domingo, 19 de junho de 2011

MARCHA DA MACONHA: O OUTRO LADO



RESUMO: Análise do tema à luz das garantias fundamentais e demais dispositivos constitucionais que o cercam, sem desconsiderar bens jurídicos potencialmente afetados, tomando-se por baliza o princípio da concordância prática.


EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONALMENTE TUTELADOS – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA – MARCHA DA MACONHA – DEVER DE PROTEÇÃO À FAMILIA – HARMONIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.


O Direito é a ciência que melhor ilustra os traços evolutivos de uma sociedade, acompanhando a velocidade destas transformações, sem, contudo, estabelecer preceitos absolutos, tampouco acepções de caráter imutável.

Face à característica sócio-evolutiva em destaque, o Direito invariavelmente se vê desafiado a superar antagonismos que, por vezes, o coloca “contra a parede”, tal como ocorre nos conflitos “sociedade versus indivíduo - maioria versus minoria”, despertando opiniões e reações diametralmente opostas na comunidade jurídica.

Exemplo unívoco exsurge do recente julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 187, sob a relatoria do Exmo. Ministro Celso de Mello. Sua propositura, intentada pela Procuradoria Geral da República, teve por fundamento a liberdade de manifestação daqueles que defendem à tese da descriminalização do entorpecente, estabelecendo como parâmetro a interpretação, conforme à constituição, do artigo 287 do Código Penal [1].

Num voto indiscutivelmente técnico, brilhante e arrebatador, o Ministro Celso de Mello, tal como seus pares, votou pela integral procedência da ADPF, conduzindo o julgamento à estrondosa unanimidade, em Plenário.

Neste diapasão, pede-se venia para transcrever parte da conclusão do r. voto proferido pelo Rel. Min. Celso de Mello, in verbis:

“A liberdade de expressão, considerada em seu mais abrangente significado, traduz, ela própria, o fundamento que nos permite formular idéias e transmiti-las com o intuito de provocar a reflexão em torno de temas que podem revelar-se impregnados de elevado interesse social. As idéias, Senhor Presidente, podem ser fecundas, libertadoras, subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais. (...) a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião, sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional de tais prerrogativas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social da proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame e consideração da própria coletividade.(grifo nosso) [2]

Destarte, com fundamento nos incisos IV e XVI, do artigo 5º da Constituição, o STF interpretou o artigo 287, CP, conforme à Constituição, afastando sua aplicação, por consequência, conferindo legitimidade à manifestação que defende a bandeira da legalização do entorpecente.

Não obstante sejamos obrigados a nos curvar ao brilhantismo desta r. decisão, ousamos discordar do seu desfecho. É que apesar de toda perfeição técnico-jurídica, esta desconsiderou, a nosso sentir, um dos aspectos fundamentais da Carta Magna: o dever de especial proteção do Estado à família.



I – A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


De plano, cabe consignar que, ao trazer à baila o tema família, não se está pretendendo construir mera retórica moralista, tampouco conservadora. Na verdade, busca-se atribuir efetividade ao disposto no artigo 226, caput, CF, cujo teor descreve-se, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Conforme assevera Laura Affonso da Costa Levy, o dispositivo constitucional suso mencionado “reconhece a importância do organismo familiar para a formação e a manutenção da sociedade” [3] De modo que o Estado fica obrigado, dentre outras coisas, a amparar à família, seja instrumentalizando o planejamento familiar (226, § 7º), seja zelando pelos direitos e interesses das crianças, jovens e adolescentes (art. 227), por exemplo.

Nesta esteira, Pietro Perlingieri, considerando os fins da unidade familiar, sob a égide do dispositivo constitucional em tela, leciona, in verbis:

"A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.” [4]

Assim, família nada mais é do que um grupo de pessoas (ente despersonalizado), unidas por laços sanguíneos ou de afetividade, que adjetiva os valores de uma sociedade. Do núcleo familiar decorrem preceitos e valores fundamentais à formação do indivíduo que, por sua vez, repercutirão no meio social.

A premissa supra, vai ao encontro da concepção sociológica que a estrutura, in verbis:

“Uma família despersonalizada criará uma sociedade desestruturada, e uma sociedade desestruturada causará um mundo desequilibrado, onde os seres humanos passarão a ter os seus valores considerados a partir de êxitos ou fracassos ocorridos nos negócios onde cada pessoa será um produto de última, penúltima ou antepenúltima geração.” [5]

A forttiori, a Carta Magna eleva a família ao status de “base da sociedade”, consagrando Capítulo específico para salvaguardar seus interesses. Em outras linhas, o que pretendeu o constituinte originário foi, acima de tudo, preservar valores enraizados no ambiente familiar, tais como dignidade, respeito, dentre outros.

Todavia, a proteção destes valores não se exaure nos dispositivos que perfazem o aludido Capítulo de proteção a família. Logo, o caput do art. 226 deve ser analisado em sentido amplo, cabendo ao intérprete considerá-lo à luz dos demais princípios constitucionais, tais como à dignidade da pessoa humana.

Tendo em vista o caráter abstrato que reveste o núcleo familiar, muitos conceitos externos colocam em xeque à finalidade educacional e a formação moral ora preconizada na Constituição, sobretudo quando direcionados direta ou indiretamente às crianças, jovens e adolescentes, que, em razão da tenra idade, não possuem formação, tampouco discernimento para sua exata compreensão.

É neste contexto que o artigo 227, caput, expressamente incumbe à família, sociedade, bem como ao Estado o dever de assegurar às pessoas acima descritas o inalienável direito à sua dignidade, ao respeito, colocando-as a salvo de quaisquer violências.

Como cediço, as pessoas a que se refere o art. 227 sujeitam-se as mais variadas ofensas e provações, especialmente num país em desenvolvimento, como o Brasil. Sejam quais forem às agressões, o Estado, como garante, deve intervir no sentido de coibir ou fazer cessar ações que aviltam os direitos e interesses da família.

Em razão disso, o artigo 226, caput, atribui especial proteção do Estado à família, devendo balizar os demais dispositivos constitucionais, de modo a conferir ampla efetividade aos direitos que lhes são inerentes.


II – O PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA: NECESSÁRIA HARMONIZAÇÃO DOS ART. 5º, IV E XVI AOS ARTS. 226 e 227, CF.


Como regra, toda sistemática jurídico-constitucional revela uma série princípios e subprincípios constitutivos de uma sociedade. A aludida complexidade, por vezes, expõe aparentes conflitos de normas, exigindo do intérprete aptidão especial para harmonizá-las, de maneira a conferir-lhes escorreita eficácia.

Para sua adequada interpretação, imperioso socorrer-se da hermenêutica constitucional que, por sua vez, oferece ferramentas adequadas à solução de potenciais conflitos normativos, tornando o sistema harmônico como um todo.

In casu, destaca-se o “princípio da concordância prática ou da harmonização”, construção do eminente jurista alemão Konrad Hesse. A concordância prática, corolário do princípio da Unidade, tem por escopo promover a adequada consonância harmônica entre dispositivos constitucionais.

Na lição de Ingo W. Sarlet, “cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas. [6] (grifo nosso)

Noutro vértice, Canotilho ensina que, in verbis:

“(...) o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou em concorrência de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais e não uma diferença de hierarquia que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos, de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens." (grifo nosso) [7]

Em outras palavras, o princípio, em comento, sugere a ponderação dos valores que materializam os princípios constitucionais, afastando aparentes contradições, obstando o sacrifício unilateral de um determinado bem jurídico, sopesando interesses, bem como os relativizando, se necessário, para garantir adequada harmonia da sistemática jurídico-constitucional.

Superado o proêmio, cabe, neste ínterim, subsumir a aplicação deste princípio à casuística sob exame, considerando, para tal, seus elementos constitucionais e seus efeitos.

Numa análise superficial e perfunctória, é possível depreender que a temática sob exame estabelece concorrência entre direitos fundamentais (art. 5º, IV e XVI) e bens jurídicos constitucionalmente protegidos (arts. 226 e 227,CF)

De um lado tem-se a liberdade de manifestação do pensamento, aliada a liberdade de reuniões em locais públicos, de outro a família (bem jurídico objeto de especial proteção do Estado).

