quinta-feira, 22 de março de 2012

REDAÇÃO FORENSE: LINGUAGEM TÉCNICA OU COLOQUIAL?




O debate acerca da redação jurídica, no Brasil, não é novo, sendo, há muito, alvo de discórdia entre juristas e populares. Para alguns é necessário extirpar o que se convencionou chamar de "jurisdiquês", a fim de tornar a redação forense mais clara e acessível aos jurisdicionados, para outros o tecnicismo está enraizado na ciência jurídica, sendo um elemento característico e necessário ao formalismo que a reveste.


A discussão chegou ao legislativo federal e tomou forma no Projeto-de-lei nº 7.448/06 (disponível na íntegra, ao final do texto), de autoria da Deputada Maria do Rosário, cujo dispor impõe a substituição da linguagem técnico-jurídica, em sentenças judiciais, pelo coloquialismo. Segundo a proponente, "a tradução para o vernáculo comum do texto técnico da sentença judicial impõe-se como imperativo democrático, especialmente nos processos que por sua natureza, versem interesses peculiares às camadas mais humildes da sociedade, como as ações previdenciárias e relacionadas ao direito do consumidor." (grifamos)


O polêmico Projeto legislativo foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara Federal, mas, em seguida, foi considerado prejudicado pelo Senado. Não obstante, a temática sob exame não deve cair no esquecimento, eis que muitos parlamentares e juristas defendem a propositura de um novo projeto, desta vez limitando a linguagem técnica não apenas nas sentenças, mas, também, nas petições e recursos elaborados por advogados.



VOCÊ CONCORDA COM A REFERIDA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA ?



A OPINIÃO DOS COLABORADORES


















Richard Paes Lyra Junior

Advogado, Especialista em
Direito Tributário pela
Escola Paulista de Direito -
EPD.



Apesar da conhecida controvérsia vislumbro o Direito como ciência, logo, revestido de peculiaridades e características que o distingue das demais. Assim, dentre outros caracteres, destaca-se pelo uso de palavras e expressões técnicas que imprimem especificidade e exata subsunção de certos termos aos mais variados procedimentos e processos, notabilizados pela abstratividade.


É justamente o caráter abstrato do direito que justifica o uso de palavras pouco usuais do dia-a-dia, já que a ciência jurídica revela-se impregnada de relações jurídicas complexas, que exigem do intérprete aprofundado conhecimento hermenêutico. Não à toa exige-se dos operadores do Direito cinco anos de formação acadêmica, tudo para que compreendam seu universo abstrato e dominem a linguagem jurídica com o fim de traduzi-la para o mundo fenomênico.


Nesta esteira, o uso de termos e expressões técnicas não configura mero preciosismo jurídico, mas decorre da própria natureza da ciência jurídica e dela não pode ser subtraído, sob pena de prejudicar a interpretação e o, consequente, dizer o direito. Para melhor ilustrar o tema, peço venia para utilizar como exemplo a palavra "saudade", por óbvio abstrata e detentora de significado exclusivo no idioma português. Ora, como se trata de vocábulo sem tradução para outros idiomas, seria razoável abolir a palavra saudade sob a justificativa de facilitar a comunicação entre os povos?


A meu ver, a mesma reflexão deve orientar a discussão sobre a utilização de expressões técnica nas redações forenses. É claro que as sentenças, decisões interlocutórias, recursos e petições devem ser elaboradas de modo a permitir adequado entendimento do seu conteúdo e alcance, pelo receptor, contudo, isto não quer dizer que o tecnicismo deve ser abolido da redação forense, pois certos termos e expressões, aparentemente incompreensíveis pelo cidadão, funcionam como verdadeiras "pontes" para a escorreita aplicação do direito.


