entrou em vigor e que inúmeras reuniões envolvendo torcidas, autoridades policiais, clubes e Ministério Público foram realizadas sem, no entanto, solucionar este câncer que há tempos torna o futebol brasileiro doente e refém de alguns marginais travestidos de torcedores.

Recentemente, após novos episódios de violência em São Paulo e Belo Horizonte, as autoridades tencionam restringir em 5% a distribuição de ingressos a equipes visitantes, outros, mais extremos, pretendem abrir os portões apenas a torcida mandante, tudo para extirpar a violência dos eventos esportivos no Brasil.

Data maxima venia, creio não seja essa a ação adequada ao caso, uma vez que o histórico de violência nos arredores do estádio nos faz pensar que estes arruaceiros travestidos de torcedor seriam capazes de promover emboscadas, aguardar a saída dos torcedores adversários para iniciar um confronto, dentre outras coisas.

Deste modo, penso que a intenção manifestada pelas autoridades, embora bem intencionada, não culminará com o fim da violência nos estádios, mas, apenas, será mais um paliativo para a questão. Ademais, não é despiciendo consignar que o fenômeno da violência nos estádios, nada mais é que resultado de todo um processo sócio-econômico e do absoluto descaso do Estado no que tange a educação, logo, a violência nos estádios não é, a meu ver, um fenômeno isolado, mas um evento que decorre do próprio seio da sociedade.

Assim, o Código Penal brasileiro contém um sem número de dispositivos capazes de enquadrar aqueles que praticam ilícitos nos estádios, contudo, a impunidade, assim como nos demais casos, impera nos estádios de futebol, tornando o produto cada vez menos atrativo para as famílias e aqueles adoradores do esporte.

Em razão disso, apesar da auto-suficiência do Código Penal para estas questões, creio seja necessária tipificação específica neste diploma, assim como a introdução de outras providências, para que, ao menos, sejam diminuídos os casos de violência no esporte.


SUGESTÃO LEGISLATIVA


Art. 1º - Esta lei introduz o artigo 129-A, altera a redação dos artigoS 163 do DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 (Código Penal brasileiro), bem como cria o Cadastro Nacional de Torcedores Suspensos de Eventos Desportivos.

Art. 2º - Inclusão do artigo 129 -A no Capítulo II - Das lesões corporais, com a seguinte redação:

Art. 129-A - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem em eventos desportivos, incluídos os arredores dos estádios de futebol e ginásios de esportes:

Pena - detenção, de dois a quatro anos, sem prejuízo de multa correspondente e terá suspenso o direito de ingressar em todo e qualquer evento esportivo realizado no território nacional, por tempo indeterminado.

Art. 3º - O parágrafo único do art. 163 do Decreto-lei nº 2.848/40, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

(...)

V - em eventos desportivos, incluídos arredores dos estádios e ginásios de esportes:

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Em se tratando de crime previsto no inciso V deste artigo, além das penalidades e multas, o agente será suspenso o direito de ingressar em todo e qualquer evento esportivo realizado no território nacional, por tempo indeterminado.

Artigo 4º - Esta lei cria o Cadastro Nacional de Torcedores Suspensos de Eventos Desportivos em território nacional, cuja administração fica a cargo da União, incumbindo às Secretarias de Segurança Pública dos Estados inserir, periodicamente, a identificação dos criminosos a fim de obstar sua presença nos estádios, ginásios e demais praças esportivas no Brasil.

Artigo 5º - O Cadastro será implantado pela União e disponibilizado em sistema intranet para os Estados que integram a Federação e mediante sítio próprio na WEB para as Confederações, Federações desportivas e seus filiados.

Parágrafo único - Efetuada a prisão do "torcedor", este será imediatamente conduzido a autoridade policial que, além dos procedimentos previstos em lei, procederá a inserção dos dados pessoais do criminoso no referido Cadastro, informando:

I - nome completo;
II - integrante de torcida organizada;
III - motivo da prisão:

Artigo 6º - Todo o torcedor, ao ingressar na praça esportiva, deverá ser identificado e aquele, cujo nome constar no aludido Cadastro, será proibido de assistir ao evento, devendo ser conduzido a autoridade policial, devendo lá permanecer até o término do evento e dispersão do público.

Parágrafo único - A identificação do torcedor, realizada nas vias de acesso ao Estádio, será efetuada pela Polícia Militar em conjunto com funcionários da Federação e dos clubes que promovem o espetáculo.

Artigo 7º - Em dias de eventos esportivos, só poderão permanecer nos arredores das praças esportivas àqueles indivíduos que possuam ingressos e não estejam inseridos no rol descrito no Cadastro Nacional de Torcedores Suspensos de Eventos Desportivos.

Artigo 8º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.



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Vídeos relacionados ao tema:
VÍDEO 1 - http://www.youtube.com/watch?v=klAbLqJbfow
VÍDEO 2 - http://www.youtube.com/watch?v=Y1h0HrWK920
VÍDEO 3 - http://www.youtube.com/watch?v=U_ISFWET0xU
VÍDEO 4 - http://www.youtube.com/watch?v=QNmWKXzE86E
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Projeto de lei 399/08 (Lei dos Concursos Públicos)






Santos, 02 de setembro de 2.008.


Excelentíssimo Sr. Senador Gerson Camata,


primeiramente gostaria de externar profunda satisfação pelo presente contato. Há tempos acompanho vosso trabalho no Senado, cuja essência revigora o espírito de democracia e a esperança de dias melhores no Brasil.

Não obstante o proêmio, parabenizo Vossa Excelência pela iniciativa ilustrada no Projeto de Lei 297/08, cujo teor obriga a organizadora a entregar ao candidato o cartão-resposta no momento em que ele deixar a sala de prova. Tal iniciativa, certamente, vai ao encontro da expectativa de muitos candidatos espalhados pelo país afora, tudo porque oferece maior transparência na seleção pública.

Em que pese a brilhante proposição legislativa, gostaria, oportunamente, de trazer a baila outra situação que aflige inúmeros candidatos a consursos públicos, qual seja: insistência de muitas organizadoras em não entregar ao candidato o caderno de questões ao final da prova.

Em outras palavras, muitas empresas que organizam concursos públicos deixam de fornecer ao candidato o caderno de questões utilizado no certame, sem sequer divulgá-lo posteriormente em seu sítio da WEB. Em termos práticos, tal prática inconstitucional e despropositada vem destacada no Edital da seguinte forma, in verbis:

"ITEM x - Por razões de ordem técnica, de segurança e de direitos autorais adquiridos, a ...... (ORGANIZADORA) não fornecerá exemplares dos cadernos de questões a candidatos ou a instituições de direito público ou privado, mesmo após o encerramento do concurso público." (GRIFO NOSSO)

Assim, o candidato sai do local de prova sem o caderno de questões, portando consigo apenas cópia do gabarito por ele preenchido. Deste modo, quando da divulgação do gabarito oficial, o candidato não consegue identificar nenhuma das respostas atribuídas as questões, isto porque não tem em mãos o caderno de questões inerente ao cargo que prestou.

Tomemos por exemplo a seguinte situação hipotética, se numa prova onde existem 100 (cem) questões de múltipla escolha, como poderá o candidato aferir qual o conteúdo da questão 76 e a respectiva resposta trazida pela letra "E" do gabarito oficial ????? A resposta é evidente, IMPOSSÍVEL !!!!

Note ilustre congressista, tal pratica viola inúmeros princípios constititucionais, dentre eles: Publicidade, Contraditório e Moralidade. Em outras linhas, a absurda inserção desta regra no Edital torna o concurso deveras OBSCURO, ante a IMPOSSIBILIDADE do candidato elaborar recurso referentes as questões trazidas pelo gabarito e a POSSIBILIDADE de fraudes por parte de administradores improbos e criminosos, já que poderão fazer verdadeiros "encaixes" de apadrinhados e familiares de acordo com sua conveniência.

Sou advogado atuante e busco atingir meus objetivos profissionais (intrínsecos a carreira pública), desde formado participo de inúmeros concursos públicos, tendo obtido sucesso em alguns destes, todavia tenho observado inúmeros absurdos perpetrados por organizadoras, é preciso restringir tais barbáries cometidas por estas, sob pena de consentirmos com o ingresso de profissionais desqualificados e sem comprometimento com a população.

Estou convicto que o Projeto-lei de sua autoria trará imensos benefícios a todos nós aspirantes a cargos públicos, contudo creio que a efetiva adequação dos concursos públicos aos moldes descritos na Carta Magna somente ocorrerão com a edição de um "ESTATUTO PARA CONCURSOS PÚBLICOS".

É certo que a Carta Magna brasileira é concisa e deveras estruturada quanto aos princípios norteadores da atividade pública como um todo, contudo bem sabemos que o respeito ao idoso só passou a ter efetividade após a edição de um estatuto próprio, que a proteção a criança só funciona pois existe um estatuto, a questão urbanística só foi levada a efeito após a edição de um estatuto, o desarmamento só se deu graças a um estatuto.