As liberdades de manifestação do pensamento e reunião, revelam-se consectários de um Estado Democrático de Direito, ora ilustradas na manifesta exteriorização de um direito individual de exercício coletivo, onde se busca promover idéias, novos modelos, críticas, quebra de paradigmas, reflexões sociais e políticas, etc.

Destarte, numa primeira leitura, tais garantias fundamentais parecem inatingíveis, portanto, imunes a quaisquer limites, que não aqueles estabelecidos expressamente no bojo de seus dispositivos.

Neste sentido, foi o entendimento do STF ao julgar a ADPF nº 187, cujo dispor ressalta que as idéias promovidas, nestas manifestações, “podem ser fecundas, libertadoras, subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais”, que, ainda assim, restarão legítimas e constitucionais.

No entanto, cabe, novamente, recorrer aos ensinamentos de J. J. Canotilho, que afasta o caráter absoluto das garantias fundamentais, atribuindo limites à sua aplicação, os quais o jurista português denomina “cláusula da comunidade”.

Assim sendo, a cláusula de comunidade funciona como limite implícito às liberdades de manifestação do pensamento e reunião, “desde que colocassem em perigo bens jurídicos necessários à existência da comunidade”. [8]

Neste sentido, surge a família, bem jurídico constitucionalmente tutelado.

Conforme descrito alhures, a unidade familiar consagra uma série de valores e preceitos de índole moral, enunciados na Carta Magna como pilares da formação do indivíduo, razão pela qual o constituinte originário consolidou, especificamente, os artigos 226 e 227.

Ora, a Constituição expressamente outorga, concorrentemente, ao Estado, a sociedade e a família a tarefa-dever de zelar pelos direitos das crianças, jovens e adolescentes, devendo a todo custo evitar-lhes embaraços, máxime considerando-se o teor da discussão que fomenta a denominada Marcha da Maconha, inequívoco reconhecer afronta ao “bem jurídico família”.

Como o próprio nome indica, tal marcha não se resume a reuniões isoladas em praças ou locais públicos determinados. Como tal, o propósito é chamar a atenção da sociedade civil mediante deslocamentos públicos (ruas, avenidas, etc) até chegar num dado local, adotado como referência.

Sendo que, no decorrer do trajeto, o grupo entoa cânticos, palavras de ordem, bem como expõe cartazes fazendo alusão direta ao entorpecente, chegando, por vezes, a notória exaltação à droga, tal qual ocorreu, recentemente, em São Paulo, ocasião em que integrantes bradavam “ei, polícia, maconha é uma delícia" [9]

Pergunta-se, sendo as vias públicas espaço onde transitam crianças e adolescentes, afigura-se razoável a realização de manifestações que despertam o interesse pelos “sabores” do entorpecente?

Sob o manto protetor dos artigos 226 e 227 da CF, acredita-se que não!

Adentrando à casuística do tema, vale destacar que, em dias de marcha da maconha, as famílias não podem e não devem se encarcerar nas suas próprias casas, afinal, seus filhos estudam, tem direito ao lazer, a cultura, etc. Assim, à família cabe optar por não realizar suas atividades diárias (o que denota um absurdo) ou dividir vias públicas com manifestantes, sendo forçada a ouvir gritos e palavras de ordem que ultrapassam a mera discussão sobre a legalização do entorpecente.

No âmbito de sua formação, protegida pela Carta Magna, a família orienta e forma seus filhos no sentido de que o uso de entorpecentes não se adéqua aos valores albergados no art. 227. Isto posto, evidente reconhecer que a Marcha da Maconha, em vias públicas, agride tais acepções, expondo, direta ou indiretamente, o menor a conceitos e temas dos quais não possui discernimento, tampouco formação moral para a adequada compreensão.

Daí porque se faz necessário aplicar o princípio da concordância prática, de modo a viabilizar as liberdades de pensamento e reunião, sem, contudo, sacrificar o bem jurídico família. Não pode o intérprete preferir as garantias fundamentais em detrimento do aludido bem jurídico, razão pela qual deve atenuar a eficácia das normas ou impor-lhes limites, até o necessário ajuste que permita à convivência harmônica de ambos.

Neste mister, não é despiciendo destacar que a discussão sobre o entorpecente, além de conflitante aos interesses da família, envolve temática dependente de necessária modificação legislativa. Logo, a manifestação, em vias públicas, além de atentatória aos valores familiares, mostra-se inócua, já que distante daqueles que detém competência para legitimar o pleito, ora estabelecido na Marcha.

Desta maneira, tal manifestação pode, sim, ocorrer em locais abertos ao público (consoante apregoa o art. 5º, XVI, CF). No entanto, o evento deve ocorrer em local apropriado [10], sem, contudo, promover suas idéias além do espaço ajustado, seja no deslocamento da massa até o local do evento, seja na dispersão, após encerramento.

Importante perceber que a aplicação do princípio da concordância prática, in casu, restringiria o local da manifestação, bem como limitaria a liberdade de manifestação durante o trajeto dos manifestantes.

Apesar de atenuadas, as garantias fundamentais restariam preservadas, assim como o bem jurídico família estaria protegido, evitando-se desnecessária concorrência de valores, já que a família não seria obrigada a dividir vias públicas com indivíduos entoando gritos de exaltação ao entorpecente.

Por fim, dessume-se que o princípio em voga vai ao encontro dos preceitos buscados pelo Estado Democrático de Direito, já que harmoniza, em tese, a convivência entre direitos fundamentais e bens jurídicos tutelados na Carta Magna, obstando injustificáveis sacrifícios, supressões de natureza absoluta, tampouco, eventual hierarquização de normas.


CONCLUSÃO


O STF, ao julgar a ADPF nº 187, entendeu pela legitimidade e constitucionalidade da vulgarmente conhecida Marcha da Maconha, embasado nas garantias estatuídas nos incisos IV e XVI, do artigo 5º da Constituição, por conseqüência, afastando a aplicação do artigo 287 do Código Penal, que pune apologia pública a fato criminoso.

No entanto, data maxima venia, num juízo meramente acadêmico e doutrinário, acredita-se que a manifestação em comento não deve restar imune a limitações, tampouco as garantias fundamentais invocadas devem ser consideradas isoladamente, como regras hierarquicamente superiores a bens jurídicos constitucionalmente protegidos.

Muito embora as liberdades de manifestação do pensamento e reunião sejam pilares do Estado Democrático de Direito, estas nada mais são do que núcleos constitucionais que, por sua vez, devem ser harmonizados à sistemática jurídico-constitucional.

Diferentemente de outras manifestações, em que se debatem questões de cunho político, artístico, social ou intelectual, esta traz à baila discussão sobre o entorpecente, difundindo, em vias públicas, a defesa de sua legalização. A partir daí, surge toda a celeuma, eis que a temática confronta valores buscados pela família, dentre os quais, o repúdio às drogas.

Consoante dispõem os artigos 226 e 277 a família goza de especial proteção do Estado, devendo salvaguardar sua dignidade, assegurar-lhe respeito e empregar todos os meios necessários para evitar violência dirigida à criança, jovem e adolescente.

Por se tratar de reunião em movimento, induvidosa a constatação de que a aludida Marcha avilta (moralmente) crianças, jovens e adolescentes mediante palavras de exaltação aos sabores do entorpecente, isto porque dividem espaço com manifestantes no decorrer do trajeto até seus destinos finais.

Latente, portanto, o choque entre direitos fundamentais à liberdade de manifestação do pensamento e reunião em relação à família, enquanto bem jurídico constitucionalmente protegido.

Neste sentido, o princípio da concordância prática funciona como ferramenta que harmoniza garantias fundamentais e bens jurídicos, se necessário, atenuando sua aplicação, a fim de não sacrificar bem jurídico contraposto.