Deste modo, não prospera a tese que defende a desnecessidade do uso de expressões técnicas no âmbito do Judiciário, tampouco merece prevalecer a ideia de que tais termos obstam a compreensão das decisões por populares, afinal o advogado nada mais é do que um tradutor, à disposição do jurisdicionado. Não obstante, vale consignar que os fóruns são abertos ao público, permitindo aos jurisdicionados buscarem pronto auxílio e informações através dos serventuários e analistas processuais.


Ademais, não é despiciendo lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro foi construído segundo os pilares do Direito Romano, cuja marca é a formalidade e a tradição. Assim, como exemplo, o Direito Civil e o Processo Civil, que possuem sólidas raízes no Direito Romano, trazem expressões latinas que não podem ser alijadas da redação forense, tais como: "propter rem", "fumus bonis juris", "periculum in mora" e outras.


Evidente, portanto, que as ferramentas processuais que impulsionam o Judiciário são específicas e invariavelmente dotadas de formalismo. Outrossim, expressões técnicas e aquelas oriundas do latim são características do meio forense, logo não merecem restrição, mas, sim, adequado uso pelo operador do direito e escorreita tradução em favor do jurisdicionado.


Por derradeiro, externalizo profunda preocupação com propostas tendentes a simplificar, a qualquer custo, o uso do vernáculo, seja no âmbito jurídico, seja no cotidiano. Desta maneira, com a devida venia, comparo a presente proposição legislativa a estapafúrdia distribuição de livros escolares com erros gramaticais, sob a justificativa de que "a partir do pressuposto que analfabetos e analfabetos funcionais são a maioria da população brasileira, nada como manter o status de adequado ao verbalizar incorretamente o português".


Não se pode resolver problemas de interpretação mediante adoção de processos voltados ao empobrecimento linguístico. Deve-se, na verdade, priorizar a linguagem culta e técnica, sobretudo nos bancos acadêmicos e no exercício profissional, do contrário o tão aclamado fim do "jurisdiquês", como querem alguns, pode culminar em novos problemas de interpretação, ante a ausência de tecnicidade e absoluto desapego ao vernáculo.




















Fábio Márcio Piló Silva
Advogado, especialista em
Ciências Criminais pela
Universidade Cândido Mendes.




Trata-se de um tema bastante controvertido. Eu mesmo me encontro com posições variadas a cada minuto que se passa!! No presente momento penso da seguinte forma: Poderia falar que a linguagem jurídica não afetaria ao cliente leitor da petição, do despacho ou da sentença, pois que o processo terá seu acompanhamento traduzido ao cliente pelo seu Advogado, devidamente acostumado com o "Jurisdiquês".


Porém, temos que lembrar que os processos são públicos, sujeitos a apreciação, análise de qualquer um do povo, mesmo que sem interesse direto ou indireto na demanda. No presente caso, temos que a pessoa comum do povo conseguiria entender grande parte do conteúto expresso nos autos, mas não sua totalidade, principalmente as partes grafadas em latim e palavras restritas ao mundo jurídico, enquanto o menos favorecido, que não entende nem o Português direito, não entenderá praticamente nada do que versa a leitura sob análise.


Não acho que o judiciário deva mudar completamente o linguajar jurídico quando se tratar de sua exposição ao grande público, mas penso que algumas expressões e palavras muito técnicas poderiam ser "traduzidas" ou mesmo traduzidas (sem áspas) quando se tratar de palavras e expressões em LATIN, pois que, lembrando, o processo é público e irrestrito, em regra (salvo quando decretado o segredo de justiça).


Lembro aos leitores sobre a norma que determinou o implemento da linguagem acessível às BULAS DE MEDICAMENTOS, que, até alguns anos atrás, eram incompreensíveis pela grande maioria da população que fazia uso de tais. Não comparo a bula de remédio ao processo, mas acho que é uma boa argumentação para se conseguir que o "juridiquês" seja, ao menos, mitigado nos autos processuais.


Portanto, não me posiciono favoravelmente ao coloquialismo intraprocessual, mas sim a utilização, em taxativos casos, de um português menos rebuscado aos magistrados e advogados que de tal forma prezam sua escrita.




