domingo, 9 de outubro de 2011

O ENGODO DA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS



A temática abordada neste ensaio certamente não é nova e, tampouco, longe de ser pacífica. A tese da desmilitarização da polícia há muito permeia os debates políticos no Brasil, despertando inquietação e profunda divisão entre os membros que integram a segurança pública e, por que não, da própria sociedade civil.


Com fulcro no artigo 144 da Carta Magna, a segurança pública compreende as seguintes instituições, a saber: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e seu corpo de bombeiros.


Da estrutura jurídico-normativa criada pela Constituinte de 1988, a segurança pública dos estados fica à cargo das polícias civil, militar e seu corpo de bombeiros. Assim, incumbe à polícia civil as funções de polícia judiciária, assumindo papel de prevenção dos delitos, mediante investigações, bem como repressão ao crime. Por sua vez, cabe à Polícia Militar exercer a função de polícia ostensiva, com fins à preservação da ordem pública, sob a égide da estrutura e hierarquia militar.


No entanto, por não se tratar de cláusula pétrea, o legislador federal, através da PEC 21, pretende suprimir o dispositivo constitucional em tela, a fim de atribuir aos estados a opção de manter duas polícias ou unificá-las, desde sua formação. Tal proposta vem ganhando inúmeros adeptos ao longo do tempo, sob os mais variados argumentos:


a) uma polícia militarizada não se mostra compatível com o Estado Democrático de Direito;

b) hierarquia e disciplina são valores que não devem imiscuir-se no âmbito da atividade policial;

c) grande número de problemas graves de segurança pública, inclusive violência e corrupção, tem origem no caráter militar, absolutamente impróprio, dessas corporações [1];

d) o fato de estar nos quartéis e ser, por isso, de difícil acesso, afasta essas polícias do povo. (...) o uso do fardamento militar, em lugar de um uniforme civil, lembram muito mais um exército do que uma polícia, sendo também um fator de distanciamento; [2]

e) excessivo corporativismo e ausência de controle e fiscalização;

f) a manutenção de duas polícias resulta em considerável e dispendioso investimento financeiro, que poderia ser contido com a unificação.


É certo que, como em qualquer instituição pública ou privada, o atual modelo de segurança pública também apresenta certas inoperacionalidades e falhas que podem e devem ser corrigidas pelas Administrações Públicas, contudo, atribuir à Polícia Militar o papel de "vilã" do sistema, data maxima venia, é uma ignomínia, senão vejamos.


O Brasil deixou o regime de exceção, dito Ditadura Militar, há quase trinta anos, porém muitos insistem, sistematicamente, em vincular às Forças Armadas e Forças Auxiliares como representantes do período, logo, incompatíveis com o também dito Estado Democrático de Direito.


Ora, o simples fato do estado manter uma polícia militar fere em algo o Estado Democrático de Direito? Penso que não, afinal a corporação não é autônoma, mas subordinada à Administração Publica dos estados-membros (na pessoa de seus Governadores), legitimamente escolhida através de sufrágio universal.


Do mesmo modo, não prospera a premissa que tende a afastar os valores da "hierarquia e disciplina" do bojo da atividade policial. Tais preceitos, inequivocamente enraizados na estrutura e administração militar, não são instituídos ao acaso, funcionam como mecanismo que assegura a eficácia administrativa da instituição, estimulando seu escorreito exercício, bem como respeito aos postos (oficiais) e graduações (praças), acima das pessoas que a ostentam, tudo para preservar os pilares da instituição.


Nada obstante, causa espécie a tese de que a doutrina militar é responsável pela violência e corrupção nos níveis da segurança pública. Com respeito aqueles que assim pensam, porém discordando veementemente, com absoluto conhecimento de causa, pode-se afirmar que tal afirmação não corresponde à realidade.


Conforme descrito no proêmio, seria uma impropriedade fechar os olhos para alguns problemas que atingem a segurança pública, no entanto, da mesma forma, tal utopia ideológica de alguns em atribuir tais desvalores à Polícia Militar demonstra claramente o vazio sentimento revanchista pós regime de exceção aliado à conhecida oratória política de justificar seus equívocos transferindo problemas para terceiros.


A corrupção é, sem dúvida, um desvalor histórico, que há tempos acomete o país nos mais variados níveis da Administração Pública. Mas, afinal, qual a justificativa para vincular a doutrina militar à corrupção e violência?


Ora, reitera-se, o regime de exceção foi extirpado há quase 30 anos, contudo, desde a instituição do novo regime, os episódios envolvendo corrupção, nos mais diversos níveis de Poder, e os índices de violência só aumentaram. Logo, seria mesmo o "caráter militar" a origem desses problemas?


Com relação ao "distanciamento" da PM em relação à comunidade, percebe-se novo impropério, afinal as Polícias Militares, de um modo geral, promovem inúmeros programas no intuito encurtar distâncias e promover maior integração social.