Trazidas as acepções doutrinárias ao concreto, pode o intérprete estabelecer limitações à liberdade de manifestação do pensamento e reunião, delimitando o espaço físico destinado à manifestação, restringindo, ainda, seu exercício no decorrer do trajeto (vias públicas) até o local avençado, tudo para preservar a família.

Por derradeiro, abstrai-se que apesar de limitadas, as garantias constitucionais invocadas para legitimar a manifestação restariam intactas, eis que conservado o expediente pretendido, podendo seus idealizadores promover suas idéias, sem prejuízo do propósito estabelecido.

Em termos práticos, deixaria de existir a marcha (enquanto reunião em movimento), dando lugar à reunião num espaço delimitado, propiciando a família o direito de manter seus filhos alheios a temas que, devido a sua formação incompleta, não tem o necessário discernimento para aferir correção.


NOTAS


[1] Art. 287, CP - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

[2] STF, ADPF nº 187, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/06/2011.

[3] LEVY, Laura Affonso da Costa. Vínculo Conjugal: o novo fim que se espera. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 71, 01/12/2009 [Internet].Disponível em
url = location;document.write(url);
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6969. Acesso em 18/06/2011.

[4] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

[5] DUARTE, Antonio Augusto Dias. “TWIBLINGS”: a última novidade em procriação artificial. [Internet]. Disponível em http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/dom-antonio-augusto-dias-duarte/5911-twiblings-a-ultima-novidade-em-procriacao-artificial. Acesso em 18/06/2011.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de Alçada e Limitação do Acesso ao Duplo Grau de Jurisdição. Revista Ajuris 66, 1996.

[7] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 5. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Coimbra: Editora Almedina, 1992. p. 232-34.

[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, ob.cit. p. 1265

[9](
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI2865228-EI8139,00-SP+parados+manifestantes+fazem+ato+pela+maconha.html)

[10] Por lugar apropriado, entende-se espaços públicos aptos a receber eventos populares (Casas Legislativas, Praça dos Três Poderes, o Campo de Marte, em São Paulo, etc.), que, por sua vez, conservem distância de bairros essencialmente residenciais, bem como escolas de ensino médio e fundamental.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

CADASTRO RESERVA E A PRORROGAÇÃO DE CERTAMES PÚBLICOS: DESAFIOS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO





RESUMO: Trata-se de ensaio jurídico acerca do tema concurso público, mais especificamente quanto à formação de cadastro reserva e a, conseqüente, prorrogação do certame. De tal sorte, sua análise resta balizada à luz dos princípios constitucionais e orientações jurisprudenciais que aludem à temática ora proposta.


EMENTA: CONCURSO PÚBLICO – CADASTRO RESERVA – PRORROGAÇÃO DO CERTAME – VINCULAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – PAPEL DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO



Há tempos, o país observa contínua e progressiva migração de profissionais do setor privado para o público. Seja pelo fator estabilidade, seja por mero idealismo, fato é que a procura por certames públicos tornou-se prioridade de 7 em cada 10 profissionais recém-egressos das universidades públicas e privadas brasileiras.

Para tal, cumpre ao candidato submeter-se às exigências de um Edital, que segundo José Afonso da Silva “visa essencialmente realizar o principio de mérito que se apura mediante investidura por concurso público de provas ou de provas e íitulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeacões para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeacão e exoneracão (art. 37, II)". [1]

Não obstante a árdua missão de conquistar sua vaga, num universo de milhares de concorrentes, o candidato, por vezes, não logra o êxito merecido e esperado. É que a complicada vida do "concurseiro" resta ainda mais tormentosa face ao constante desrespeito das Administrações Públicas, em geral, no tocante às normas constitucionais alusivas a concurso público.

É certo que, há algum tempo, STJ e STF pacificaram o entendimento inerente ao direito do candidato aprovado dentro do número das vagas estabelecidas no instrumento editalício a ser nomeado ao final do lapso temporal previsto para a vigência do certame.

No entanto, muitas questões, ainda, carecem da atenção do Poder Judiciário, eis que conduzem o rumo de um concurso a terrenos deveras nebulosos, por vezes, culminando em prejuízos irreparáveis, não apenas aos candidatos, mas à sociedade como um todo.

Exemplo unívoco pode ser extraído da polêmica que alude ao tema "cadastro de reserva" e "prorrogação do concurso público".

Bastante recorrente em concursos modernos, o chamado cadastro reserva objetiva, em tese, reunir candidatos habilitados a assumir dada função pública segundo expectativa (evento futuro e incerto) aferida, a priori, conforme à necessidade do órgão ou entidade pública. De tal sorte, a Administração Pública observa à regra descrita no artigo 37, III [2], da Carta Magna, cujo teor estabelece um prazo de validade de até dois anos prorrogáveis pelo mesmo período.

Ab initio, imperioso consignar que STJ e o STF [3], por vezes, entenderam que candidatos aprovados em cadastro reserva possuem "mera expectativa de direito à nomeação" em concurso, bem como restou assentado que a prorrogação de um certame público denota o caráter "discricionário" da Administração Pública em assim proceder, obstando a análise do Poder Judiciário acerca do tema.

À margem de qualquer polêmica, é preciso reconhecer que a premissa acima estatuída consagra, apenas e tão somente, a regra deste núcleo e, como tal, comporta exceção, devendo, portanto, ser aferida caso a caso, senão vejamos.

Desde a confirmação da tese, pelo STF e STJ, atinente ao direito de nomeação dos aprovados conforme às vagas definidas no Edital, as Administrações Públicas, temendo eventuais complicações financeiras e orçamentárias, têm lançado mão de um expediente costumeiramente aferível nos últimos certames: vagas predeterminadas cumuladas com a formação de Cadastro Reserva.

Desta feita, por razões diversas, a Administração Pública deixa de preencher o número de vagas predeterminadas ao final dos dois anos de validade do certame (desistências, candidatos inaptos em exames complementares, suposta dificuldade orçamentária, etc.) e, apesar das vagas existentes e da manifesta necessidade em preenchê-las, deixa de convocar aqueles candidatos constantes em cadastro, preferindo publicar novo instrumento editalício.


Ora, mediante perfunctória leitura acima, é possível depreender que a existência de vagas remanescentes, aliada à formação de cadastro reserva, bem como o caráter dispendioso de um novo certame, torna a situação em tela extraordinária se comparada àquela descrita como regra.

É que a Carta Magna brasileira elenca expressamente e implicitamente dispositivos constitucionais deveras sensíveis e de observância obrigatória pelo administrador público, por sua vez, negligenciados, in casu.


Em outras linhas, a decisão administrativa no sentido de não aproveitar o cadastro reserva, havendo vagas remanescentes, viola, inequivocamente, os princípios da "Legalidade, Eficiência, Moralidade e, por derradeiro, o princípio da dignidade da pessoa humana".

Como é cediço, a edição de um concurso público é precedida de necessária lei que autoriza sua abertura, bem como defina um número exato de vagas a serem providas. Assim, por exemplo, se o instrumento editalício previu 130 vagas para um dado cargo, mas por algum motivo não conseguiu provê-las in totum, sem, no entanto, convocar o cadastro reserva para supri-las, afigura-se latente a violação ao princípio da legalidade, eis que a Administração restou vinculada ao número de vagas ofertadas e tinha meios matérias para seu preenchimento.

Na mesma esteira, o não-aproveitamento deste material humano coloca em xeque a estrutura jurídico-constitucional estatuída pelo princípio da eficiência administrativa, eis que, desta forma, a Administração simplesmente descarta profissionais de comprovada boa técnica e aptos a atender às expectativas almejadas pela máquina pública.

Ademais, vale consignar o desrespeito aos princípios da moralidade e dignidade da pessoa humana. Inequívoco reconhecer que ao formar cadastro reserva, em certames públicos, a Administração Pública incute, tanto no indivíduo (candidato) quanto sociedade, à ideia de aproveitamento destas pessoas assim que caracterizada a possibilidade de seu aproveitamento.