É lamentável diagnosticar que uma Constituição tão bem elaborada e pautada em princípios tão eficientes NÃO É RESPEITADA NO BRASIL, é sempre preciso a existência de legislação infraconstitucional que "traduza", mas, infelizmente, estou convicto que a solução para o imbróglio que envolve os concursos públicos só será equacionado com a edição de um estauto para tal, inserindo regras como:

1. acompanhamento efetivo e periódico das organizadoras de concursos mediante uma Comissão (formada pelo Ministério Público do Estado e do Trabalho, bem como particulares interessados), a fim de evitar organizadoras fraudulentas, que atendam, em troca de benefícios, interesses de administradores inescrupulosos;

2. assegurar que o candidato leve consigo o caderno de questões, garantindo, portanto, os Princípios da Publicidade, Moralidade e Contraditório;

3. inserção da regra referida no PL 297/08;

4. tipificar como crime a fraude em concursos público, estabelecendo penas que inibam futuras situações similares;

5. a criação de um Cadastro Nacional de Organizadoras e respectivos responsáveis, a fim de evitar que eventuais empresas com atividades comprovadamente ilícitas rebram suas portas sob outra denominação social;

6. uma vez homologado o certame público, seja reconhecido o direito subjetivo a nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas, eis que se tais vagas foram solicitadas no instrumento editalício é porque há previsão orçamentária para tal, bem como existe necessidade de preenchimento destas vagas;

7. seja vedado o exercício de barra fixa para mulheres candidatas a cargos na Polícia civil, militar e Federal, assim como Guardas municipais.

Peço desculpas a Vossa Excelência pela ousadia das sugestões acima e agradeço a atenção dispensada.

Santos, 2 de setembro de 2008.


RICHARD PAES LYRA JUNIOR
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quinta-feira, 9 de outubro de 2008 15:16:33

Senhor Richard,

De ordem do Senador Gerson Camata, estamos encaminhando a resposta da Consultoria Legislativa à solicitação de análise das sugestões apresentadas por Vossa Senhoria ao Projeto de Lei nº 297/08. Informamos que foi solicitada pelo Senador a elaboração do Projeto de Lei correspondente, para apresentação nesta Casa. Agradecemos mais uma vez as sugestões apresentadas e continuamos à disposição no Gabinete em Brasília.

Atenciosamente,

Assistente Parlamentar


Gabinete do Senador


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NOTA INFORMATIVA Nº 3.595, DE 2008


Relativa à STC nº 2008-24412, do Senador GERSON CAMATA, que demanda análise de sugestões ao Projeto de Lei nº 297/08.

Vem a exame documento contendo sugestões do advogado Richard Paes Lyra Junior ao Projeto de Lei nº 297/08, relativo à disciplina dos concursos públicos.

Em síntese, o missivista sugere que sejam contemplados em lei os seguintes aspectos:

a) acompanhamento do trabalho das bancas organizadoras de concursos públicos por comissão, integrada, entre outros, pelo Ministério Público;

b) assegurar ao candidato o direito de levar consigo o caderno de questões;

c) tipificar como fraude em concurso público atos lesivos aos princípios constitucionais e legais que o regem;

d) criação de um cadastro nacional de entidades organizadoras de concursos públicos.

Quanto ao tema e às sugestões, deve ser lembrado, por oportuno e necessário, que o Senado Federal já havia sentido a necessidade imperiosa de regulamentação nacional da realização dos concursos públicos, de maneira a livrar esses certames do longo caudal de arbitrariedades,
direcionamentos, manipulações, ilegalidades e inconstitucionalidades.

Essa preocupação tomou a forma do Projeto de Lei do Senado nº 92, de 2000, instituindo uma lei nacional de concursos públicos e, ao longo de setenta e oito artigos, disciplinava normas gerais de concursos, conteúdos obrigatórios e proibidos dos editais, os processos de inscrição, a elaboração das provas, a aplicação das provas, a sua correção e os critérios admissíveis, o regime legal das provas objetivas, discursivas, físicas, práticas, psicotécnicas e orais, os procedimentos recursais, o regime legal dos candidatos aprovados, o exame da vida pregressa e os atos contra o concurso
público.

Essa proposição, que apresentava sólida base doutrinária e vinha lastreada pela jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca da instituição do concurso público, foi aprovada pelo Senado Federal em 2002 e enviada para a Câmara dos Deputados, para revisão, Casa na qual sofreu rejeição e arquivamento.

Em face das ponderáveis e importantes argumentações veiculadas pelo missivista, e do interesse do Senador pelas questões relativas ao concurso público, e tendo em vista as prescrições da legislação complementar que rege a feitura de leis, vedando o tratamento tópico de matérias que admitem sistematização, temos para nós que seria extremamente recomendável a reapresentação de projeto de lei instituindo uma lei nacional dos concursos públicos, partindo dos termos do citado PLS nº 92/2000 e enriquecido pelas sugestões formuladas e pelas novas linhas jurisprudenciais do STF e do STJ sobre temas ligados a concursos, de forma a, finalmente, instituir uma lei nacional de concursos públicos, cobrindo todas as questões a ele relativas.

Esse tratamento sistêmico, em tudo mais adequado que o enfrentamento pontual das dezenas de questões relativas aos processos seletivos para cargos públicos, seria convertido num referencial seguro para o tema, com abrangência nacional.

Essas, as anotações e sugestão que tínhamos, ficando ao dispor do Senador solicitante para o que mais se faça necessário, inclusive a elaboração do projeto de lei nacional de concursos públicos, se essa for a decisão.

Consultoria Legislativa, 29 de setembro de 2008

Gabriel Dezen Junior

Consultor Legislativo



CLIQUE ABAIXO PARA LER O PROJETO NA ÍNTEGRA...

http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/14135.pdf



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Vídeos relacionados ao tema:

VÍDEO 1 - http://www.youtube.com/watch?v=-WpXZdFgQhU
VÍDEO 2 - http://www.youtube.com/watch?v=gnzTK4w8kHg
VÍDEO 3 - http://www.youtube.com/watch?v=kGm7uaDtp9I
VÍDEO 4 - http://www.youtube.com/watch?v=tboYzhdKC38&feature=related
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Considerações sobre o impasse no caso Battisti




Asilo ou refúgio

Considerações sobre o impasse no caso Battisti

“Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas” (Deputado Ettore Pirovano)

A infeliz e inverídica frase que abre este ensaio traduz com fidelidade a estremecida relação entre as embaixadas de Brasil e Itália, antes linear e amistosa, fruto da negativa brasileira em extraditar um “refugiado da justiça italiana”, condenado por quatro homicídios em seu país na década de 70.

O Brasil justifica tal negativa invocando a soberania nacional, mais precisamente, in casu, com fulcro no inciso X, artigo 4º da Carta Magna, cujo dispor prescreve a concessão de asilo político como um dos princípios que regem o país em suas relações internacionais. A seu turno, a Itália repudia a postura diplomática brasileira, considerando incabível a concessão do asilo político face a natureza dos crimes cometidos pelo refugiado.

Ao contemplar tais argumentos, imprescindível as seguintes ponderações: (i) o referido cidadão italiano enquadra-se, efetivamente, no conceito de refugiado?; (ii) os crimes por ele praticados, com trânsito em julgado, subsumem-se as prescrições constantes na Carta Magna brasileira?

A priori, antes de adentrar ao mérito das questões acima suscitadas, convém consignar que a condição de refugiado está prevista no artigo 6.A.II da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, corolário do princípio da concessão de asilo político, ora recepcionado e vertido em norma no Brasil por intermédio da Lei 9.474/97.

Segundo esta, entende-se por refugiado todo indivíduo que (a) devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; (b) não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; (c) devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (art. 1º, I a III).

Destarte, o governo brasileiro sustenta a não extradição por entender que o integrante do grupo dos proletários armados para o comunismo (organização de extrema esquerda contrária ao governo da época e acusada de diversos atos terroristas na Itália) é vítima de perseguição, em razão de suas opiniões políticas.

Data maxima venia, discordo frontalmente da premissa acima estabelecida. Tendo em vista o trânsito em julgado e o caráter soberano das decisões proferidas pela Justiça italiana, não há que se falar em perseguição por motivos políticos, já que se trata de decisum proferido por órgão jurisdicional legítimo e competente. Em outras linhas, o caso em tela não retrata a “perseguição política” de um Estado contra um indivíduo, mas de execução de uma ordem judicial emanada por autoridade competente para tal.

A proteção albergada pela Lei 9.476/97 afigura-se deveras salutar a democracia de um país, eis que assegura o direito de opiniões políticas contrárias a todo e qualquer cidadão nele residente, contudo, o episódio em comento faz alusão a atitudes que exacerbam a simples opinião política do indivíduo, eis que contempla atitudes terroristas que culminaram em mortes, eventos já reconhecidos pelo Judiciário italiano.

De tal sorte, a mera alegação de perseguição por opiniões políticas não é suficiente para atribuir a condição de refugiado, haja vista o processo judicial referir-se a fatos típicos e apenados conforme a legislação pátria, afastando, por óbvio, a pretensa condição de refugiado. Logo, afigura-se uma impropriedade jurídica inominável analisar o caso sob a ótica da perseguição por motivos de opiniões políticas e, consequentemente, reputar este cidadão como sendo um refugiado político.

Não bastasse a interpretação equivocada do artigo 1º, I, da Lei 9.474/97, a diplomacia brasileira parece desprezar o teor que embasa a decisão da Justiça italiana, bem como as disposições do artigo 3º, III do mesmo diploma legal e 4º, VIII, da Carta Magna, cujo teor peço venia para transcrever, consecutivamente, in verbis:

Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:

III — tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

VIII — repúdio ao terrorismo e ao racismo; (grifo nosso).

Notem, a referida sentença condenatória, proferida pela Justiça italiana, reconhece a autoria e materialidade delitiva atinente a quatro homicídios decorrentes de atos terroristas praticados pelo acusado. Ora, uma vez reconhecida a prática de atos terroristas, a concessão de refúgio pelo governo brasileiro cai por terra ante a exclusão descrita no artigo 3º, III do diploma legal supracitado e a notória contrariedade ao princípio de repúdio ao terrorismo estatuído na Constituição brasileira de 1988.

