terça-feira, 26 de julho de 2011

DAS COISAS QUE NÃO ENTENDO!




"Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê"
(Renato Russo)




Num país em que a tônica é a péssima conservação de suas malhas viárias, o estado de São Paulo destaca-se, em regra [1], pelas excelentes rodovias que possui. A política de concessão dos serviços destinada à manutenção e gestão das estradas paulistas é sem dúvida a razão para o invejável estado de conservação de parte destes bens de uso comum.

Com aproximados 5,4 mil Km de rodovias concedidas, o estado resta desonerado com os custos da administração destas rodovias, permitindo, em tese, serviços de qualidade ao usuário, por parte das concessionárias. Em contrapartida estas pessoas jurídicas de direito privado tem o direito de exigir uma contraprestação pelos serviços, ora materializada na forma do "pedágio".

É justamente essa imposição (ora caracterizada como tarifa, ora como taxa, a depender da natureza jurídica de sua imposição) que evidencia toda celeuma em torno das rodovias concedidas à iniciativa privada. É que sua exigência, por vezes, extrapola a razoabilidade, bem como avilta os princípios do serviço público.

Como exemplo, exsurge o "Sistema Anchieta-Imigrantes" (malha viária que que interliga São Paulo à Baixada Santista). Desde dezembro de 2002 o complexo viário em comento foi incrementado com a construção da segunda pista da Imigrantes, obra faraônica e dispendiosa que possibilitou rápido e confortável acesso de veículos de passeio aos municípios litorâneos.

No entanto, por razões de segurança, ônibus e caminhões são proibidos de trafegar na pista nova, devendo utilizar a rodovia Anchieta (cuja pista, concluída no anos 50, oferece condições de pouca velocidade, intenso fluxo de caminhões de grande porte, alto índice de acidentes [2], etc).

Consoante às descrições acima, é possível perceber que os usuários da rodovia Anchieta nem de longe fruem das mesmas condições oferecidas àqueles que utilizam a segunda pista da Imigrantes, rumo à Baixada Santista. Todavia, tal obviedade é simplesmente ignorada por concedente e concessionária, eis que a única "casa de pedágio" para as duas rodovias exige o mesmo montante de ambos usuários (R$ 20,10).

Ora, se uma rodovia não dispõe dos mesmos adjetivos da outra, existe razoabilidade na exigência do mesmo valor tanto para quem trafega na Imigrantes, quanto para aquele que utiliza a rodovia Anchieta?

Ousa-se dizer que não!!!

Nesta esteira, forçoso invocar o "Princípio da Razoabilidade", implícito na Carta Magna Brasileira. Segundo o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio em voga impõe ao Poder Público "obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida". [3]

Trazendo o brilhantismo do autor à casuística proposta, resta impossível aferir razoabilidade na imposição de uma prestação nitidamente desproporcional em relação a usuários que recebem, notadamente, serviços de menor qualidade. Em outras linhas, se uma via não oferece as mesmas condições de tráfego e segurança que a outra, qual o sentido de se exigir a mesma soma tarifária para usuários em situações desiguais?

A forttiori, à luz do Princípio da Razoabilidade, deveria a Administração Pública/concessionária do serviço mensurar o valor da tarifa conforme à qualidade do serviço prestado ao usuário. De modo a exigir um valor "X" do usuário da Rodovia Imigrantes (moderna, segura e que permite maiores velocidades) e um valor "Y" daqueles que trafegam na Rodovia Anchieta (pista de intenso tráfego de caminhões carregados, baixas velocidades e menor segurança se comparada a outra via de acesso à Baixada Santista).

Não obstante a absoluta ausência de razoabilidade na cobrança, não é despiciendo consignar o valor da tarifa "imposta" ao usuário. Como dito alhures, é certo que os veículos de passeio gozam de uma das mais perfeitas malhas viárias do Brasil, contudo, data maxima venia, o valor exigido em muito extrapola os padrões econômicos brasileiros, por consequência, fazendo do "Princípio da modicidade" letra morta.

Neste ínterim, destaco o § 1º, artigo 6º, da lei 8.987/95, in verbis:

Art. 6o (...)

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.


Da leitura do dispositivo legal suso mencionado, depreende-se que o serviço prestado pela concessionária resta vinculado, dentre outras coisas, à ponderada política tarifária. Assim, o preço deve resultar da ponderação do custo para a execução do serviço em relação à condição econômica do usuário.

Apesar de contar com um dos principais portos da América Latina, bem como possuir elevado número de instituições de ensino, a Baixada Santista, há muito, não oferece oportunidades de emprego aos recém saídos dos bancos acadêmicos, tampouco possui auto-suficiência para o abastecimento de diversas mercadorias e produtos hortifrutigranjeiros. Em razão disso, os profissionais são "compelidos a subir a serra", em busca de oportunidades, e o comércio obrigado a importar produtos e insumos das mais variadas regiões.

Tal fenômeno, aliado a política tarifária nas rodovias que dão acesso ao litoral paulista, resultam na perda aquisitiva do trabalhador, bem como o elevado custo das mercadorias, em razão do frete. É que o quantum exigido do usuário do serviço reflete efeitos, ainda que indiretamente, no custo de vida da população destes municípios litorâneos, eis que o valor do pedágio é repassado ao consumidor final, encarecendo o transporte de pessoas e o consumo em si.

Por fim, acredita-se que apesar do excelente estado de conservação desta malha viária, faz-se necessário ajustar tais inoperacionalidades, que acabam por limitar o crescimento econômico da região ante à imposição de um pedágio desarrazoado e que desconsidera às condições econômicas de toda uma região.


NOTAS


[1] Dos 15,8 mil quilômetros de rodovias estaduais sem pedágio do estado de São Paulo, pelo menos 10 mil km têm problemas de conservação e precisam de reformas, aponta levantamento realizado pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (Setcesp). (Fonte: G1)

[2] GALVEZ, Camila. Via Anchieta tem oito acidentes por dia. Diário do Grande ABC. 17/01/2011. Disponível em http://www.dgabc.com.br/News/5851394/via-anchieta-tem-oito-acidentes-por-dia.aspx . Acesso em 21/07/2011.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2002, p. 91


3 comentários:

ADELSON disse...

PARABENS DR UM OTIMO ARTIGO. SOU DE CUBATAO E NUNCA ME CONFORMEI EM PAGAR O MESMA TAXA PARA IR COM O CARRO NA ANCHETA. ESE GOVERNO JA DEVIA TER VISTO ISSO ANTES DA ELEIÇOES. PBS

Anônimo disse...

Realmente de indiguinar doutor, como diz o boris casoi, isso é uma vergonha.

Anônimo disse...

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