É o que se infere do julgado abaixo, in verbis:

“Entende esse Juízo que, ao promover o concurso público, ainda que inicialmente para a formação de cadastro de reserva, ré compromete-se a contratar os aprovados, pois o concurso figura como uma promessa de contratação, desde que haja necessidade do serviço, o que corresponde a fato incontroverso nos autos. A compreensão da lide, perpassa pela análise do conteúdo ético do certame, de modo que, ao se inscreverem de boa fé no concurso público, todos os candidatos arcam com os custos do processo de seleção, e se dedicam à preparação, com a expectativa de que, uma vez aprovados, preenchidos os requisitos legais e, havendo necessidade do serviço, a contratação corresponde a um direito inafastável” (grifo nosso). [4]

Destarte, uma vez frustrada a convocação do candidato, quando esta era possível, resta evidente a quebra da boa-fé objetiva que norteia todo e qualquer certame, bem como faz com que o candidato, que há tempos aspirava a oportunidade de ingressar no serviço público, experimente situação de absoluto desconforto emocional que não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por derradeiro, exsurge unívoco asseverar que a decisão, injustificada, de não prorrogar um certame, onde há candidatos suficientes à vaga pretendida, para lançar novo instrumento editalício, vai de encontro ao princípio da economicidade (art. 70, CF) [5]. Neste diapasão, vale destacar o ensinamento de Ricardo Lobo Torres [6], in verbis:


"O conceito de economicidade, originário da linguagem dos economistas, corresponde, no discurso jurídico, ao de justiça. (...) eficiência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstanciada na minimização de custos e gastos públicos e na maximização da receita e da arrecadação. (...) ‘‘sobretudo, a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas.’’


Consoante o excerto supra, resta induvidoso asseverar que a decisão de não prorrogar um certame para, em seguida, lançar outro, afronta o princípio da economicidade. Como é cediço, a edição de um novo certame implica uma série de procedimentos, desde os preparos que antecedem à licitação até a efetiva escolha da nova organizadora do certame, demandando tempo e gastos que, por sua vez, seriam evitados com a simples prorrogação daquele vigente.

Tais posições restam confirmadas em recente julgado proferido na Justiça Federal do Sergipe, cujo decisum determinou a prorrogação da validade de certame público promovido por Autarquia de âmbito federal, após reconhecida a ilegalidade do ato administrativo que altera a data de vigência do concurso, a inobservância dos princípios da moralidade e proporcionalidade, bem como em homenagem ao princípio da economicidade.

Aqui, cabe consignar os fundamentos explicitados nesta r. decisão, in verbis:

“Na lição da doutrina, a proporcionalidade exprime uma correlação de eficácia do ato em relação à realidade sobre a qual vai atuar, selecionando as medidas adequadas à satisfação do interesse público específico colimado pela norma de regência do caso concreto. De seu lado, a razoabilidade opera uma harmonização da seleção prévia derivada da proporcionalidade, permitindo balancear a aplicação da medida selecionada, de modo que a satisfação do interesse público ocorra concretamente com a menor restrição possível aos direitos individuais dos cidadãos. Nesse contexto, é consabido o esforço e dispêndio para a definição das necessidades de pessoal e a respectiva alocação de recursos na lei orçamentária para prover os cargos públicos. Ora, vencidas todas as etapas - de natureza política, orçamentária e administrativa -, realizado o concurso e selecionados os melhores candidatos, não se mostra aceitável, em termos de boa gestão administrativa - informada pela proporcionalidade e pela razoabilidade -, a alteração das regras editalícias, manobrando-se seu prazo de validade antes fixado, aspecto que poderia levar ao improvimento de vagas com candidatos a tanto habilitados. (...) Sob outro giro, a previsibilidade imanente à segurança jurídica implica um elo de confiança entre Estado e indivíduo e uma salvaguarda para toda a sociedade, pois preserva e exige um mínimo ético de parte a parte. A implicação do postulado da proteção à confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, com os atos administrativos (...) O princípio da boa-fé, por sua vez, também abrange o aspecto objetivo, que diz respeito à conduta leal, honesta, e um aspecto subjetivo, que diz respeito à crença do sujeito de que está agindo corretamente. (...)Com efeito, na hipótese versada nesta demanda, não é conferido ao INSS o direito de surpreender a todos com a expedição de um edital retificador após a realização do certame e uma vez conhecidos os candidatos aprovados em definitivo, manipulando o seu prazo de validade.” [7]

É certo que o caso, em tela, reserva certa peculiaridade, ante ao reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo que, após a homologação do certame, alterou dispositivo edittalício alusivo à vigência do certame. No entanto, em seu bojo, trouxe elementos que consagram à observância de princípios sensíveis por parte da Administração Pública, impedindo que a inicial discricionariedade descambe para a arbitrariedade.

Recentemente, o próprio STF deu sinais de que os princípios constitucionais suso mencionados, enfim, começam a permear o espectro do concurso público ao julgar o RE 581113/SC, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, cuja ementa transcreve-se, in verbis:


EMENTA Concurso público. Criação, por lei federal, de novos cargos durante o prazo de validade do certame. Posterior regulamentação editada pelo Tribunal Superior Eleitoral a determinar o aproveitamento, para o preenchimento daqueles cargos, de aprovados em concurso que estivesse em vigor à data da publicação da Lei.

1. A Administração, é certo, não está obrigada a prorrogar o prazo de validade dos concursos públicos; porém, se novos cargos vêm a ser criados, durante tal prazo de validade, mostra-se de todo recomendável que se proceda a essa prorrogação. 2. Na hipótese de haver novas vagas, prestes a serem preenchidas, e razoável número de aprovados em concurso ainda em vigor quando da edição da Lei que criou essas novas vagas, não são justificativas bastantes para o indeferimento da prorrogação da validade de certame público razões de política administrativa interna do Tribunal Regional Eleitoral que realizou o concurso. 3. Recurso extraordinário provido. (grifo nosso)
[8]

A decisão é paradigmática, eis que reflete os valores buscados por todo e qualquer Estado Democrático de Direito, que deve primar pela qualificação técnico-profissional de seus servidores, sem descurar a primazia pelo escorreito atendimento ao interesse público primário, bem como atende ao preceito que preconiza o respeito à pessoa humana.

Desta forma, é possível abstrair que a ideia de discricionariedade na convocação do cadastro reserva e respectiva prorrogação do certame, apesar de regra, deve ser mensurada conforme às peculiaridades do caso concreto, devendo o administrador subsumi-las à efetiva necessidade de preenchimento de servidores e, fundamentalmente, às regras expressas na Carta Magna.


Noutras palavras, é preciso que o Poder Judiciário consolide os posicionamentos descritos outrora, de modo a não permitir que princípios constitucionais tornem-se letra morta, sendo, por vezes, aviltados pela Administração Pública em sede de concursos públicos Brasil afora.


NOTAS


[1] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Malheiros Editores. 2007. Pag. 679


[2] Art. 37 - (...)

III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;

[3] 1. O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas previsto no edital tem mera expectativa de direito à nomeação. Com isso, compete à Administração, dentro do seu poder discricionário e atendendo aos seus interesses, nomear candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência, respeitando-se, contudo, a ordem de classificação, a fim de evitar arbítrios e preterições. 2. A prorrogação do prazo de validade de concurso público é ato discricionário da Administração, sendo vedado ao Poder Judiciário o reexame dos critérios de conveniência e oportunidade adotados”. (STJ, RMS 25501/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, j. 18/08/2009, DJ 14/09/2009) (grifo nosso)

[4] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO. 8ª VARA DO TRABALHO DE MACEIÓ/AL. PROCESSO: 0001605-55.2010.5.19.0008. j. em 27 de maio de 2011.

[5] Art. 70. CF - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (grifo nosso)

[6] TORRES, Ricardo Lobo. O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade. Revista do TCE/RJ, nº 22. Rio de Janeiro, jul/1991, pp. 37/44.

[7] JFSE, Ação Civil Pública nº 0005370-43.2010.4.05.8500, 2ª Vara Federal, j.17/05/2011.