Nem se alegue que a postura diplomática atende a soberania do Estado brasileiro, isto porque, tal decisão, vai de encontro à própria Constituição Federal, tornando deveras vazia e insubsistente a posição adotada pelo governo brasileiro. Considerando, portanto, a soberana decisão judicial que reconhece homicídios provenientes de atitudes terroristas e o princípio constitucional do repúdio ao terrorismo, desaparece o direito de concessão de refúgio implícito no artigo 4º, X, da Carta Magna.

Desta forma, reputa-se, a nosso sentir, equivocada a interpretação do governo brasileiro no tocante ao instituto do refúgio descrito na Lei 9.474/97 e implícito na Constituição da República Federativa do Brasil, razão pela qual deve a diplomacia brasileira rever o caso e, enfim, autorizar a extradição do acusado, sob pena de estremecer ainda mais as relações entre os países.


Richard Paes Lyra Junior é advogado, especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD). É bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos.


Revista Consultor Jurídico, 19 de fevereiro de 2009


http://www.conjur.com.br/2009-fev-19/breves-consideracoes-acerca-impasse-diplomatico-battisti

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Vídeos relacionados ao tema:










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A CONEXÃO ENTRE A AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL E A AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL: HIPÓTESE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO FISCAL?

Foto: http://lexmoreno.files.wordpress.com/2008/05/direito1.gif


O Direito Tributário é o ramo do direito que reserva maior complexidade àqueles que se dedicam a estudá-lo, seja pela especificidade de seu direito material, seja pela expressiva quantidade de leis que o regulamentam. A mesma complexidade que caracteriza o direito material também se observa no âmbito do processo tributário, já que, não poucas vezes, seus elementos não detêm autonomia necessária para equacionar certos inconvenientes processuais, despertando inevitáveis vicissitudes.

Conforme é cediço, o Direito Tributário, diferentemente do Direito Civil e Penal, não possui sistemática processual própria, exceto a Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), devendo socorrer-se nas disposições contidas no Código de Processo Civil. Mesmo dispondo de lei específica para regular o processo de execução fiscal, é certo que tal lei, de longe, não exaure os dispositivos necessários para solucionar os conflitos processuais inerentes ao processo tributário, aumentando, sobremaneira, a relação de dependência com a sistemática processual civil.

Exemplo unívoco a presente situação pode ser abstraído do imbróglio envolvendo a propositura da Ação de Execução Fiscal quando pendente o julgamento de Ação Anulatória de Débito Fiscal manejada pelo contribuinte. In casu, o cerne da questão pode ser resumido na seguinte indagação: a descrita conexão constitui hipótese de suspensão da ação executiva?

A Ação Anulatória de Débito Fiscal, com fulcro no artigo 38 da LEF, tem como objeto a desconstituição do lançamento tributário, ora efetuado, por razões de ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação, vícios no lançamento, ilegitimidade passiva, decadência e prescrição, dentre outras hipóteses.

Nesta esteira, Hugo de Brito Machado:

A ação concerne ao processo de conhecimento e segue o rito ordinário, daí ser também usualmente chamada de ação ordinária. Em seu âmbito o contribuinte exerce, da forma mais ampla possível, o seu direito de defender-se contra exigência indevida de tributo, posto que são cabíveis todos os meios de prova admitidos em Direito, podem ser deslindadas todas as questões de fato e de direito, sem qualquer restrição. [1]

Em regra, a referida ação é cumulada com o pedido de antecipação de tutela, isto porque o lançamento tributário traz sérias e inevitáveis implicações para o dia-a-dia da pessoa jurídica, tal como a inscrição no Cadastro de Inadimplentes – CADIN, que, por sua vez, obstará uma série de atividades por ela praticadas, por exemplo, a participação em processos de licitação.

Deferida a antecipação da tutela, restará suspensa a exigibilidade do crédito tributário (Art. 151, V, do CTN), obstando a propositura da ação executiva fiscal. Não obstante, muitos juízes têm condicionado a concessão da medida antecipatória ao efetivo depósito do quantum exigido pela Fazenda Pública, data máxima venia, desvirtuando as disposições contidas no artigo 273 do CPC.

Assim, a exigência do depósito é medida freqüente no judiciário, eis que a Ação Anulatória de Débito Fiscal, por si só, não possui o condão de obstar a Ação de Execução Fiscal proposta pela Fazenda Pública (Art. 585, § 1º do CPC). Neste sentido segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

“PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PARALISAÇÃO – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DÉBITO FISCAL: IMPOSSIBILIDADE.

1. A existência de ação anulatória de débito fiscal não inibe a Fazenda de ajuizar ação de cobrança, nem se pode tolerar a sua propositura, se já houver execução proposta, cujo caminho de defesa é a oposição de embargos.
2. Em qualquer situação, não se admite paralisar a ação de execução, mesmo na pendência de ação ordinária conexa, se não houver depósito do valor integral da dívida em cobrança.
3. Recurso especial provido” [2]

Em outras linhas, a preexistência da ação ordinária não impede a propositura da Ação de Execução Fiscal, salvo se efetivamente acompanhada do depósito integral do quantum que perfaz a dívida (Art. 151, II, CTN). Contudo, inevitável reconhecer a “conexão” entre as referidas ações, já que ambas tem em comum objeto e causa de pedir (Art. 103, CPC).
A conexão traz como conseqüência a modificação da competência, todavia, in casu, a descrita conexão assume características deveras peculiares, muito bem exploradas nos inteligentes posicionamentos da ilustre professora Cleide Previtalli Cais ocorre da seguinte forma, in verbis:
Como regra, o foro da execução fiscal já ajuizada é competente para conhecer da ação de nulidade do débito fiscal, assim como, se a ação anulatória do débito fiscal for ajuizada primeiramente, haverá de ser proposta no foro da Fazenda Pública-ré, que seria o competente para decidir sobre a execução fiscal. (...) Todavia, em se tratando de Poder Judiciário que tenha em sua organização varas privativas de execução fiscal (...) como conciliar a conexão entre a ação anulatória de débito fiscal, garantida com depósito integral ou não, e a execução fiscal, eis que ambas são propostas perante juízos dotados de competência diversa? A ação anulatória deve ser proposta perante um dos juízos dotados de competência cível em matéria federal, enquanto a execução fiscal da fazenda pública deve, obrigatoriamente, ser proposta junto às Varas da Fazenda Pública privativas de execução fiscal ou ao Fórum de Execução Fiscal. (...) a competência das Varas de Execuções Fiscais é entendida como absoluta, portanto não há a possibilidade de se reunirem os processos, mesmo que a execução fiscal tenha sido proposta antes da ação anulatória, ou vice-versa; [3]

Desta maneira podemos inferir que, em havendo Varas de Execuções Fiscais, não será permitida a reunião dos autos da Ação Anulatória de Débito Fiscal, que permanecerá sob a responsabilidade do juízo em que foi proposta.

Há quem sustente que a referida conexão, por envolver prejudicialidade externa entre a Ação Anulatória de Débito Fiscal e a Ação de Execução Fiscal, conduziria à suspensão do processo executivo fiscal, baseando-se, para tanto no artigo 265, IV, “a” do CPC, in verbis:

Art. 265 – Suspende-se o processo:

(...)

IV – quando a sentença de mérito:

a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Data maxima venia, não compartilhamos desta premissa. Conforme aludido no proêmio, na ausência de disposições específicas na LEF, o processo de execução fiscal será subsidiariamente regido pelo Código de Processo Civil (Art. 1º da LEF), devendo, contudo, adequar-se ao procedimento descrito no referido diploma legal.

Notem, as hipóteses descritas no artigo 265 do CPC são direcionadas ao processo de conhecimento, ensejando a suspensão do processo quando verificadas qualquer uma das situações descritas em seus respectivos incisos. Contudo, a Lei de Execução Fiscal deverá atender às hipóteses de suspensão previstas para o processo de execução civil.

De tal sorte cumpre consignar o disposto no artigo 791 do CPC, cujas hipóteses referem-se, especificamente, ao processo de execução, suspendendo seu curso somente quando verificados os seguintes elementos, in verbis:

Art. 791 – Suspende-se a execução:
I – no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;
II – nas hipóteses previstas no Art. 265, I a III;
III – quando o devedor não possuir bens penhoráveis.

Ao estabelecermos comparação entre as hipóteses de suspensão previstas no processo de conhecimento em relação àquelas inerentes ao processo de execução podemos vislumbrar que, a execução não contempla a questão prejudicial como hipótese de suspensão descrita no artigo 265, IV, do CPC. Ora, se o legislador deixou de incluir a referida hipótese como causa de suspensão do processo de execução é evidente que não poderá existir interpretação ampliativa acerca do tema, sob pena de caracterizar verdadeira impropriedade jurídica.

Dada a especificidade que reveste o processo de execução, não é facultado ao interprete valer-se dos dispositivos inerentes ao processo de conhecimento, não havendo, portanto, que se cogitar a aplicabilidade das hipóteses previstas no artigo 265, IV, do CPC, mesmo porque a supressão do referido item não decorre do acaso, mas sim de minucioso estudo legislativo que concluiu pela impossibilidade de sua aplicação.

A justificativa para a não inclusão do inciso IV, do artigo 265 do CPC no rol das hipóteses de suspensão do processo executivo repousa, inegavelmente, na natureza jurídica que o reveste. O processo executivo, diferentemente do processo de conhecimento, constitui mero instrumento de satisfação do crédito, não havendo que se falar em decisão a ser proferida em seu bojo.

