terça-feira, 14 de maio de 2013

Embargos infringentes no STF e o Princípio da taxatividade recursal: breves considerações.






Questão intrigante será debatida em breve pelos ministros do STF, qual seja: são cabíveis embargos infringentes nos julgamentos criminais proferidos pela Suprema Corte?

Segundo Joaquim, o Barbosa, essa espécie recursal não tem o condão de modificar um julgamento de mérito.  Com todo o respeito, me parece que o ministro confundiu os "embargos de declaração" com os "embargos infringentes" previstos pelo CPP (art. 609, par. Único - "quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência"). 

O cerne da discussão reside, talvez, no "Princípio da taxatividade recursal" com todas as suas consequências jurídicas processuais, como veremos a seguir.

Antes de analisarmos especificamente os "embargos infringentes", exatamente por assumirem a natureza de espécie recursal, é oportuno trazermos à baila um breve conceito de "recurso". Trata-se, segundo a doutrina, de UMA DAS ESPÉCIES DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS, EXPRESSAMENTE PREVISTA EM LEI (TAXATIVIDADE), OFERTADA VOLUNTARIAMENTE (VOLUNTARIEDADE) PELO SUJEITO PROCESSUAL LEGITIMADO QUE, SEM DEFLAGRAR PROCESSO NOVO, VISA À REFORMA, ANULAÇÃO OU INTEGRAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL IMPUGNADA.

Os embargos infringentes foram expressamente previstos pelo art. 609, par. Único do Código de Processo Penal. Trata-se de uma das espécies recursais que, em suma, visa a impugnar acórdão proferido por Tribunal, contrário ao voto vencido favorável ao acusado. Em suma, com os embargos infringentes o acusado visa a tornar prevalente o voto favorável aos seus interesses, porém, derrotado no julgamento colegiado do Tribunal competente. 

Pelo PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL, segundo a expressa dicção do art. 609, par. Único do Código Instrumental Penal, os EMBARGOS INFRINGENTES só têm cabimento para impugnar DECISÃO (ACÓRDÃO) DE TRIBUNAL, PROFERIDA NO EXERCÍCIO DE SUA COMPETÊNCIA RECURSAL. Vale dizer: o ACÓRDÃO NÃO UNÂNIME e CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA DEFESA, PARA SER IMPUGNÁVEL PELOS EMBARGOS INFRINGENTES, DEVE DERIVAR DO 2º GRAU DE JURISDIÇÃO. O Código de Processo Penal, portanto, NÃO CONTÉM PREVISÃO EXPRESSA DO CABIMENTO DO RECURSO EM ESTUDO PARA A IMPUGNAÇÃO das decisões colegiadas emanadas DOS ÓRGÃOS JUDICIAIS DE SUPERPOSIÇÃO, DENTRE ELES O MAIS IMPORTANTE, QUAL SEJA: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portanto, à luz da normatividade contida no Código de Processo Penal, não se permite a interposição dos embargos infringentes para a impugnação das decisões oriundas do STF, pois o próprio Princípio da taxatividade adverte: só se admite a interposição de recurso previsto em lei, nas hipóteses também previstas por essa espécie de norma jurídica primária. Não se admite o emprego do recurso integrativo da analogia, nem da interpretação extensiva (segundo grande parte da doutrina) para a válida interposição de um recurso nas hipóteses não contempladas pela lei. 

A seu turno, a Lei n.º 8.038/90, que contém normas procedimentais específicas para os processos e julgamentos no STF e no STJ, TAMBÉM NÃO CONTEMPLOU EXPRESSAMENTE OS EMBARGOS INFRINGENTES PARA O PROCESSO PENAL.

Apesar de o Código de Processo Penal e a Lei n.º 8.038/90, como vimos, não permitirem expressamente a interposição dos embargos infringentes para impugnar decisões criminais colegiadas do STF, o REGIMENTO INTERNO desse Tribunal (conhecido como RISTF) contém expressa previsão. Seu art. 333 assim estabelece: "cabem embargos infringentes à decisão não unânime do plenário ou da turma que: I - que julgar procedente a ação penal". Percebe-se claramente que o RISTF preservou a teleologia dos embargos infringentes juridicizados pelo art. 609, par. Único do Código de Processo Penal, qual seja: buscar a prevalência do voto vencido favorável aos interesses do acusado, e afastar os votos vencedores favoráveis aos interesses da acusação, mudando, assim, o próprio mérito do acórdão condenatório. O regimento interno da Suprema Corte, portanto, supre as omissões do Código de Processo Penal e da Lei n.º 8.038/90. Entretanto, poderia o RISTF fazê-lo, tendo em vista que, segundo a Constituição Federal de 1988 (art. 22, I), compete PRIVATIVAMENTE à UNIÃO LEGISLAR SOBRE DIREITO PROCESSUAL? PODERIA UM ÓRGÃO DO PODER JUDICIÁRIO, NO EXERCÍCIO ATÍPICO DA FUNÇÃO LEGIFERANTE, INOVAR O SISTEMA JURÍDICO PROCESSUAL CRIANDO UMA INÉDITA ESPÉCIE RECURSAL?