[8] STF, RE 581113/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLIJ. 05/04/2011, Primeira Turma, DJe 31/05/2011.

sábado, 9 de abril de 2011

BARBÁRIE MUNDIAL!





Quando pensamos ter visto tudo neste país, eis que somos surpreendidos com a tragédia ocorrida em Realengo. O ato covarde de um marginal ceifou a vida de 13 crianças, deixando outras tantas feridas e eternamente marcadas pelo medo.


Aproveitando-se de um evento ocorrido na escola, o marginal acessou livremente às salas de aula, trazendo consigo dois revólveres e expressiva munição. Adentrando aos locais de aula, o criminoso disparou várias vezes contra indefesos alunos, até que, ao tentar ascender ao próximo andar da escola, foi alvejado por um Sargento PM e, ato contínuo, posterior suicídio.


A tragédia rodou o mundo, causando perplexidade pela futilidade, estupidez e covardia do ato que motivou a ação do inescrupuloso marginal. A suposta carta deixada pelo indivíduo, contendo frases e idéias desconexas, traduzem a mente perturbada de um psicopata disposto a toda e qualquer barbárie para ser notado.


Destarte, o fatídico episódio traz como pano de fundo uma série de questões que, a nosso sentir, merecem atenção dos agentes políticos e de toda a sociedade, eis que o fato, apesar de aparentemente isolado, expõe fragilidades, há tempos ignoradas pelo homem.


1) MOTIVAÇÃO RELIGIOSA


As primeiras informações trazidas pela mídia, logo desmentidas, davam conta que o marginal era muçulmano e teria se inspirado na religião para cometer o ato de terror.


Nada disso! Apesar de não ser um profundo conhecedor do islã, tenho convicção de que o alcorão não encoraja, tampouco preconiza atitudes contra a vida de semelhantes, ações covardes contra crianças indefesas, etc. Na verdade, muitos desses covardes e desequilibrados acobertam-se em "TODA E QUALQUER RELIGIÃO" para, em vão, atribuir sentido a sua causa reprovável e individualista.


Como é cediço, lamentavelmente, República da Irlanda e Irlanda do Norte protagonizaram verdadeiras barbáries em nome do catolicismo e protestantismo. No entanto, nenhuma das religiões traz consigo fundamentos para à beligerância, na verdade é o homem que a deturpa e promove conflitos em seu nome.


Logo, seja qual for a religião professada pelo marginal (se é que possível afirmar que este possuía alguma), não podemos jamais imputar a tragédia aos fundamentos que a caracterizam. O homem, quando pratica o mal, age por si próprio e, por ser covarde, procura esconder sobre o manto de alguma religião, sem sucesso!


2) DESARMAMENTO

Como sempre, tragédias urbanas no Brasil trazem a baila a velha discussão acerca do desarmamento. Há alguns anos, o povo brasileiro, democraticamente, mostrou-se contrário a tese do desarmamento, sobretudo por entender que às armas e munições que abastacem criminosos não são obtidas do cidadão, mas do mercado negro, marginais travestidos de servidores públicos que tem livre acesso à reserva de armamento de Organizações Militares, etc.


Tanto é verdade, que o marginal da escola em Realengo adquiriu às armas do crime através de "intermediários", não em lojas autorizadas. Fato é que o desarmamento pouco contribuiria para a redução dos índices de violência urbana, podendo, a bem da verdade, provocar efeito inverso já que traria maior sensação de insegurança ao cidadão e absoluta confiança ao marginal.


3) INSEGURANÇA NAS ESCOLAS


Há tempos discute-se no Congresso a obrigatoriedade de detectores de metais nas portarias de escolas e colégios Brasil afora. No entanto, a questão foi negligenciada pelos agentes políticos brasileiros, que, além da trágica chacina no Rio, vitimou outras tantas crianças e profissionais da educação.


É certo que a mera instalação de detectores não equacionará o problema da violência nas escolas, sendo necessária a ampliação do efetivo de rondas escolares, maior controle no acesso de visitantes e alunos, etc. Todavia, a presença do aparelho certamente inibirá ações doentias e perversas como a ocorrida em Realengo.


Afinal, como bem lembrou o pai de uma das vítimas, "inexistem detectores de metais nas escolas, mas o acesso aos cartórios, para a extração de certidões de óbito, são condicionados à submissão do aparelho". Contradição???


4) ATUAÇÃO POLICIAL


Muito questinou-se acerca da inexistência de profissionais da segurança pública no local da tragédia, culminando em diversas e injustificáveis críticas à segurança pública fluminense. É certo que os policiais responsáveis pela ronda escolar devem se fazer presentes e, assim, coibir ações criminosas ou o que quer que seja.


Contudo, lamentavelmente, a polícia não é caracterizada pela onipresença. Ora, o repugnável desatino cometido pelo marginal jamais poderia ser presumido por quem quer que seja (vide situações similares ocorridas no chamado "primeiro mundo"). Ademais, o indivíduo aproveitou-se do evento ocorrido na escola para "camuflar-se" em meio a situação e, assim, tirar proveito de sua condição de ex-aluno.


Polícia nenhuma no mundo seria capaz de obstar o atentado, já que o elemento surpresa, descrito in casu, contribuiu para o desfecho de toda a tragédia. A nosso sentir, a frouxidão no controle de entrada/saída da escola foi o maior complicador, já que, até onde foi veiculado, inexistia, sequer, uma portaria, aspecto chave para o desenrolar da barbárie.


5) O PAPEL DA MÍDIA NA VIDA DO CIDADÃO


Desde logo, advirto que não quero assumir o papel de paladino da moral e dos bons costumes, contudo confesso preocupar-me com o excessivo "massacre midiático" imposto pelos meios de comunicação a seus telespectadores. Seja através de novelas, filmes, desenhos, brinquedos, etc, inúmeros são os maus exemplos irradiados dia-a-dia através destes veículos, atingindo um sem número de mentes fechadas ao diálogo, mas abertas a maldade.


Muitas ações criminosas são baseadas em irresponsáveis ficções criadas pela mídia, que movida pela ganância e, consequente, briga pela audiência promove idéias que podem ser mal interpretadas por pessoas aculturadas e de caráter duvidável.


Exemplo disso, é o ataque ocorrido nos EUA, em 11/09/01, supostamente engendrado através de filmes (ficção) que relatavam ações terroristas em Nova Iorque, servindo, portanto, de espúria motivação à barbárie assistida no World Trade Center.


Desta feita, resta claro que o momento exige, também, reflexão por parte dos meio de comunicação, produtoras cinematográficas, etc. Vivemos num mundo perigoso, onde muitas vezes o sujeito recebe informações da rede mundial de computadores e da própria TV antes da necessária e apropriada informação educacional. Logo, exsurge irresponsável a divulgação de certas cenas, matérias e informações cuja característica pode atingir um receptor pouco preparado para discernir o que é realidade e o que é ficção.


CONCLUSÃO


A mecânica da tragédia não é totalmente estranha no Brasil, já que há alguns anos, outro marginal invadiu um cinema paulistano munido de uma sub-metralhadora, vitimando expectadores indefesos ante a doentia covardia que o caracterizava. No entanto, o presente caso ganha proporções ainda maiores por acometer crianças, então abrigadas num lugar aprioristicamente seguro como a escola.


A sociedade brasileira precisa, muito antes da discussão do tema segurança pública, promover o debate sobre a educação e demais elementos que a norteiam, isto para permitir que estas, num futuro próximo, não sucumbam a propósitos vazios e doentios como o ocorrido no Rio de Janeiro.


Por derradeiro, cumprimento o Sargento PM, que interveio na escola, cuja atuação foi fundamental para evitar uma tragédia ainda maior em Realengo.

domingo, 20 de março de 2011

Da incidência do ISSQN sobre o Fomento Mercantil




A relação de dependência entre o Direito Tributário e demais conceitos oriundos do Direito Privado faz do fenômeno tributário um dos elementos mais fascinantes e complexos do universo jurídico. Tudo por que, muitas vezes, a devida compreensão da incidência tributária é condicionada ao estudo paralelo de institutos provenientes da esfera cível, exigindo que ambos sejam considerados lado a lado pelo intérprete.