Em outras linhas, não havendo decisão propriamente dita no processo de execução, inexiste o risco de conflito decorrente de decisão proferida nos autos da ação ordinária. Tal premissa é corroborada pelos ensinamentos do jurista Rodrigo Daniel dos Santos, in verbis:

(...) no processo de execução, resulta em coisa julgada? Penso que não! O processo de execução, não carrega em si nenhuma decisão, nenhuma matéria posta a julgamento, uma vez que ele já se inicia com um título pré-constituído, ou seja, um direito já assegurado ao credor. No processo de execução, não irá estabelecer contraditório, uma vez que o processo não admite defesa propriamente dita. O que se tem, é o remédio dos embargos à execução que é uma ação de conhecimento com vistas a desconstituir no todo ou em parte o título executivo que embasa a ação de execução. [4]

Neste sentido, segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

1. APELAÇÃO CÍVEL (Nº,2). EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA VINCULADA A CONTRATO DE MÚTUO (“HOT MONEY”). 1. EXECUÇÃO ACOMPANHADA DE DEMONSTRATIVO DE DÉBITO. INÉPCIA DA INICIAL DE EXECUÇÃO AFASTADA. 2. TÍTULO EXEQUENDO QUE SE APRESENTA LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL. NULIDADE INEXISTENTE. 3. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PRETENDIDA EM RAZÃO DE QUESTÃO PREJUDICIAL EXTERNA. INADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 791 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXCESSO NÃO COMPROVADO. 5. RECURSO NÃO PROVIDO.

O artigo 791 do Código de Processo Civil somente autoriza a suspensão da execução quando: “I – no todo ou em parte quando recebidos os embargos do devedor”; II – nas hipóteses previstas no artigo 265, I a III; III – quando o devedor não possuir bens penhoráveis.
Então, como se verifica, a referida regra excluiu nitidamente a possibilidade de pleitear-se a suspensão do processo de execução com base em alegação de questão prejudicial externa, nos termos do artigo 265, inciso IV, “a”, do Código de Processo Civil.
E não poderia mesmo ser diferente, porque não existindo decisão na ação de execução, revela-se impossível que advenha nela decisão que seja conflitante com a sentença proferida nas ações cautelar e declaratória que tramitaram pela Comarca de Araucária.
Voto, então, pela rejeição do pedido de suspensão da execução, nos termos do artigo 265, inciso IV, do Código de Processo Civil. [5]

2. PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO-SUSPENSÃO (ART. 791 DO CPC) – AJUIZAMENTO DE AÇÕES PARALELAS.

1. A enumeração das hipóteses de suspensão da execução, previstas no art. 791 do CPC é praticamente exaustiva, porque são raríssimas as hipóteses em que se pode fugir à regra processual.
2. Ações paralelas ajuizadas na tentativa de paralisar a execução não têm a forma para o efeito desejado.
3. Jurisprudência firmada neste Tribunal, com inúmeros precedentes, seguindo a esteira do direito pretoriano do STF.
4.Recurso especial não conhecido. [6]

Os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acima transcritos estendem-se, ao nosso sentir, ao processo de execução fiscal, isto porque a subsidiariedade aludida no artigo 1º da LEF não pode ser aplicada ao bel prazer das partes, devendo, portanto, estar conjugada ao procedimento correspondente a matéria.

Logo, se o processo de execução estabelece suas próprias hipóteses de suspensão, não poderão as partes se valer das hipóteses estabelecidas no processo de conhecimento, sob pena de desvirtuar o a sistemática processual brasileira e, por conseqüência, tornar temerárias as futuras relações processuais.

Deste modo, a coexistência da Ação Anulatória de Débito Fiscal, desprovida do depósito do montante integral, com a Ação de Execução Fiscal não possui o condão de suspender o curso da ação executiva, isto porque o legislador, intencionalmente, excluiu a questão prejudicial do rol das hipóteses que legitimam tal suspensão.

NOTAS

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 410.
[2] REsp 451.014/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 17.12.04.
[3] CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 501-02.
[4] SANTOS, Rodrigo Daniel dos. Existe coisa julgada no processo de execução? Disponível em: . Acesso em 29/03/2008.
[5] TJ-PR, Apelação Cível n. 208.542-9, 14ª Câmara Cível, Rel. Dês. ROSANA ANDRIGUETO DE CARVALHO, Curitiba, 11/04/2007.
[6] STJ. RESP:171190/SP; Rel. Min. Eliana Calmon. Decisão de 15.03.2001.



JUNIOR, RICHARD PAES LYRA. A CONEXÃO ENTRE A AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL E A AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL: HIPÓTESE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO FISCAL?. Ciência Jurídica, Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.rcj.com.br/materias/materias.php?code=51146>. Elaborado ou atualizado em 05/03/2008. Publicado em 21/06/2008.

Da desnecessidade de recolhimento de novas custas processuais na conversão da ação de busca e apreensão em depósito

foto: http://www2.nl.gob.mx/pics/pages/tribunal_arbitraje.base/principal_tribunal.gif



Tem por intuito traçar os contornos do pedido de conversão em depósito (Art. 4º do Decreto-lei 911/69), considerando, para tanto, os termos estabelecidos na Lei Estadual (SP) nº 11.608/2003 que disciplina a Taxa Judiciária.


05/out/2007


Richard Paes Lyra Junior richard_lyra@hotmail.com


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Como é cediço, o procedimento inerente à Ação de Busca e Apreensão de bens alienados fiduciariamente é regulado pelo Decreto-lei 911/69, atualizado pela Lei nº 10.931/2004, que, dentre outras coisas, dilatou o prazo para o oferecimento da resposta do devedor-fiduciante de 3 (três) para 15 (quinze) dias após a execução da liminar, a supressão do direito do devedor em purgar a mora, devendo, portanto, pagar a integralidade da dívida pendente (parcelas vencidas e vincendas) para que lhe seja restituído o bem alienado livre de quaisquer ônus, etc.

As descritas alterações trouxeram sensíveis avanços ao procedimento em tela, imprimindo maior celeridade e eficácia à proteção dos direitos assistidos tanto ao credor-fiduciário quanto ao devedor-fiduciante. Não obstante as bem sucedidas modificações legislativas, muita polêmica ainda cerca o tema, dentre elas, a natureza jurídica da conversão da ação de busca e apreensão em depósito (art. 4º, Dec. Lei 911/69).

O referido imbróglio traz como conseqüência a seguinte indagação: deferida a conversão da busca e apreensão em depósito são devidas novas custas processuais ?

Para que possamos chegar a uma conclusão unívoca sobre o tema, é necessária a análise conjunta do Decreto-Lei 911/69 e da Lei Estadual nº 11.608/2003 (regulamenta o recolhimento da Taxa Judiciária no Estado de São Paulo), considerando, para tanto, os elementos processuais e tributários que norteiam o assunto.

Conforme descrito no proêmio, a taxa judiciária e às custas processuais exigidas no Estado de São Paulo são reguladas pela Lei nº 11.608/03, cuja natureza jurídica resta evidente ao compulsarmos o teor de seu artigo 1º, in verbis:

“ Artigo 1º - A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos passa a ser regida por esta lei.” (grifo nosso)

Da leitura do dispositivo supra, pode-se inferir que a taxa judiciária visa custear os serviços forenses prestados pelo Estado, sendo uma contraprestação decorrente do efetivo uso da máquina judiciária, cuja exigência ficará adstrita às hipóteses elencadas no caput deste artigo.

Assim, analisados os contornos da taxa judiciária, objeto do presente estudo, resta evidente a natureza tributária da mesma, sujeitando-a, portanto, aos comandos insertos na Carta Magna, bem como àqueles previstos na Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional).

A natureza tributária da taxa judiciária exigida no Estado de São Paulo torna-se ainda mais cristalina ao levarmos a efeito os ensinamentos do ilustre jurista Wesley Denílson de Oliveira e Silva Afonso [1], in verbis:

“No passado, muito se discutiu a respeito da natureza jurídica da taxa judiciária: tributo ou preço público. Hoje, entretanto, é pacífica a jurisprudência de nossa Corte Suprema no sentido de constituir a taxa judiciária um tributo, da espécie taxa.
A taxa judiciária remunera os serviços (públicos) jurisdicionais prestados pelo Estado à população. É um tributo vinculado, cujo vínculo consiste na atividade estatal de efetiva prestação de um serviço específico (prestados a um número determinável de pessoas - aqueles que litigam em juízo -, mediante atividade que congrega meios materiais, pessoal e organização visando à satisfação de uma necessidade pública em regime de Direito Público) e divisível (é possível mensurar quanto cada contribuinte gerou de atividade estatal).” (grifo nosso)
Assim vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, in verbis: "EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS – NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) – DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS – INADMISSIBILIDADE – VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA – DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registros possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Doutrina. (grifo nosso)
(STF – ADIn 1.378-5 – TP - Rel. Min. Celso de Mello, votação unânime, DJU de 30.05.1997)

Uma vez demonstrada sua natureza jurídica, insta consignar os atributos que norteiam tal exação. A estrutura jurídica da Taxa Judiciária pode ser facilmente abstraída ao considerarmos os fundamentos da Regra-Matriz de Incidência Tributária formulada pelo mestre Paulo de Barros Carvalho [2].

De tal sorte, a Taxa Judiciária deve ser decomposta da seguinte forma:

-- CRITÉRIO MATERIAL: a prestação de serviços públicos de natureza forense (ART. 1º - Lei Estadual nº 11.608/03);

-- CRITÉRIO TEMPORAL: momento da distribuição, ou, na falta desta, antes do despacho inicial (inciso I, ART. 4º - Lei Estadual nº 11.608/03);

-- CRITÉRIO ESPACIAL: Limites geográficos do Estado de São Paulo;

-- CRITÉRIO QUANTITATIVO: O recolhimento da taxa judiciária será 1% sobre o valor da causa (inciso I, ART. 4º - Lei Estadual nº 11.608/03);

-- CRITÉRIO PESSOAL: Tem como sujeito ativo o Estado e como sujeito passivo o cidadão que se utiliza do serviço descrito no artigo 1º.

