terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO DE MILITAR EM ERGÁSTULO COMUM







A aproximadamente duas semanas a imprensa do Brasil e do mundo acompanha com atenção à manifestação de Policiais Militares baianos e fluminenses pelo direito a um soldo digno, melhores condições de trabalho e pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 300, cujo teor estabelece piso unificado para militares estaduais.


Sem adentrar ao mérito, cumpre neste ensaio perquirir à legitimidade ou não do Estado encarcerar militares em ergástulos civis, como ocorrido recentemente no Rio de Janeiro. Desta feita, serão analisados os elementos da prisão em flagrante à luz do Código Processual Penal Militar-CPPM, do Código de Processo Penal - CPM e da Constituição, tudo para aferir à possibilidade do militar restar custodiado em estabelecimento prisional civil.


Como cediço, é vedado aos militares realizar greves (art. 142, IV, CF), logo, sua execução pode subsumir o fato aos termos do artigo 149 do CPM (crime de Motim). Não obstante, o mesmo diploma legal também pune aquele que de algum modo incita e alicia companheiros a praticar delito militar, consoante depreende-se da leitura dos artigos 154 e 155 do CPM, in verbis:


Art. 154. Aliciar militar ou assemelhado para a prática de qualquer dos crimes previstos no capítulo anterior:

Pena - reclusão, de dois a quatro anos.


Art. 155. Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar:

Pena - reclusão, de dois a quatro anos.



Assim, uma vez caracterizados os crimes de aliciação e incitamento, a prisão do militar é medida que se impõe, tudo para preservar os sustentáculos da doutrina militar, ora designados pelos valores da hierarquia e disciplina. Como se vê, apesar da aparente inofensividade do delito, sob o prisma do Direito Penal comum, tais condutas mostram-se atentatórias aos pilares da vida militar, colocando em xeque à estrutura da instituição, razão pela qual tais crimes são considerados graves pelo Direito Penal Militar.


No entanto, o CPM, através do inciso II, do artigo 123, autoriza, em caráter discricionário, ao Chefe do Poder Executivo conceder o instituto da "anistia" em favor dos sujeitos ativos de crimes propriamente ou impropriamente militares. Logo, tal qual ocorreu em relação aos bombeiros fluminenses, em 2011, os militares acusados de aliciamento e incitamento também poderão ser beneficiados, resultando na extinção da punibilidade.


Uma vez colocado e pontuado o direito material, cabe, neste ínterim, analisar a situação processual dos acusados pelo crime de incitamento e aliciamento ao motim, senão veja-se.


Uma vez considerado o flagrante deve a autoridade militar ou, excepcionalmente, civil observar os termos do artigo 243 e seguintes do CPPM, procedendo à lavratura do auto, as oitivas, entrega da nota de culpa e demais procedimentos legais. Concluída à praxe processual e submetido os autos ao Juiz de Direito, deve o militar ser conduzido a Unidade Militar, onde ficará sob à custódia da Polícia Judiciária Militar, consoante abstrai-se do parágrafo único do artigo 300 do CPP, in verbis:


"Art. 300 - (...)


Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes.”


Notem, à leitura do dispositivo legal sob exame não deixa dúvidas quanto ao descabimento da manutenção do cárcere de militar em estabelecimento prisional civil, eis que a lei processual penal comum expressamente consagra o direito a prisão especial, face à inequívoca prerrogativa de função que ostenta.


A inobservância do parágrafo único, do artigo 300, do CPPM, acarreta uma série de violações que, por sua vez, afetam a ordem constitucional, dentre elas: afronta à dignidade da pessoa humana, desrespeito à legalidade, moralidade e razoabilidade.


Apesar da gravidade dos delitos de aliciamento e incitamento na esfera penal militar, tais delitos nem de longe aproximam-se de crimes como sequestro, estupro e outros previstos na legislação penal comum. Logo, encarcerar o militar em estabelecimento prisional comum denota evidente afronta à dignidade da pessoa humana, já que injustificadamente mantido no mesmo espaço de delinquentes de alta periculosidade e, fundamentalmente, por ser forçado a permanecer em local onde estão as pessoas que prendeu no exercício da função, fazendo-o experimentar insofismáveis sofrimentos psicológicos.


Ademais, ante ao desrespeito do parágrafo único, do artigo 300, do CPP, a manutenção do militar em ergástulo comum avilta o Princípio da Legalidade (art. 37, caput, CF), visto que o Estado inobserva norma processual penal vigente, de modo a exsurgir o caráter arbitrário da prisão, merecendo, então, pronta reparação pelo Poder Judiciário.


Do mesmo modo a moralidade administrativa também é violada, in casu. É que o Estado, sabedor das normas que integram o arcabouço jurídico brasileiro, deve prezar não apenas pelo respeito às leis, mas também por preceitos éticos mínimos. A prisão do militar em estabelecimento prisional civil atropela a moral administrativa, colocando em xeque à sistemática jurídica pátria, eis que consagra perigoso precedente.


Por derradeiro, vale consignar que a prisão em comento desconsidera a razoabilidade, haja vista que o encarceramento de militar em local destinado ao cumprimento de pena a criminosos comuns não guarda nenhuma congruência lógica. Ora, apesar da inequívoca caracterização do delito penal militar, não há como justificar à permanência do militar em local apropriado a receber delinquentes, visto que o meio utilizado não atende à finalidade da medida.


Apenas a título de exemplo, a prisão de militar em estabelecimento prisional comum é excepcionalmente admitida no caso de cumprimento de pena privativa de liberdade superior a 2 anos, quando inexistir penitenciária militar. (art. 61, CPM).


Com efeito, pode-se asseverar sem maiores dificuldades que apesar da escorreita observância do direito material, pela Polícia Judiciária Militar, a sistemática processual penal e a Constituição Federal afiguram-se flagrantemente desrespeitadas face à desarrazoada manutenção de um militar estadual em estabelecimento prisional civil, ou seja, desprezando a prerrogativa de função ínsita à carreira militar.


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