Rafael Constantino
Advogado em Belo Horizonte



Como bem disse Fábio Piló, o processo é público e, portanto, em regra, pode ser acessado por qualquer pessoa do povo. Por outro lado, o Direito é uma ciência, e como toda ciência, possui termos próprios e técnicos.


Acho que o PL não poderia vedar o tecnicismo inerente ao Direito. Todavia, os atos processuais não devem complicar a compreensão do seu conteúdo. Creio que a vedação legal não seja bem vinda.


Por outro lado, os sujeitos processuais (partes, representadas por seus advogados, juiz, promotor, etc) devem tentar, ao máximo, proporcionar a compreensão daquilo que manifestaram no ato processual. Nada impede que se utilizem de termos técnicos ou até mesmo de grafia estrangeira, mas desde que passem com clareza e inteligibilidade a mensagem que pretendem.



PROJETO DE LEI No , DE 2006
(Da Sra. Maria do Rosário)

Altera o artigo 458 da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Art. 1º Esta Lei altera o artigo 458 da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973- Código de Processo Civil..

Art. 2º O artigo 458 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com a seguinte alteração:

"Art. 458..............................................................

IV — a reprodução do dispositivo da sentença em linguagem coloquial, sem a utilização de termos exclusivos da Linguagem técnico-jurídica e acrescida das considerações que a autoridade Judicial
entender necessárias, de modo que a prestação jurisdicional possa ser plenamente compreendida por qualquer pessoa do povo.

§ 1º A utilização de expressões ou textos em língua estrangeira deve ser sempre acompanhada da respectiva tradução em língua portuguesa, dispensada apenas quando se trate de texto ou expressão já integrados à técnica jurídica.

§ 2º O disposto no inciso IV deste artigo aplica-se exclusivamente aos processos com participação de pessoa física, quando esta seja diretamente interessada na decisão Judicial.

§ 3° A reprodução coloquial do dispositivo da sentença deverá ser enviada ao endereço pessoal, físico ou eletrônico, da parte interessada até a data da publicação da sentença. Não ensejará recurso nem poderá ser utilizada como fundamento recursal, não repercutindo de qualquer
forma sobre os prazos processuais.

§ 4º Para fins do disposto no inciso IV deste artigo, a parte interessada deve manter atualizada a informação de seu endereço físico ou eletrônico, cabendo à secretaria do órgão judiciário, independentemente de manifestação do juiz, certificar nos autos cada alteração informada.

Art. 3°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Diferentemente das decisões interlocutórias, que são destinadas ao conhecimento dos advogados, a decisão final do processo dirige-se principalmente às partes.

A exemplo do texto constitucional, cuja técnica de redação prioriza o uso de palavras de conhecimento geral e cuja hermenêutica recomenda a opção pelo sentido comum, assim também deve ser concebida a sentença judicial, já que tanto a Constituição como a sentença não podem ser reduzidas a um texto técnico.

Embora não se desconsidere a importância do Advogado enquanto interlocutor técnico autorizado, o Estado tem o compromisso político de dirigir-se diretamente ao cidadão que o procura para a solução de uma Lide.

Nesse passo, deve-se considerar que o Direito, de forma corriqueira, utiliza-se de linguagem normalmente inacessível ao comum da população, apresentando, no mais das vezes, um texto hermético e incompreensível. Assim, de pouco ou nada adianta às partes a mera leitura da
sentença em seu texto técnico.

Desse modo, a tradução para o vernáculo comum do texto técnico da sentença judicial impõe-se como imperativo democrático, especialmente nos processos que, por sua natureza, versem interesses peculiares às camadas mais humildes da sociedade, como as ações previdenciárias e relacionadas ao direito do consumidor.


Pelo exposto, conclamo meus pares a aprovar o presente projeto de lei.


Sala das Sessões, em de de 2006.


Deputada MARIA DO ROSÁRIO







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