Assim, ao decompormos os critérios delineadores do presente tributo, fica evidente a inexistência do fato imponível atribuído a conversão da Ação de Busca e Apreensão em Depósito, eis que ausentes os respectivos critérios materiais e temporais, senão vejamos.

A conversão da Ação de Busca e Apreensão em Depósito tem previsão no artigo 4º do Decreto-lei 911/69, o qual passamos a estudar, in verbis:

Art 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. (grifo nosso)

Desta feita, o diploma legal em análise faculta ao credor–fiduciário pedir a conversão em Ação de Depósito nos mesmos autos da Ação de Busca e Apreensão (originalmente intentada), sendo, portanto, um incidente processual específico do Decreto-Lei 911/69, que, embora se submeta às formas previstas no artigo 901 e seguintes do diploma processual civil, conserva peculiaridades típicas e intrínsecas ao procedimento de busca e apreensão [3].

Em outras linhas, a Ação de Depósito em análise não constitui uma ação autônoma, mas um instrumento específico que decorre do diploma inerente ao procedimento de busca e apreensão, não havendo, portanto, que se falar em distribuição do feito, já que tal ato se opera nos mesmos autos do processo original.

A natureza jurídica da Ação de Depósito é ratificada pelos inteligentes ensinamentos do mestre Celso Marcelo de Oliveira [4], in verbis:

“A ação de depósito na alienação fiduciária apresenta algumas peculiaridades, pois será sempre um procedimento subsidiário da ação de busca e apreensão e, jamais, uma providência jurisdicional autônoma. A conversão da ação de busca e apreensão em depósito será deferida nos mesmos autos se o contrato não estiver registrado em cartório, visto que este serve apenas para dar efeito erga omnes. (grifo nosso)”

Da análise do excerto supra abstraímos que, por não se tratar de uma ação autônoma e, por, conseqüência, não haver distribuição, a conversão da Ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito não deflagra a exigência da Taxa Judiciária prevista na Lei Estadual nº 11.608/03, inexistindo, portanto, o critério temporal do tributo.

Tal premissa afigura-se perfeitamente unívoca, já que o artigo 4º da Lei de Custas Judiciárias do Estado de São Paulo prevê como momento de seu recolhimento a distribuição do feito ou momento que antecede o despacho inicial. Só seria possível a exigência da referida taxa se o legislador contemplasse, de modo expresso, a conversão em depósito como um dos momentos para a incidência do tributo, o que de fato não ocorre.

Não bastasse o vazio quanto ao critério temporal, a exigência da taxa judiciária na conversão em depósito, deixa, ainda, de atender ao critério material do tributo, posto que, in casu, não se verifica a subsunção do fato à norma.

Conforme transcrito alhures, a hipótese de incidência da aludida taxa têm previsão no artigo 1º da Lei Estadual nº 11.608/03, sendo que nenhum dos procedimentos, nele descritos, faz menção a conversão da Ação de Busca em Depósito prevista no Decreto-Lei 911/69.

Diante da inexistência de previsão legal que a autorize, a Ação de Depósito prevista no diploma legal supra denota claríssima hipótese de não-incidência, conforme leitura do inciso “X”, artigo 2º da Lei de custas judiciárias, in verbis:

Art 2º - (...)
Parágrafo único – Na taxa judiciária não se incluem:
X – todas as demais despesas que não correspondam aos serviços relacionados no caput deste artigo. (grifo nosso)

Na verdade, data maxima venia, a disposição acima revela-se despicienda, já que a própria sistemática tributária brasileira não admite a exigência de um tributo cujo fato imponível não esteja expressamente previsto na lei que o instituiu, sob pena de aviltar os termos delineados na Carta Magna.

Não se verificando o binômio causa-efeito, a relação jurídica tributária não subsiste, eis que a correlação entre o fato ocorrido no mundo fenomênico e a hipótese normativa descrita em lei constitui pressuposto de validade da referida relação. Dissertando sobre o tema, o saudoso mestre Alfredo Augusto Becker [5] assevera que, in verbis:

"Para que possa existir a relação jurídica tributária é necessário que, antes, tenha ocorrido a incidência da regra jurídica tributária sobre o fator gerador e, em conseqüência, irradiado a relação jurídica tributária". (grifo nosso)

Por tais razões, a hipótese de incidência da taxa judiciária comporta análise taxativa, não podendo o magistrado interpretá-la de modo subjetivo, isto porque os procedimentos judiciais que a ensejam encontram-se dispostos de forma exaustiva na Lei Estadual nº 11.608/03.

Nesta esteira, segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

"A taxa judiciária é um tributo. A lei que a instituiu tem natureza tributária, não comportando interpretação limitativa ou ampliativa." (grifo nosso)
(2ª TAC/SP – 5a Câm. AI nº 484.783 – j. 23/04/97)
Flagrante, portanto, a ausência de fato imponível no tocante a conversão da ação de busca em depósito, culminando com a absoluta impropriedade da analogia estabelecida entre tal fato e a exigência da taxa judiciária em comento.
Para melhor ilustrar e ratificar a tese em análise, seguem as orientações do extinto 2º Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo que, por vezes, entendeu pela inexigibilidade de novas custas processuais na conversão da busca em depósito, in verbis:
1. Agravo de Instrumento. Alienação fiduciária. Ação de Busca e Apreensão. Conversão em Ação de Depósito. Taxa judiciária. Novo Recolhimento. Desnecessidade. Recurso a que se dá provimento.
Assim, prevalece o entendimento jurisprudencial do antigo regime legal de que não é exigível o recolhimento de nova taxa judiciária quando da conversão da ação de busca e apreensão em depósito ante a ausência de novo fato gerador, posto que não houve qualquer alteração com o advento da nova lei de custas, não se cuidando de nova distribuição ou nova prestação jurisdicional.
(TAC-SP, Rel. Juiz Francisco Occhiuto Júnior. J. 16/12/04)

2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Conversão da ação de busca e apreensão em depósito, nos termos do artigo 4º do Decreto-lei 911/69. Taxa Judiciária. Inexigibilidade. Lei estadual nº 11.608/2003, que nesse ponto, nada alterou em relação ao regime da Lei nº 4.592/85. Agravo provido para afastar a exigência.
A inexigibilidade da taxa judiciária, na hipótese, é inquestionável, e isso ficou bem demonstrado pelo Juiz Renzo Leonardi, no agravo de instrumento nº659.042-00/9,8a Câmara:
“A lei de custas do Estado de São Paulo, que regula a taxa judiciária, tem, como fato gerador, a prestação dos serviços públicos de natureza forense e determina o recolhimento de 1% sobre o valor da causa na oportunidade da distribuição (artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 4.592, de 27.12.1985), de sorte que não cabe ao intérprete impor obrigação que a lei não determina.”
O Decreto-lei nº 911 permite ao credor do bem alienado fiduciariamente a mera alteração do pedido de busca e apreensão em depósito quando a coisa não for encontrada ou não se achar na posse do devedor, e nada obstante a ação passe a ter rito diverso, ou seja, de busca e apreensão com liminar, para ação de depósito, regulada pelos artigos 901 e seguintes do Código de Processo Civil, tudo se processa nos mesmos autos, como, aliás, determina o decreto em referência, não se cuidando de nova distribuição, porém, de mera anotação no distribuidor da conversão de ação de busca e apreensão em ação de depósito, inexistindo nova prestação jurisdicional, o que apenas haveria desde que a ação de busca e apreensão houvesse sido julgada extinta.
(TAC-SP, 2a Cível. Rel. Juiz Antonio Carlos Villen, j.06.05.04)

Ante as considerações acima expendidas podemos inferir que, a Ação de Depósito prevista no Decreto-lei 911/69 não enseja o recolhimento de novas custas processuais, eis que inexiste a subsunção entre o ato verificado e as hipóteses previstas na Lei Estadual nº 11.608/03.

Desta forma, o julgador não pode condicionar o deferimento da conversão em depósito ao pagamento da taxa judiciária prevista na legislação estadual em comento. Caso contrário, ao persistir o entendimento do juízo monocrático, poderá o Requerente lançar mão do recurso previsto no artigo 522 e ss do CPC, que, em função da celeridade e urgência que o Decreto-lei 911/69 imprime ao procedimento em estudo, constitui o instrumento processual adequado para afastar a despropositada exigência.

NOTAS

[1] AFONSO. Wesley Denílson de Oliveira e Silva. A inconstitucionalidade de se tomar o valor da causa como base de cálculo da taxa judiciária disponível em <> > (acesso em 30/jul/2007).
[2] CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18a Ed.São Paulo:Saraiva. 2007.
[3] Ao nosso sentir, o depósito prescrito no Decreto-Lei nº 911/69 não ostenta as mesmas características (finalidade) do instituto previsto na legislação civil, isto porque a Ação de Depósito decorrente de busca e apreensão visa, tão somente, resguardar os interesses do credor-fiduciário que, na impossibilidade de reaver o bem alienado em garantia, poderá valer-se de seus “efeitos” nos casos de furto ou roubo do bem, transferência para terceiros, etc. Razão pela qual comungamos com parte da doutrina que atribui a este o conceito de “depósito equiparado”.
[4] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Alienação Fiduciária em Garantia. Ed. LZN: Campinas. 2003, p. 504.
[5] BECKER. Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2a Ed. São Paulo: Saraiva. 1972, p. 288.


http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3754/Da-desnecessidade-de-recolhimento-de-novas-custas-processuais-na-conversao-da-acao-de-busca-e-apreensao-em-deposito

Reflexões acerca de um novo modelo de gestão portuária no Brasil

foto: http://mx.geocities.com/ave_great/transportes/navio.gif


Richard Paes Lyra Junior,


SUMÁRIO: Abreviaturas; Introdução; I – O atual sistema portuário e suas inoperacionalidades; II – O sistema portuário e a Constituição Federal; III – A criação de convênios para a gestão associada dos portos; Considerações finais; Obras consultadas; Notas.




