quinta-feira, 5 de abril de 2012

Amizade pura e verdadeira: infelizmente, um sentimento em extinção


Pessoal, fugindo um pouco do debate jurídico, proponho a leitura da seguinte experiência que vivi. Sugiro a todos uma reflexão (ainda que breve!) sobre um dos sentimentos mais nobres do ser humano: a amizade. 

Sem delongas, vamos ao texto:

Engraçado, constantemente coloco-me a refletir: um dos ditados populares mais corretos e adequados é o que assevera ser “o cachorro o melhor amigo do homem”. E não foi a toa que me aderi incondicionalmente a esta genuína lição popular.

Quando eu tinha por volta de 09 (nove) anos de idade, saí de Francisco Sá (Distrito do Município de Carlos Chagas/MG) e fui passar as férias escolares com minha querida irmã Adriana Arrieiro Continentino Costa e com meu prezado (ou melhor, exemplar) cunhado Sylo Costa Júnior em Belo Horizonte/MG.

Sylo Júnior que, naquela época (não tão longínqua assim) tinha uma cabeleira de fazer inveja a Sanção e Rapunzel, deixando aflorar um romantismo digno de Don Juan e Clarck Gable (aquele mesmo, de "O Ventou Levou"!), presenteou minha irmã com um lindo cachorro da raça “Old English Sheep Dog”. Como era indescritível este animal. Pelagem branca e cinza que confortava límpidos olhos azuis. Que saudades Rodolfo!

Eu, embasbacado com o presente que minha irmã acabara de ganhar, não tive dúvidas: liguei imediatamente para minha mãe (Maria Tereza Arrieiro) e para meu pai Armando que estavam na fazenda em Francisco Sá e supliquei: "mãe, pai, pelo amor de Deus eu quero um Sheep Dog!”. E qual a resposta à minha súplica? Vocês acham que meus pais teriam a coragem de frustrar meu pedido, ainda mais da forma como o formulei (pressão psicológica pura)? Que nada, no outro dia fui a um canil com minha irmã e meu cunhado para compramos o bichinho. 

Quando lá chegamos havia uma porção, centenas de “Sheep Dogs”, mas um deles logo me chamou a atenção e acho (ou melhor, tenho certeza!) que também chamei a atenção dele. Que cachorro lindo, mais parecia uma bola de pêlos. Achei que fosse um típico torcedor do atlético mineiro. Pelagem fina e macia, metade dela preta, metade dela branca com uma mancha preta imponente nos pêlos que encobriam o olho esquerdo. Como ele pulava de alegria! A ternura com que me olhava parecia dizer: "ei, menino, gostei de você! Me leve pra casa, por favor?" Sem titubear, prolatei logo minha sentença: "Drica, Cáca, é este que eu quero e ele vai se chamar “Jean Pierre” (um bravo herói protagonizado por Edson Celulari na novela "Que rei sou eu"). 

Pronto, nascia neste momento uma das minhas maiores e inesquecíveis amizades. Que surpresa boa a vida reservara-me naquele exato instante! 

Agora, só faltava um detalhe: como um cachorro tão peludo iria viver numa fazenda, sobretudo exposto a um calor de "rachar mamona" como aquele que “derretia” o Povoado de Francisco Sá? Resolvi “pagar pra ver” (e não me arrependi). Então, fomos nós, eu e Jam (que não era mais Jean!) desbravar as terras dos Amorim e Taroni.

Depois de muitas horas de viagem, enfim chegamos. Ao abrir a porta do carro ele, que até então não havia saído um minuto sequer do meu colo, logo ganhou o calçamento e se apresentou ao povoado que, acreditem, simplesmente parou. As pessoas de “Chico Sá”, ao se depararem com o Jam, reagiram de distintas formas: uns correram e outros sorriram, mas todos concordaram: não existia cachorro igual. Até meu pai Armando, que não tinha lá muita simpatia por cachorros, não resistiu aos encantos do Jam.

O tempo, como uma brisa soprando na imensidão do mar, foi passando. Nossa amizade se tornava cada vez mais forte e intensa. Brincávamos, corríamos, nadávamos numa represa de águas cristalinas. Brincávamos até de esconder. Eu pedia pra ele esperar. Daí me escondia, geralmente, nas partes mais altas das árvores e, após me sentir seguro em meu esconderijo, gritava: "Jaaammmmmm!". E lá vinha ele com uma velocidade que não era comum aos cachorros de sua raça. Procurava-me incansavelmente. Corria pra lá e pra cá. Farejava até faltar-lhe o ar. Mas sempre acabava me encontrando. Ele jamais deixou de me procurar. Ele jamais de mim desistiu!

Mas o tempo, agora, infelizmente, continuava soprando como uma brisa na imensidão do mar. Jam foi ficando velho. Aos poucos foi perdendo todo seu vigor físico, mas, paradoxalmente, sua amizade por mim só fazia aumentar. Sua adoração pela pessoa que vos fala seguia a lógica dos bons vinhos: "quanto mais velho melhor e mais consistente". 

Eu queria paralisar a passagem de tempo. Desejava, com todas as minhas forças, que meu melhor amigo me fizesse companhia, ao menos, por mais alguns dias. Entretanto, meu desejo não se tornou realidade. Exatamente no dia em que o Brasil chorou a trágica morte dos integrantes da banda “Mamonas Assassinas”, eu chorei a perda de Jam. Lembro-me perfeitamente: após chegar da Escola Estadual do Povoado de Francisco Sá, desci do meu cavalo e, antes mesmo de chamar por meu cachorro (já pressentindo o pior), avistei minha mãe sentada no sofá da sala. Quando ela me viu, não conteve um filete de lágrima em seus olhos que, inexoravelmente, insistiu em escorrer pelo seu rosto. Meu pai Armando estava no jardim, absolutamente desolado com a perda de um animal que aprendeu a amar.

Neste momento pude perceber que havia terminado uma era. Uma era de amizade, de companheirismo e de lealdade. 

Como já disse neste texto, o Jam nunca desistiu de mim. Nunca deixou de me procurar. Eu, também, nunca me esqueci do meu cachorro e serei eternamente grato a ele por todos os momentos inesquecíveis que me proporcionou. As brincadeiras, as peripécias, as travessuras, o carinho, os pulos (e que pulos!) de alegria quando me via, o choro ao me ver montado em meu cavalo para ir à escola e tantos outros momentos guardarei em minha grata lembrança até o fim dos meus dias, pois, como diz Milton Nascimento: “amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração...

Ficam as saudades, mas a vida não pode parar. Não desistirei dos meus objetivos, dos meus ideais e das minhas convicções, nos mesmos moldes do Jam que em momento algum desistiu ou menosprezou nossa eterna amizade. Sugiro que todos os meus amigos façam o mesmo!

Sigamos, então, da melhor forma possível o longo, prazeroso, mas tortuoso caminho da vida, não é Guttinho? (meu novo cachorro)

Um comentário:

Aline T. disse...

Que lindo, Rafa! Nao conhecia esse seu dom para escrever! To até emocionada! Parabéns! Bjao