Neste contexto está imerso o cerne do presente ensaio, já que a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN sobre o fomento mercantil só restará univocamente desenhada ao considerarmos, de modo harmônico, os elementos que norteiam a descrita exação, bem como as características que perfazem o instituto de natureza privada.

Todavia, parte da doutrina e jurisprudência pátria insiste em vislumbrar o fomento mercantil somente pelo aspecto da aquisição de créditos (obrigação de dar), fechando os olhos para as demais atividades operadas pelo factor, culminando em interpretações equivocadas no tocante a incidência do ISSQN sobre o factoring.

Noutra face, a incidência do tributo é justificada pelo simples fato da lista de serviços, anexa à lei complementar 116/03, inserir o factoring em 2 (dois) de seus 40 (quarenta) grupos de serviços, prevalecendo, portanto, a generalidade desta atividade para confirmar os supostos efeitos na esfera tributária.

Assim, vislumbra-se que nenhum dos posicionamentos doutrinários acima expendidos possui fundamento concreto para determinar ou não a incidência do ISSQN sobre o factoring, exigindo, então, que se conheça a aludida atividade empresarial para depois inseri-la no campo de incidência do tributo municipal em análise.

Deste modo, o fomento mercantil, em regra, compreende (no âmbito de suas atribuições) as seguintes operações: venda e compra de créditos e a prestação de serviços convencionais ou diferenciados. Em outras linhas, o factoring congrega tanto obrigações de dar, quanto obrigações de fazer, respectivamente.


A complexidade que caracteriza o instituto do fomento mercantil, a nosso sentir, não constitui fundamento válido a fim de afastar a incidência do ISSQN sobre esta atividade, já que o objeto da exação pode ser perfeitamente destacado nas tarefas diárias (intrínsecas ao campo de atuação do factor).


Conforme é cediço, o critério material do ISSQN é adstrito a “efetiva prestação de serviços”, denotando, portanto, uma obrigação de fazer. De sorte que, a aquisição de créditos, realizada pela casa de fomento mercantil, não delineia uma obrigação de fazer, motivo pelo qual não ensejará o tributo em análise.

Nem mesmo o fato do factoring estar contido no rol dos serviços alcançados pelo ISSQN autoriza a extensão dos efeitos da aquisição de créditos para fins de incidência do tributo, haja vista o instituto não ser disposto de forma genérica na referida lista, mas inserido em grupos econômicos específicos, cujo objeto remete invariavelmente a obrigações de fazer.


Uma vez estabelecido que a incidência do ISSQN sobre o fomento mercantil dá-se apenas com relação aquelas obrigações de fazer, a escorreita aferição do que é ou não tributável, somente ocorrerá se analisadas individualmente as modalidades que perfazem o factoring no Brasil.


Na modalidade “factoring convencional”, a incidência do ISSQN não transcenderá o âmbito dos chamados serviços convencionais (tais como análise de crédito e sua respectiva cobrança) que, por sua vez, caracterizam obrigação de fazer inerente ao critério material da exação. Desta maneira, a aquisição de crédito pelo factor ficará a margem não apenas do critério material do ISSQN, mas, ainda, de seu critério quantitativo, sendo o quantum debeatur representado pelo preço (ad valorem) ajustado pela prestação dos serviços convencionais.


No “factoring trustee” a incidência do ISSQN não enfrenta maiores problemas, pois nesta modalidade manifestam-se apenas os chamados serviços diferenciados (tais como assessoria empresarial ou administração conjunta), cujo objeto remonta obrigações de fazer, logo, afetas ao critério material do tributo, bem como guarda correspondência ao item 17.23 da lista de serviços.


Já na modalidade “factoring maturity”, o critério material do ISSQN não é destacado com a facilidade observada na variação anterior, justificando a tese formulada neste trabalho, que induz a necessidade de compreender, com a devida parcimônia, tanto o tributo quanto o fomento mercantil.

Embora ceda ao factor um dado título de crédito, o cliente não o faz no intuito de receber antecipadamente o valor descrito na face, mas por razões de conveniência, visto que a cobrança do título demanda know-how e inevitáveis dispêndios, optando, então, por deixar a execução deste serviço aos cuidados da casa de fomento mercantil.


Em outras palavras, não há efetiva cessão de crédito, mas sim prestação do serviço de cobrança, que satisfaz o critério material do ISSQN por se tratar de inconteste obrigação de fazer. Não obstante, o critério quantitativo não afetará o valor de face descrito no título, mas o quantum (percentual) deduzido daquilo que foi pago ao cliente por ocasião da cobrança.


Não menos controvertida é a tributação do ISSQN sobre o “factoring matéria-prima”, cujo escopo é a intermediação para a aquisição de insumos necessários a produção do cliente. Muito embora a descrita antecipação de recursos não financeiros possa supostamente denotar uma obrigação de dar, constitui-se, de pleno iure, num serviço de intermediação, já que o factor interpõe-se entre cliente e fornecedor, adquirindo o insumo de acordo com as especificações do primeiro.

Destarte, o factor negocia o insumo de forma direta junto ao fornecedor, recebendo, ao final, um percentual sobre o faturamento do produto acabado. Ao agenciar a compra destes insumos, o factor executa latente serviço de intermediação (obrigação de fazer), submetendo-se, por óbvio, ao critério material do ISSQN, ora ilustrado no item 15 da lista de serviços alcançada pelo tributo.

Por derradeiro surge o “international factoring”, modalidade caracterizada pela importação – exportação do fomento mercantil, subdividindo-se nas seguintes subespécies: “Sistema de Dois Factors, Direct Import Factor e Direct Export Factor”.

Nesta, a incidência do ISSQN restringe-se a última subespécie, pela qual empresa-exportadora com sede no Brasil contrata casa de fomento mercantil brasileira para assessorá-la e cobrar o crédito diretamente à empresa-importadora domiciliada no exterior. Com efeito, a prestação do serviço é toda executada e direcionada no Brasil, satisfazendo-se o critério material do tributo.


Ao revés, não há que se falar em ISSQN em sede de fomento mercantil quando operado o refactoring entre export-factor brasileira e import-factor estrangeira, eis que, embora caracterizada a prestação de serviços, a cobrança do crédito é executada pelo último, constituindo atividade-meio do primeiro.


Também se afasta a incidência do ISSQN quando o import-factor é casa de fomento mercantil brasileira contratada diretamente por cliente ou export-factor estrangeiro. Isto porque os serviços prestados pelo factor brasileiro serão objetos de exportação, manifestando efeitos econômicos (resultado) no exterior, domicílio do credor, razão pela qual exsurge a isenção expressa no artigo 2º, I, da lei complementar 116/03.


Finalmente, depreende-se que a incidência do ISSQN sobre o fomento mercantil é observada em todas as modalidades de factoring, contudo não atinge a totalidade de suas operações, eis que afastadas a aquisição de créditos, os casos em que o serviço constitui atividade-meio do factor e a exportação de serviços convencionais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

COMPARATO, Fabio Konder. Factoring. Revista de Direito Mercantil, v.06. 1972.

DONINI, Antonio Carlos. Factoring. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

FILHO, Marçal Justen. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

FREITAS, Vladimir Passos de (org). Código Tributário Nacional Comentado. 3ª ed., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

LYRA JUNIOR, Richard Paes. ASPECTOS CONTROVERTIDOS ACERCA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA INCIDENTE SOBRE O FOMENTO MERCANTIL. Monografia – Escola Paulista de Direito – EPD. São Paulo. 2008.

MARTINS, Sergio Pinto. Manual do ISS. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

MELO, José Eduardo de. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual do ISS – Imposto sobre Serviços. Campinas: Editora LZN, 2004.

RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004.

segunda-feira, 14 de março de 2011

TRAGÉDIA JAPONESA DESPERTA BRASILEIROS PARA ANGRA DOS REIS


"Vamos brincar perto da usina,
deixa pra lá, a Angra é dos Reis,
Por que se explicar,
se não existe perigo..."
(Renato Russo)

Nesta sexta-feira, o Mundo assistiu uma das maiores catástrofes da história moderna, no Japão. Com um terremoto de grau 9,0 na escala Richter, um devastador Tsunami arrasou parte do litoral japonês numa fração de segundos, provocando, até aqui, a morte de mais de 2.300 pessoas.

Não bastasse a tragédia natural, o país vive o medo de uma nova ameaça, consequência da força das águas, qual seja: o vazamento radioativo na usina nuclear de Fukushima. Com as seguidas explosões, a radiação já é uma realidade num raio de 5 km da usina, podendo atingir proporções ainda maiores caso ocorra efetivo vazamento radiotivo.

Na esteira da tragédia japonesa, muitos podem olvidar, mas o Brasil também possui uma usina nuclear, situada em Angra do Reis, Estado do Rio de Janeiro. Construída numa das mais belas paisagens do litoral fluminense, às usinas nucleares brasileiras avançam no quesito tecnologia, fomentadas pelo enriquecimento de urânio, como cediço, matéria-prima para a construção da temida bomba atômica.

Muitos criticam a manutenção das usinas nucleares brasileiras, exaltando o caráter pacífico da Nação brasileira e, fundamentalmente, preocupados com os riscos de um possível acidente no nuclear. No entanto, lamentavelmente, o poderio bélico nuclear de um Estado é expressão de poder e respeito, garantindo assentos no Conselho de Segurança da ONU pelo simples fato de haver usinas nucleares em seus territórios.

Desta feita, a existência de usinas nucleares no Brasil é o que se chama de mal necessário, se é que isso efetivamente existe. O grande problema, a nosso sentir, é descobrir: por que tais Usinas foram construídas em Angra dos Reis? Será que o Município possui estrutura suficiente para o caso de um acidente radioativo?

É fato que a atividade nuclear, em si, traduz riscos, ainda que controlados, a população e ao meio ambiente que a cerca. No entanto, não procede a crítica a construção destas usinas em localidades litorâneas, como Fukushima e Angra dos Reis.

É que a proximidade do mar ameniza os efeitos de um vazamento radioativo, eis que o sal, a contrário do que ocorre em ambientes de água doce, funciona como eficiente isolante, que impede a propagação do material nuclear. Ademais, tal proximidade permite a utilização da água para auxiliar no resfriamento das caldeiras que integram o equipamento nuclear.

Tudo estaria resolvido, não fosse a precária estrutura física e geográfica da região, aliada ao pouco caso dos Governos, de um modo geral, em orientar a população para o caso de um imprevisto. Quem conhece Angra dos Reis sabe que o Município não dispõe de vias adequadas para o escoamento das pessoas em caso de um acidente nuclear.

Em outras linhas, um acidente nuclear em Angra resultaria situação caótica, já que a região não dispõe de espaço suficiente para o adequado e ordeiro abandono/fuga em casos de emergência. Ademais, pouco ou nada se fala a respeito do treinamento de populares nestas situações, denotando verdadeira desídia para eventuais, porém, inequívocos riscos de um acidente radioativo.

Que a tragédia japonesa sirva de reflexão ao governo brasileiro, despertando a atenção de seus administradores para a região onde se encontram as usinas brasileiras. Afinal, se um país da magnitude econômica e cultural do Japão sofre com a tragédia em Fukushima, o que aconteceria se um desastre das mesmas proporções atingisse um país eternamente refém das chuvas, da dengue e do descaso do Poder Público?

segunda-feira, 7 de março de 2011

BRASIL, A SOCIEDADE DA INVERSÃO DE VALORES



"Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida
(...) ver a leveza das coisas com humor"
(Via láctea - Renato Russo)



Bom dia, obrigado, por favor, com licença, perdão, são locuções interjetivas corriqueiras e de fácil penetração social, certo? No Brasil, ao menos, não!

É certo que a voracidade capitalista há tempos engole o dia-a-dia do trabalhador, a convivência familiar, seu lazer, etc. Contudo, há alguns anos, era inimaginável conceber que o sistema fosse capaz de "devorar", também, preceitos religiosos, valores éticos, conceitos familiares e simples regras de boa vivência social.

A verdade é que a barbárie intelecto social, fez abrupta, quiçá perene moradia nos lares brasileiros, impondo o que se alcunha de "ditadura do escárnio social". Atualmente, as crianças aprendem em casa o desrespeito ao semelhante, logo se estendendo aos professores, irradiando diferenças sociais e raciais, bem como culminando em muitos delitos, antes "privilégio" de individuos socialmente marginalizados.

Poderia, aqui, citar inúmeros e verossímeis exemplos que ilustram o fadonho e insistente apego de muitos à onda da aculturação, para não dizer estupidez instituída. No entanto, prefiro restringir-me às demonstrações de "pouca inteligência" neste período de festividade popular, como o carnaval.

Ora, mas por que o carnaval?

Elementar, prezado leitor e caríssima leitora. É que o carnaval, apesar de festa pagã e de historicamente reservar excessos por parte de alguns, transformou-se de uma vez por todas numa época de exceções.

Em outras linhas, o período de carnaval incute na cabeça destes "aculturados" a idéia de permissão total e irrestrita à prática de suas manifestações de pouca educação, por vezes temperada a vandalismos. No entanto, o pior de tudo, a meu sentir, é constatar a chancela e o assentimento daqueles que não se embebedam da fonte do escárnio.

A inversão de valores é tamanha que muitos cidadãos, na acepção da palavra, começam não só a relevar, mas, também, justificar dadas atrocidades humanas: carnaval é isso mesmo!

Não, carnaval não é isso!

É certo que a festa sempre teve forte apelo erótico e de liberdade comportamental, mas a sociedade jamais consentiu com determinados abusos, condenando, com certa veemência, a atitude dos marginais travestidos de "foliões".

Atualmente, é possível depreender que a sociedade não se espanta com sujeitos mal-intencionados que abusam do álcool para ofender (fisicamente ou moralmente) às pessoas, reflexamente cometer atrocidades no trânsito, etc.

E o que dizer da família, então? Pais, sob a justificativa de entreter os filhos, depredam patrimônios públicos, desfigurando bustos e estátuas de personalidades brasileiras, arrancando sorrisos dos filhos e dos demais, inclusive daqueles que deveriam zelar pelo bem histórico-cultural.

Ah, mas as brincadeiras continuam saudáveis, não é mesmo?

Já foi o tempo dos confetes e serpentinas, o país dos modismos agora entrega-se às "inofensivas" espumas de carnaval. Tal espuma ou "neve de carnaval", como queiram, seria tolerável, não fosse o hereditário espírito de porco juvenil de alguns.

É que muitos foliões utilizam o produto para, literalmente, provocar e machucar terceiros, dirigindo o aerosol nos olhos de pedestres e transeuntes, que nada tem a ver com a "festa'. A preocupação justifica-se no estudo da Faculdade de medicina da UNICAMP, in verbis:

"Os sulfactantes à base de côco (como a cocobetaína), substâncias químicas que garantem a quantidade e estabilidade da espuma, podem provocar dermatites de contato, que geram coceiras e até urticária. Se a espuma cair nos olhos, o ardor e a vermelhidão são certos. Nas crianças, os sintomas podem ser ainda mais sérios, porque os sulfactantes são muito utilizados na fabricação de xampus, mas dificilmente provocam alergias com este uso, porque o contato com a pele é breve e o produto é rapidamente enxaguado. O problema com as espumas de Carnaval, é que as crianças ficam horas com o produto em contato com a pele".(...) as alergias provocadas por espumas são classificadas como "de memória". Isso significa que se houver irritação da pele uma única vez, essa alergia poderá durar o resto da vida, podendo aparecer e desaparecer, sempre que a pessoa tiver contato com as substâncias contidas no produto."

Da leitura perfunctória deste estudo científico, é possível abstrair que o contato da substância química em partes sensíveis do corpo humano, como os olhos, pode ocasionar sérias consequências, sobretudo em crianças.