INTRODUÇÃO




Decorridos quase 14 anos da promulgação da Lei 8.630/93 (Lei de Modernização dos Portos), os portos brasileiros enfrentam sérios problemas operacionais. Apesar dos inúmeros progressos técnico-administrativos trazidos pelo diploma legal em análise, muitas deficiências ainda são observadas, quer por questões relacionadas a entraves burocráticos, quer pela absoluta ineficácia administrativa de seus órgãos gestores.

Tais problemas podem ser facilmente delineados ao levarmos a efeito o crescente volume de produtos provenientes de países do leste asiático, uma vez que a ausência de investimentos no setor portuário brasileiro representa verdadeiro óbice para a real competição com este forte mercado.


Faz-se mister, portanto, um estudo sistemático acerca da questão portuária no Brasil, levando em consideração, principalmente, aspectos inerentes à estrutura político-administrativa imposta aos portos brasileiros, sobretudo quanto à possibilidade de um novo sistema capaz de geri-los com a eficiência e competitividade necessária para fazer frente ao exigente mercado mundial.




I – O ATUAL SISTEMA PORTUÁRIO E SUAS INOPERACIONALIDADES




Conforme adverte o Professor português Victor Caldeirinha [1], a administração portuária pode adotar 5 (cinco) vertentes específicas, quais sejam: gestão total pelo Estado, gestão pelo Estado e operação por privados em livre concorrência, contrato de prestação de serviços, concessão ou licença de curto/médio prazo ou ainda a venda ao setor privado.


Historicamente, o Brasil segue um modelo de gestão voltado à centralização das decisões portuárias, adotando postura deveras conservadora no que diz respeito à participação dos demais entes da federação e particulares interessados nestas decisões.


Antes de 1993, o planejamento portuário era marcado por inúmeras decisões desencontradas, culminando com a absoluta “falência” do nosso sistema portuário. Desde a criação da extinta “Taxa de Melhoramento dos Portos – TMP”, passando pela fundação da, também extinta, “PORTOBRAS”, o país assistiu a um verdadeiro processo de estagnação e decadência de seu sistema portuário, contribuindo, sobremaneira, para a profunda crise econômica da década de 80.


No intuito de combater os reflexos da aludida crise, a “Lei de Modernização dos Portos” introduziu inovações deveras relevantes, dentre as quais destacam-se: a criação do OGMO, a política de descentralização dos portos e o incentivo à participação da iniciativa privada nos portos brasileiros. Desta feita, foi estabelecido um significativo elo entre governo e entidades privadas, atenuando, ainda que timidamente, o caráter centralizador do Estado na administração portuária.


Para assegurar a participação do Estado nas relações portuárias coube as “Companhias Docas”, pessoas jurídicas de direito privado, gerir parte dos portos brasileiros, atuando como verdadeiras autoridades portuárias subordinadas ao Ministério dos Transportes.


Todavia, os objetivos traçados pela Lei 8.630/93 encontram-se muito distantes de serem alcançados, isto ante a flagrante inoperância administrativa observada nos portos brasileiros, sendo que muitos são os motivos: passivos trabalhistas, falta de dragagem (retirada de entulhos de rios e do mar), problemas de vias de acesso (ausência das chamadas vias perimetrais) [2], congestionamentos de trens e caminhões, além de aspectos gerenciais [3]. (grifo nosso)


Segundo estudos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os problemas portuários geram prejuízos acima de US$ 1 bilhão (dado relativo ao ano de 2004) [4], colocando em xeque o atual modelo de gerenciamento portuário, por conseqüência, emergindo a necessidade de reestruturar o sistema, a fim de corrigir as falhas ora existentes.



II – O SISTEMA PORTUÁRIO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL




Conforme a inteligência do artigo 21, inciso XII, “f” da Carta Magna, a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres é competência exclusiva da União, cabendo a esta gerir e executar, direta ou indiretamente, as atividades portuárias no país.


Em outras palavras, a União, por meio das Companhias Docas ou suas concessionárias, estabelece as diretrizes nacionais para a implementação de equipamentos e demais mecanismos necessários para dar suporte a estrutura portuária no Brasil.


Sendo que, seu poder decisório é reforçado pelo inciso “X” do artigo 22 da Constituição Federal, cujo teor conferiu privativamente à União legislar sobre o regime dos portos. Resta evidente que, a Constituição de 1988, no intuito de resguardar os interesses nacionais, reservou à União uma enorme gama de matérias, tornando os demais entes federativos reféns de determinados assuntos, dentre os quais se destaca a gestão portuária.


Tal circunstância dá ensejo à calorosa discussão acerca da regionalização dos portos brasileiros. Para muitos um mero artifício eleitoral, ante a fragilidade econômica dos municípios portuários, para outros, a solução dos problemas operacionais experimentados nos últimos anos.


Conforme é cediço, a atual situação dos portos brasileiros expõe o flagrante descompasso entre os dispositivos constitucionais que norteiam o tema e a realidade do nosso modelo de gestão portuária, senão vejamos.


Ao atribuir competência exclusiva à União para gerir os portos brasileiros, a Carta Magna, indevidamente, desconsidera a participação dos demais entes federativos na atividade portuária, uma vez que as administrações locais, por razões óbvias, possuem amplo conhecimento dos problemas enfrentados diariamente pelos mesmos.



Ora, nos parece absolutamente ilógico que se atribua “competência absoluta” à União para gerir e legislar sobre matérias inerentes a assuntos portuários, já que em um sistema federativo, cujo maior propósito é a descentralização dos poderes, é inaceitável a marginalização dos estados e municípios portuários nas decisões que envolvem não apenas o porto, mas toda uma região.


Afinal, a estrutura geográfica e os problemas econômicos enfrentados pela administração portuária em Santos são substancialmente distintos daqueles enfrentados, por exemplo, pelo porto de Recife, exigindo análises individualizadas e a participação efetiva de todos os municípios que, de um modo ou outro, sofrem os influxos da atividade portuária local.


No momento que tanto se discute a possível convocação de uma assembléia nacional constituinte, por que não incluir na pauta a questão da reforma portuária? É certo que isto provocaria profundas mudanças na sistemática constitucional, todavia não esbarraria na vedação do inciso I, parágrafo 4º, do artigo 60 da Carta Magna, eis que não implicaria qualquer alteração capaz de abolir a forma federativa de Estado.


Assim, para equacionar os problemas de gestão portuária, é necessário alterar os dispositivos constitucionais que disciplinam o tema, de modo a atribuir aos Estados-Membros e seus respectivos Municípios a tarefa de administrar os portos brasileiros e, por derradeiro, tornar concorrente a competência para legislar sobre o regime dos portos.


Desta maneira, caberia a União tão somente editar normas gerais, proporcionando aos Estados-membros liberdade legislativa para adequar tais normas às necessidades de cada região portuária. Por sua vez, os Municípios ganhariam um forte aliado, já que poderiam solucionar os problemas portuários de modo mais célere, em função da maior proximidade com os governos estaduais.


Com o objetivo de fortalecer o coeficiente econômico da região portuária, faz-se mister a criação do “Fundo de Participação dos Municípios Portuários”, transferindo a estes uma parcela do produto da arrecadação do IPI, II e IE assegurando autonomia necessária para gerir com eficiência os portos brasileiros.


Para corroborar com o acima exposto, o economista Sander Lacerda, afirma que a China possui o modelo de gestão portuária mais adequado para o Brasil, eis que, in verbis:


“A eficiência dos portos chineses se deve, em grande parte, à regionalização da administração portuária, com grande participação dos governos locais e da iniciativa privada nos investimentos para assegurar competitividade e qualidade dos portos. [5] ”


Em outras palavras, o sucesso do modelo de gestão portuária na China é fruto da descentralização das decisões portuárias, cujo motor é o aproveitamento do know-how político e logístico das administrações locais e setores da iniciativa privada. O resultado é extremamente positivo, projetando, definitivamente, o país asiático no cenário internacional.


Apesar da viabilidade constitucional e estrutural, as descritas mudanças, em nosso modelo de gestão portuária, demandam longo prazo, face à necessidade de novas discussões, planejamentos estratégicos e estudos econômicos acerca do tema, inviabilizando, por hora, as alterações nos dispositivos constitucionais em tela.


Contudo, as falhas operacionais no sistema portuário podem ser minimizadas até a apreciação definitiva de um novo modelo de gestão portuária. A seguir serão discorridas algumas considerações acerca da celebração dos convênios entre entes federativos.




III – A CRIAÇÃO DE CONVÊNIOS PARA A GESTÃO ASSOCIADA DOS PORTOS




A Lei nº 9.277/96 facultou a União delegar aos demais entes federativos a administração e exploração de rodovias e portos federais, representando, a priori, uma alternativa efetiva para um melhor gerenciamento portuário.