Como exemplo, cita-se o Programa Nacional de Resistência às Drogas e a violência - PROERD, desenvolvido pela Polícia Militar do Estado de Canta Catarina, cujo intuito é trazer ao âmbito escolar informações acerca dos malefícios dos entorpecentes, promovendo adequada formação dos alunos e importante aproximação entre a instituição e sociedade [3]


Outro exemplo unívoco, faz alusão a recente ocupação de algumas comunidades do Rio de Janeiro, cuja presença aproxima a comunidade dos policiais militares. Tanto verdade que crianças, até então desprovidas de sonhos, agora projetam carreira na PM fluminense:


"Estava faltando isso para as crianças, essa interação social. Elas já vêem a polícia de forma diferente. O Gabriel (outro filho dela), por exemplo, quer ser do Bope. Mudou a realidade dessas crianças – revela Ana Márcia." [4]


Como se vê, ao contrário do que aduz o iminente jurista, a PM, por óbvio, não está "inerte dentro das Organizações Militares", aliás, nem poderia, afinal tem como finalidade institucional o policiamento ostensivo, tampouco o fardamento serve de "barreira" entre instituição e comunidade, já que desperta, ao mesmo tempo, respeito e admiração, sobretudo de crianças.


No que tange ao falacioso argumento de corporativismo e ausência de controle, resta imperioso destacar, desde princípio, o fato dos militares federais e estaduais serem os únicos servidores submetidos a dois diplomas penais (Código Penal e Código Penal Militar), além de um rígido regulamento, que, por sua vez, afastam qualquer insinuação de corporativismo que conduza à impunidade do mau militar.


Ademais, consoante disposto no art. 37 do Decreto 88.777/83 [5], cabe ao Estado Maior do Exército, por meio de sua Inspetoria Geral das PM's, fiscalizar e promover o avanço destas instituições. Desta maneira, o Exército Brasileiro, além de oferecer diretrizes às forças auxiliares, também as controla e auxilia, suprindo, no caso das Polícias Militares, o vazio deixado pelo disposto no art. 129, VII, da Constituição [6], há anos objeto de resistência e pouca efetividade.


Por derradeiro, entende-se que a proposta de unificação das polícias em nada desonerará o Estado, eis que o orçamento disponibilizado para a pasta de segurança pública em nada seria afetado. É que a demanda por armas, munições, viaturas, unidades policiais, etc, continuariam inalteradas, exigindo o mesmo quantum observado no atual modelo.


Tampouco o argumento de formação profissional unificado seria capaz de legitimar a proposta de unificação, haja vista que muitos estados (à exemplo de Santa Catarina e Minas Gerais), de forma diligente e voltada à nova realidade brasileira, exigem de seus futuros oficiais curso superior em Direito, fato que além de propiciar melhor qualificação profissional a instituição, reduz o tempo de academia, permitindo a instituição preocupar-se, apenas, com a formação técnico-administrativa do futuro oficial.


Desta feita, entende-se pelo não cabimento da proposta de unificação (desmilitarização) das polícias, já que em nada resolveria os problemas de violência urbana que acometem as principais capitais brasileiras, tampouco desoneraria o Estado, já que a pasta, de per si, exige alto incremento orçamentário, tal qual a saúde. Evidente, portanto, o caráter unicamente político da discussão, que pretende de 4 em 4 anos transferir problemas gerenciais ao atual modelo de gestão em segurança pública, principalmente à Polícia Militar.


NOTAS


[1] DALLARI, Dalmo. Desmilitarizar a polícia. in http://www.sspcpb.com.br/ARTIGO36.htm

[2] ib idem.

[3] 12º BPM: Proerd forma mais de 300 crianças em Itapema. in http://www.pm.sc.gov.br/website/redir.php?site=40&act=1&id=11594


[5] Art . 37 - Compete ao Estado-Maior do Exército, por intermédio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares:

1) o estabelecimento de princípios, diretrizes e normas para a efetiva realização do controle e da coordenação das Polícias Militares por parte dos Exércitos, Comandos Militares de Área, Regiões Militares e demais Grandes Comandos;

2) a centralização dos assuntos da alçada do Ministério do Exército, com vistas ao estabelecimento da política conveniente e à adoção das providências adequadas;

3) a orientação, fiscalização e controle do ensino e da instrução das Polícias Militares;

4) o controle da organização, dos efetivos e de todo material citado no parágrafo único do artigo 3º deste Regulamento;

5) a colaboração nos estudos visando aos direitos, deveres, remuneração, justiça e garantias das Polícias Militares e ao estabelecimento das condições gerais de convocação e de mobilização;

6) a apreciação dos quadros de mobilização para as Polícias Militares;

7) orientar as Polícias Militares, cooperando no estabelecimento e na atualização da legislação básica relativa a essas Corporações, bem como coordenar e controlar o cumprimento dos dispositivos da legislação federal e estadual pertinentes.


[6] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

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