Evidente, a depender da situação fática e da idade do indivíduo, a subsunção ao caput do artigo 129 do Código Penal Brasileiro. No entanto, experimente levar o fato ao conhecimento da autoridade policial! Pois é, o Poder Público também incorporou, em partes, a idéia da excepcionalidade do período.

A questão comportamental sob exame é, sem dúvida, de alta indagação, exigindo seríssima auto-reflexão a fim de conhecer seus "porquês". Porém, de imediato, pode-se afirmar univocamente que o carnaval há muito deixou de ser uma simples festividade para se tornar verdadeira "válvula de escape" da estupidez e das mais variadas frustrações humanas.

Por derradeiro, exsurge a eterna dúvida: quem é o mocinho e o vilão de toda esta prosa carnavalesca?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

RIO DE JANEIRO CONTRA O CRIME



Sensacional ! Esta, a meu ver, é a palavra que melhor define a operação conjunta da Polícia Militar e Civil, do Estado do Rio de Janeiro, com fundamental apoio logístico da Polícia Federal e das Forças Armadas.


A resposta da Secretaria de Segurança fluminense aos atos terroristas perpetrados pelo crime organizado, representa a maior operação policial de todos os tempos. Sem precedentes, a ofensiva policial constitui sensível golpe territorial, financeiro e logístico aos traficantes da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão.


Até o momento, a operação contabiliza a apreensão de 222 armas dos mais diversos calibres, 179 granadas, 3 lança-rojões, vasta munição, uma espada, metralhadora.30, coquetéis molotov, 24 toneladas de maconha, 88 kg de cocaína, expressiva quantidade de crack e considerável montante em dinheiro. Não bastasse o enfraquecimento "bélico" e financeiro do tráfico, a polícia fluminense, em uma semana, prendeu mais de 140 criminosos, supostamente integrantes das facções criminosas que, há tempos, aterrorizam o Rio de Janeiro.


Seja pela mudança na filosofia das políticas de segurança pública dos Estados, seja pela proximidade dos negócios/eventos esportivos que ocorrerão no Brasil em 2014 e 2016, o fato é que, enfim, o Estado começa a enfrentar o crime organizado.


Adotando como paradigma o modelo de segurança pública colombiano, cujo enfrentamento resultou na queda dos cartéis de Cali e Medellin, há tempos defende-se uma resposta efetiva e dura do Estado brasileiro com relação aos narcotraficantes instalados nas capitais do país. Diferentemente de outras situações, o Rio de Janeiro respondeu prontamente os terroristas infiltrados em comunidades carentes da cidade, colocando termo a violência que, há muito, assustava e escravizava a população residente nestas comunidades.

CAUSAS E EFEITOS


1) APOIO POPULAR


Face o histórico abandono do Estado, muitas comunidades carentes de todo o Brasil foram "falsamente adotadas" por narcotraficantes, que ofereciam meios de subsistência às famílias locais, escravizando-os, de forma efetiva ou velada, já que impunham ordens, aliciavam seus filhos e subtraiam sua liberdade.


Desta vez, para a surpresa de muitos, a população destas comunidades decidiu colocar termo a essa submissão. Nunca o DISQUE-DENÚNCIA, da secretaria de segurança pública fluminense, foi tão acionado como nos últimos dias. A prova foi a pesquisa IBOPE desta semana, apontando 88% de aprovação popular às medidas adotadas pelas forças policiais.


Inequívoco, portanto, afirmar que o apoio dos populares, residentes nestas comunidades, foi fundamental ao sucesso da operação, evitando que os marginais usassem esses locais como escudos para sua resistência.

2) CINEMA: TROPA DE ELITE

A vida imita a arte! Nunca uma frase foi tão verdadeira.

O magnífico filme, dirigido por José Padilha, foi um divisor de águas para a profunda revolução comportamental demonstrada pela população brasileira no que tange a segurança pública. A temática abordada no filme, sobretudo o segundo, incutiu na população a idéia de que era necessário reagir, de alguma forma, a corrupção e a violência, há tempos instauradas no Brasil.

A demonstração de apoio popular a operação policial no complexo do alemão lembra muito a cena em que o Tenente-Coronel Nascimento (Wagner Moura) é aplaudido de pé ao adentrar num restaurante carioca, graças a invasão do Batalhão de Operações Especiais - BOPE a um presídio rebelado.


Sim, Tropa de Elite foi determinante para a mudança da opinião pública quanto aos temas atinentes a operações policiais!


3) SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA FLUMINENSE


Nos últimos anos as secretarias de segurança pública dos Estados sempre foram motivo de críticas por parte da imprensa, policiais e população em geral. É que, em regra, parte dos integrantes da pasta eram formados por pessoas que não possuíam "know-how" para dirigir as questões atinentes à segurança pública.

Muitas ações, urgentes e respaldadas na Constituição, foram negligenciadas por alguns Estados, cujos governantes temiam a repercussão política de possíveis operações policiais no combate ao crime organizado. Logo, a preocupação política falava mais alto que o zelo a segurança pública e o respeito ao Estado Democrático de Direito.


Desta vez, felizmente o governo fluminense deu provas que possui coragem suficiente para o enfretamento ao crime, nos limites da Carta Magna e das leis vigentes. É a prova de que a polícia, por vezes tão criticada, é deveras competente quando respaldada por uma política de segurança pública voltada à ordem constitucional e ao interesse público primário.


Parabéns ao governo fluminense!


4) FORÇAS ARMADAS


Particularmente, sou contra o emprego das Forças Armadas em questões que envolvam a violência urbana. A uma porque sua finalidade, em princípio, não se destina ao combate a criminalidade urbana, como é o caso das polícias militar e civil. A duas porque, lamentavelmente, algumas pessoas, ainda, não conseguem desvincular a imagem das Forças Armadas do regime de exceção (estirpado a mais de 20 anos), fato que poderia ensejar injustas críticas as ações dos militares federais, como frases do tipo "a ditadura está de volta!".


Nesta operação, mais um acerto, o emprego das Forças Armadas foi utilizado sob 3 frentes, basicamente:


a) cessão de equipamentos (anfíbios e blindados) com motorista, conduzindo com segurança os tripulantes (policiais) até os pontos de ataque, bem como permitindo desobstruir bloqueios construídos pelo crime;


b) utilização das tropas federais no suporte a operação policial, realizando patrulhas, contenção e controle de acesso a região do confronto;


c) utilização de material bélico de caráter ostensivo, impondo efetivo temor psicológico aos narcotraficantes, permitindo a confusão dos criminosos durante a incursão policial na comunidade.


Logo, restou adequado o uso das Forças Armadas, cuja participação foi essencial para a retomada do território pelo Estado.


5) ATENÇÃO DEVE CONTINUAR


A festejada operação policial realizada na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão é um estrondoso sucesso, sem precedentes na história brasileira. No entanto, julgo imperiosa a atenção do Estado para a 2a etapa da operação: consolidação de sua presença nestas comunidades e o cuidado com a reação das organizações criminosas.

De nada adiantará o esforço das tropas de segurança envolvidas nas operações em destaque, se os governantes não implantarem as políticas públicas adequadas a subsistência da população. Como é cediço, o trunfo de muitos narcotraficantes é o vazio deixado pelo Estado, servindo como subterfúgio para suas atividades criminosas.


Logo, é preciso que o Estado, além de ocupar "militarmente" os territórios, construa, também, escolas, creches, ofereça saneamento básico condizente, cursos profissionalizante aos jovens, enfim, direcionando a atenção necessária as comunidades locais que tanto precisam de investimento.


Um segundo ponto é a iminente reação dos criminosos ante o considerável enfraquecimento de suas organizações. Desta forma, é preciso reforçar o patrulhamento das rondas ostensivas, sobretudo, para coibir "crimes contra o patrimônio", já que este será o viés dos criminosos para reabastecer seus cofres, cabendo, ainda, à inteligência da Polícia Militar monitorar a atividade criminosa, impedindo seu avanço.


O momento é de esperança, orgulho, mas é preciso não esquecer que a batalha apenas começou!