Neste ínterim, faz-se mister levar a efeito o disposto no artigo 2º do diploma legal em análise, in verbis:


Art. 2º - Fica a União igualmente autorizada, nos termos desta Lei, a delegar a exploração de portos sob sua responsabilidade ou sob a responsabilidade das empresas por ela direta ou indiretamente controladas. (grifo nosso)



Não obstante, objetivando regulamentar as disposições expressas no artigo supracitado, surge o Decreto nº 2.184/97 determinando, in verbis:

Art. 1º - A União, por intermédio do Ministério dos Transportes, poderá delegar aos Municípios ou Estados da Federação, mediante convênio, a exploração de portos situados nos territórios respectivos que se encontram em operação sob sua responsabilidade ou de entidades federais, nos termos deste Decreto. (Grifo nosso)


Art. 2º - Poderá ser delegada aos Municípios ou aos Estados a exploração dos portos que:

I - estejam subordinados a empresas federais;
II - sejam instalações portuárias rudimentares;
III - já estejam delegadas ou concedidas a Estados e Municípios.


Art. 3º - omissis
Art.4º - omissis
Art. 5º - omissis



Parágrafo único. Os portos descentralizados com base no Decreto nº 2.088, de 4 de dezembro de 1996, às Companhias Docas ou a Estados e Municípios permanecerão sob à administração e responsabilidade destas entidades até a data de sua efetiva delegação ou ao termo final do prazo de vigência do citado Decreto. (Grifo nosso)


Da leitura dos dispositivos acima transcritos, depreende-se que o Decreto 2.184/97 não atingiu sua plenitude, sequer explicitou, com a devida vênia, a delegação da exploração dos portos aos Estados e Municípios, senão vejamos.


Compulsando o teor do artigo 2º, inciso II do aludido Decreto, vislumbra-se, data maxima venia, a absoluta impropriedade de sua redação, uma vez que o descrito inciso condiciona a supracitada delegação a portos que possuam instalações rudimentares. Mas afinal, o que se entende por instalações portuárias rudimentares?


Face o aduzido, no proêmio, boa parte dos portos brasileiros enfrenta graves dificuldades estruturais e operacionais, desde a notória ineficácia administrativa até os problemas inerentes a infra-estrutura portuária (ausência de vias perimetrais, ferrovias em absoluto estado de abandono, inexistência de terminais de passageiros dotados de acomodações apropriadas para receber os turistas, etc). Desta maneira, se levado a efeito o disposto no artigo em comento, 80% dos portos brasileiros já estariam nas mãos dos Estados e Municípios, posto que muitos destes, ainda carecem de maiores investimentos em sua infra-estrutura e instalações.


Desde então, sucessivas Resoluções foram emitidas e, ao invés de aperfeiçoar as disposições sobre os convênios, trouxeram novos entraves burocráticos, obstando, por conseqüência, a criação de mecanismos capazes de possibilitar a efetiva descentralização das decisões portuárias.


Atualmente, existe um número considerável de delegações e concessões para a exploração dos portos brasileiros, refletindo o interesse dos Estados, Municípios e entidades privadas em participar mais ativamente da “vida portuária nacional”. No entanto, as atuais disposições legais sobre o tema frustram a expectativa de um novo cenário nos portos brasileiros, tanto é verdade que, nem mesmo a celebração destes convênios foi capaz de equacionar os problemas portuários.


Considerando a premissa acima, abstrai-se a necessidade de uma nova regulamentação acerca destes convênios, estabelecendo requisitos de formação e cooperação entre entes federativos, de modo a permitir gestões portuárias cada vez mais eficientes.


Neste diapasão, devemos levar a efeito os apontamentos contidos no relatório do GEIPOT [6] sobre a reforma portuária brasileira, in verbis:


“A delegação de um porto público, feita através de convênio entre o governo federal e o governo estadual ou municipal, explicitará a continuidade da implantação do Programa de Privatização, mantendo como Autoridade Portuária uma administração pública, estadual ou municipal.
(...)
O objetivo é encorajar as Administrações a agirem baseadas em princípios e posturas comerciais, proporcionando e exigindo a flexibilidade necessária para acompanhar as mudanças constantes do mercado de cargas, com o atendimento voltado para o cliente. Além disso, deverão ser eficazes e criativas, capazes de aumentar suas receitas, por desempenho operacional e comercial e por agregação de novas fontes de financiamento, cujo resultado lhes garanta uma autonomia financeira necessária.”



Os convênios, por representarem um somatório de forças entre os setores público e privado, são capazes de otimizar a política de modernização dos portos, tendo em vista que as administrações regionais ganhariam considerável autonomia para a implementação das obras necessárias à melhoria da infra-estrutura portuária.


Tomemos, por exemplo, a região metropolitana da baixada santista, cujo porto é responsável por 55% da renda nacional, sendo portanto o mais importante complexo portuário da América do Sul [7]. A celebração de um convênio entre as prefeituras locais e o governo federal, certamente propiciará considerável avanço no sistema portuário local, eis que as decisões seriam tomadas por pessoas próximas ao dia-a-dia do complexo portuário, bem como proporcionará respaldo financeiro suficiente para a execução de suas atividades essenciais.


Ademais, os aludidos convênios servem como parâmetro para a implementação de um novo e definitivo modelo de gestão portuária, com a regionalização dos portos, incentivando à participação das empresas privadas nas atividades portuárias e o fortalecimento financeiro e administrativo destes Municípios.



CONSIDERAÇÕES FINAIS




Pelo exposto, observa-se que nosso modelo de gestão portuária afigura-se deveras ultrapassado e incapaz de reagir as atuais adversidades, apresentando falhas que nem mesmo a Lei nº 8.630/93 foi capaz de equacionar.


De modo que, a centralização das decisões portuárias representa o maior obstáculo para o desenvolvimento dos portos brasileiros, eis que a Constituição Federal outorga à União ”competência absoluta” para gerir e legislar sobre a matéria. Assim, as administrações regionais ficam inertes, ante a despropositada distribuição de competência, obstando a introdução de um modelo de gerenciamento homogêneo, com a efetiva participação dos governos locais.


Acreditamos que somente uma reforma constitucional será capaz de colocar termo aos descritos problemas na administração portuária, no entanto, reconhecemos a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o tema, demandando, por óbvio, alguns anos para a sua efetiva implementação.


Contudo, tais problemas de gerenciamento podem ser atenuados a curto prazo, com o aperfeiçoamento das normas sobre convênios entre entes federativos destinados à exploração dos portos. Isto porque a celebração dos descritos convênios permite uma visão macroestrutural, o que possibilita a adoção de medidas eficazes e o fortalecimento econômico do nosso sistema portuário, devido a união de esforços entre os governos e as empresas privadas.


Portanto, resta evidente a necessidade de mudanças no atual sistema de gerenciamento portuário, de modo a fortalecer a estrutura dos portos e, conseqüentemente, assegurar a competitividade do país frente ao pujante mercado do leste asiático. Do contrário, estaremos, eternamente, fadados ao histórico rótulo de “país do futuro”.

Obras consultadas


BRASIL. Constituição Federal. 8º ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2006
STEIN, Alex Sandro. Curso de Direito Portuário. 1a ed. São Paulo:LTR editora, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ºed. São Paulo:Malheiros, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 9.ed. São Paulo: Atlas,1998.
OLIVEIRA, Carlos Tavares de. Modernização dos Portos. 3a Ed. São Paulo: Aduaneira, 2000.

Notas
[1]CALDEIRINHA. Victor. Terminais portuários – Usos privativos, públicos e dedicados disponível em <> > (acesso em 29/out/2006).
[2] Vias perimetrais – São vias de acesso, cujo objeto visa otimizar o fluxo de veículos de carga dentro do complexo portuário, propiciando, por conseqüência, um melhor rendimento e agilidade em suas atividades diárias.
[3] KAPPEL, Raimundo F. Portos Brasileiros Novo Desafio para a Sociedade. Disponível em > (acesso em 04/nov/2006)
[4] apud http://www.zoonews.com.br/noticias2/noticia.php?idnoticia=93476.
[5] apud http://www.ccibc.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=2368
[6] GEIPOT: A reforma portuária brasileira, setembro de 2001. Disponível em <> > (acesso em 01/nov/2006)
[7] apud http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_da_Baixada_Santista


Informações Bibliográficas
LYRA JUNIOR, Richard Paes. Reflexões acerca de um novo modelo de gestão portuária no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 35, 01/12/2006 [Internet].Disponível em
url = location;document.write(url);
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1515. Acesso em 23/02/2009.

Execução de Saddam Hussein: justiça ou mero espírito de revanche?




Execução de Saddam Hussein: justiça ou mero espírito de revanche?



Richard Paes Lyra Junior,



O que começa errado termina errado! A célebre expressão popular afigura-se deveras apropriada para o caso "Saddam Hussein", eis que caracterizado por sucessivos equívocos e pressões externas que influenciaram a condução de seu julgamento, senão vejamos.

Primeiro, os Estado Unidos forjam a existência de armas químicas no Iraque, destroem e são, gradativamente, destruídos no país. Posteriormente capturam o ditador iraquiano e iniciam seu julgamento de forma absolutamente "parcial".

A descrita parcialidade no julgamento do mesmo pode ser denotada, dentre outras causas, no episódio que envolveu a substituição do 1º juiz do caso Sr. Abdullah al-Amiri, que segundo “suspeitas” da promotoria estaria favorecendo e acolhendo as proposições do ditador iraquiano.

Mas afinal, onde fica a independência desta corte de justiça???? Ora, se um julgamento existe para aferir a culpabilidade ou inocência de um acusado, como interferir de maneira tão explícita no livre convencimento do juiz ????

Não sou adepto das práticas do ditador iraquiano, tampouco as entendo legítimas, todavia não há como aceitar este pseudo-julgamento que culminou com sua execução.