Pois bem. Segundo o art. 115, par. Único da Constituição Federal de 1967, competia ao Supremo Tribunal Federal criar seu regimento interno, cujo conteúdo abarcaria, inclusive, normas jurídicas de natureza processual. Vejamos: 

"Art 115 - O Supremo Tribunal Federar funcionará em Plenário ou dividido em Turmas.  Parágrafo único - O Regimento Interno estabelecerá: a) a competência do plenário além dos casos previstos no art. 114, n.º I, letras a, b , e, d, i, j e l , que lhe são privativos; b) a composição e a competência das Turmas; c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso; d) a competência de seu Presidente para conceder exequatur a cartas rogatórias de Tribunais estrangeiros". 

Conforme se verifica do aludido dispositivo normativo, o constituinte de 1967 permitiu que a Corte Suprema produzisse normas reitoras do exercício de suas competências originária e recursal, o que se tornou realidade concreta com a edição do RISTF (datado de 27 de outubro de 1980). É visível, pois, a ampla função normativa até então titularizada pelo STF, sem correspondência, todavia, na Constituição em vigor.

Segundo o art. 96 da Constituição Federal de 1988, dispositivo normativo contido no Capítulo do "Texto Maior" que cuida de normas gerais aplicáveis aos Tribunais do Poder Judiciário pátrio, cada Tribunal possui competência normativa para criar seus regimentos internos. Entretanto, à luz do art. 22, I da Constituição, compete PRIVATIVAMENTE À UNIÃO LEGISLAR SOBRE PROCESSO, donde se conclui que: OS TRIBUNAIS PODEM CRIAR NORMAS PROCEDIMENTAIS, MAS NÃO REGRAS MATERIALMENTE PROCESSUAIS. NÃO PODEM INOVAR O SISTEMA RECURSAL, MAS, APENAS, ESPECIFICAR REGRAS PROCEDIMENTAIS PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DOS RECURSOS JÁ PREVISTOS EM LEIS DA UNIÃO (LEIS NACIONAIS).

Com a entrada em vigor do Texto Constitucional de 1988, nos explica a doutrina constitucional que a Constituição Federal de 1967 foi REVOGADA. Não há que se falar, exceto quando expressamente disposta no texto constitucional revogador, em "recepção material das normas constitucionais" do texto pretérito. Portanto, o STF não mais titulariza a ampla liberdade normativa reconhecida pelo art. 115, par. Único da Constituição de 1967. Por sua vez, em apego ao "Princípio da continuidade normativa", asseveram os doutrinadores que o RISTF foi recepcionado com força de lei ordinária, mas sua vigência no ordenamento jurídico inaugurado pela ordem constitucional de 1988 se prolonga no tempo até o instante em que o legislador, atento à competência legislativa da União para criar normas jurídicas primárias processuais (art. 22, I da CF/88), edite lei específica disciplinadora das competências originária e recursal do STF. Surgiu, assim, a Lei n.º 8.038/90 que, REPITA-SE À EXAUSTÃO, NÃO JURIDICIZOU O RECURSO DE EMBARGOS INFRINGENTES NO PROCESSO PENAL PARA A IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES COLEGIADAS DE AUTORIA DA SUPREMA CORTE. 

O STF (assim como todos os demais Tribunais Judiciários pátrios), na atual normatividade constitucional, possui competência normativa para, apenas, criar  NORMAS PROCEDIMENTAIS que viabilizem o processo e julgamento dos RECURSOS JÁ PREVISTOS NAS LEIS PROCESSUAIS NACIONAIS.  É TERMINANTEMENTE VEDADA A INOVAÇÃO NORMATIVA DO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO, A NÃO SER ATRAVÉS DE LEIS PRODUZIDAS PELO ÓRGÃO LEGISLATIVO DA UNIÃO (CONGRESSO NACIONAL). OUTRA NÃO DEVE SER A INTERPRETAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL DE 1988 QUE, SOB O PÁLIO DA DIRETRIZ HERMENÊUTICA DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO, concilie a autonomia normativa dos Tribunais para editarem seus regimentos internos (art. 96) com a competência privativa da União para legislar em matéria processual (art. 22, I). 

Destarte, restou SUSPENSA A EFICÁCIA  do art. 333, I do RISTF, RAZÃO PELA QUAL NÃO É JURIDICAMENTE VÁLIDA A INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES CONTRA AS DECISÕES CRIMINAIS COLEGIADAS PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Aguardemos o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em mais um capítulo da interminável novela "O Mensalão", da autoria de José Dirceu e companhia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Exatamente. Se ao juiz de primeira instancia não é dado a modificação de sua decisão, não havendo grau recursal em ação originária do STF, por falta de previsão legal, a despeito de implícito o princípio do duplo grau, não entendo ser possível mudar o MÉRITO da decisão nos enfringentes, porquanto a decisão não é em revisão/recurso, e sim da única instancia prevista no caso.

Corretíssimo.