Ademais, o governo norte-americano parece ter dado um “tiro no próprio pé”, eis que a forma como foi conduzida a aludida execução pode tornar Saddam Hussein um verdadeiro mártir, aumentando o sentimento anti-americano no oriente médio e, conseqüentemente, perpetuando os conflitos armados na região.

É preciso que se reveja o papel da ONU e que se fortaleça suas bases, do contrário os EUA continuarão a ser a "polícia do mundo", ignorando princípios básicos de direito, os quais sempre se intitularam defensores (será ???).


Informações Bibliográficas


LYRA JUNIOR, Richard Paes. Execução de Saddam Hussein: justiça ou mero espírito de revanche?.


In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 37, 02/02/2007 [Internet].Disponível em

url = location;document.write(url);
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1683. Acesso em 23/02/2009.

Da inconstitucionalidade das praias particulares no Brasil.

http://imagens.kboing.com.br/papeldeparede/7236praia.jpg


Richard Paes Lyra Junior


O Brasil apresenta uma extensa costa litorânea com 7.367 Km de praias, cujas paisagens e características naturais despertam o interesse de inúmeros turistas durante todo ano, tornando suas cidades referenciais turísticos para todo o mundo.

De modo que, o constante desenvolvimento econômico e urbanístico de algumas destas cidades litorâneas têm provocado, ainda que indiretamente, consideráveis influxos no ecossistema destas urbes eis que, o sucesso do negócio-turismo exige infindáveis implementações materiais, culminando com a transformação do ambiente.


Tal circunstância determina, ainda, o surgimento de outro fenômeno, a construção de verdadeiros “impérios” à beira-mar, seja com a edificação de hotéis ou casarões luxuosos que, por sua vez, instalam benfeitorias e demais melhoramentos nos locais de acesso às praias, atribuindo a estas, de forma gradativa, contornos próprios de um condomínio fechado.


Nos últimos anos, o descrito fenômeno difundiu-se rapidamente em cidades litorâneas, dando vazão a seguinte indagação: a manutenção de praias particulares encontra amparo constitucional no Brasil ?


Conforme é cediço, a Carta Magna, por meio de seu artigo 20, enumera os bens pertencentes à União, cabendo ao artigo 99 da Lei 10.406/02 (código civil) a classificação dos bens públicos, respectivamente descritos em 3 (três) modalidades, quais sejam: os dominicais, os de uso especial e, por derradeiro, os bens de uso comum do povo.


Relativamente a este último, a ilustre professora Maria Sylvia Zanella di Pietro [1] ensina que, in verbis:


“Consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração.” (grifo nosso)


No mesmo sentido o mestre Hely Lopes Meirelles [2] assevera que, in verbis:


“Bens de uso comum do povo ou do domínio público: como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. (...) No uso comum do povo, os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – uti universi – razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes.” (grifo nosso)


Assim, as praias marítimas são, por força da Constituição Federal, consideradas bens da União, ingressando, ainda, na classificação dos bens de uso comum do povo. Tal premissa denota com lapidar clareza a natureza jurídica atribuída a estas, oferecendo ferramenta deveras concisa para o deslinde do presente imbróglio jurídico, senão vejamos.


Contemporaneamente a constituinte de 1988 surge a Lei 7.661/88 [3], instituindo o “Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC”, estabelecendo, dentre outros assuntos, normas atinentes ao uso e ocupação da zona costeira.


In limine, devemos levar a efeito o disposto no parágrafo único do artigo 2º do referido diploma legal, cujo dispor determina o conceito jurídico da expressão “Zona Costeira”, in verbis:


Art.2º - (...)Parágrafo único – Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo plano.


No intuito de assegurar a preservação do ecossistema marinho, o legislador infraconstitucional incluiu no conceito de “Zona Costeira” as faixas terrestres circunscritas ao perímetro marítimo. Desta feita, ampliou e modernizou tal conceito, cuja definição anterior afigurava-se retrógrada e sujeita a interpretações equivocadas.


Delineado o conceito supracitado, o artigo 10 do mesmo diploma legal, estabeleceu critérios específicos inerentes ao acesso às praias marítimas, ratificando conceitos anteriormente explicitados conforme se verifica, in verbis:


Art. 10 – As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidos por legislação específica..§1º- Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na zona costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.(grifo nosso)


Ao compulsarmos o teor do supracitado dispositivo legal depreenderemos que, todos os cidadãos têm assegurado o direito de acesso às praias brasileiras, acesso este que só poderá ser restringido em virtude de situações excepcionalíssimas contempladas em lei.


Deste modo observa-se que, não há qualquer ressalva que excepcione a construção dos indigitados condomínios fechados, pelo contrário, o parágrafo 1º do aludido dispositivo legal veda expressamente qualquer forma de urbanização ou de aproveitamento do solo que ofereça óbice para o acesso às praias marítimas.


Logo, resta evidente o abuso destes condomínios ao coibir o acesso de turistas e banhistas às descritas praias, configurando verdadeiro constrangimento ilegal ante ao flagrante desrespeito as normas em análise.Em contrapartida, alguns doutrinadores entendem pela viabilidade jurídica dos descritos loteamentos fechados à beira-mar e sua, conseqüente, limitação ao acesso às praias marítimas mediante a concessão de uso do terreno público aos particulares interessados.


Todavia, o iminente jurista José Carlos Frei [4] rechaça tal afirmação, asseverando que, in verbis:


“Na concessão de direito real de uso de ruas, praças, espaços livres, áreas verdes e institucionais para a formação dos loteamentos fechados, impera o desejo dos moradores na sua utilização privativa, de cunho individual (sossego, segurança e confortos pessoais), contrapondo o interesse privado ao coletivo, porque essas áreas públicas estão vocacionadas ao uso comum do povo. Logo, esta modalidade de concessão não se presta a ser utilizada para os bens de uso comum, que pressupõem a universalidade, a impessoalidade e a gratuidade de uso, sem contraprestação pecuniária ou indenização particular, além do que “ ... o princípio geral que rege a utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de um seja transitório e precário, não impedindo o uso dos demais.” (grifo nosso)


O brilhante ensinamento vem a talho de foice no sentido de elucidar a situação dos terrenos que compõem os condomínios fechados à beira-mar. De modo que, os bens de uso comum do povo não estão sujeitos à concessão de direito real de uso uma vez que, sua essência inviabiliza sobremaneira uma eventual transferência de domínio (titularidade).


Os condomínios, por sua vez, resistem a tais argumentos alegando em suma que, ao cercear o acesso da população a tais locais, estariam assegurando a preservação do ambiente e fauna marinha.


Data maxima venia, tal argumento configura verdadeiro sofisma uma vez que, por se tratar de um condomínio fechado, em que muitos serviços ali existentes ficam a cargo daqueles condôminos, como assegurar, por exemplo, que o sistema de esgoto não projeta dejetos nas águas do mar?


A priori, não nos parece lógico, sequer proporcional, incentivar a construção de tais condomínios sob o ardil argumento de assegurar a preservação do ambiente já que, não é privando o exercício de um direito que conseguiremos resolver problemas inerentes à conscientização ambiental.


Outrossim, não é despciendo destacar que algumas municipalidades, por meio de lei, tem “regularizado” os descritos loteamentos à beira-mar, atendendo a solicitação de muitos condôminos que ali residem. Contudo, tais normas afiguram-se flagrantemente vazias e obtusas aos preceitos constitucionais e legais ora analisados, senão vejamos.Conforme aduzido no proêmio, as praias e os chamados terrenos de marinha possuem competência legislativa atrelada, tão somente, a União, inviabilizando qualquer inovação ou alteração legislativa por parte dos demais entes federativos.


Desta feita, exsurge absolutamente inconstitucional qualquer tipo de lei municipal tendente a “legitimar” a ocupação e a, conseqüente, construção dos condomínios fechados à beira-mar que limitem o acesso às praias marítimas.Ante aos posicionamentos acima acostados é possível abstrair que, a questão inerente aos condomínios fechados à beira-mar coloca em confronto dois pólos aparentemente antagônicos, porém muito tênues, sobretudo em um país em desenvolvimento como o Brasil, qual seja: interesses particulares versus interesses difusos.


Em outras palavras, tais condomínios acabam aderindo as praias marítimas a seu patrimônio como se fosse uma piscina construída em seu quintal, enquanto a população, legítima titular deste bem, fica privada do direito de acesso a uma das poucas atividades de lazer que não lhe impõe um custo.Assim, por se tratar de um bem de uso comum do povo, todo e qualquer tipo de óbice para o acesso às praias marítimas, que não aqueles previstos em lei, representa verdadeira afronta a Carta Magna, cerceando direito constitucionalmente previsto no inciso XV de seu artigo 5º.


Notas:


1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. ob.cit., pág.427.


2. MEIRELLES, Hely Lopes. ob.cit, pág. 436/439.


3. Redação dada pela Lei 7.661/88 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.


4. FREITAS, José Carlos. Da legalidade dos loteamentos fechados. ob. cit.



Referências bibliográficas

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 9.ed. São Paulo: Atlas,1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21.ed. São Paulo: Malheiros,1996.


FREI, José Carlos. Da legalidade dos loteamentos fechados. In http://www.teotonio.org/.


MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6a ed. São Paulo: Malheiros, 1993.


FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4a ed.São Paulo: Saraiva, 2003.

Bibliografia:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:LYRA JUNIOR, Richard Paes. Da inconstitucionalidade das praias particulares no Brasil. Disponível em Acesso em :23 de fevereiro de 2009

Autor:
Richard Paes Lyra Junior
richard_lyra@hotmail.com
Advogado em Santos

Academia brasileira de direito, 5/12/2006