quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O BRASIL ESTÁ PREPARADO PARA A LEGALIZAÇÃO DE ENTORPECENTES?



O debate acerca da legalização das drogas não é novo, despertando as mais diversas opiniões entre especialistas, autoridades policiais, políticos e usuários. Por tratar-se de tema absolutamente controvertido, a discussão exige cautela e, sobretudo, responsabilidade, tudo para que o desfecho não resulte em efeitos colaterais que afetem o indivíduo e a própria sociedade.


Desde a edição da lei 11.343/06, o legislador abrandou às penas daqueles que usam o entorpecente para consumo próprio, valendo-se de instrumentos que, data maxima venia, nada mais são que a fiel carnação do ditado "feito para inglês ver". Advertência sobre o uso do entorpecente até a admoestação verbal do magistrado, no caso de recusa em cumprir a pena, dão mostras que o legislador vislumbra à possibilidade de legalizar as drogas no país.


A partir de então, a discussão ganhou força, inclusive nas "telonas" quando, em 2007, foi lançado o filme Tropa de Elite, brilhantemente dirigido por José Padilha, cujo enredo trouxe à tona a discussão sobre a figura jurídica do usuário de drogas, ora descrita como agente financiador do tráfico. À época, o filme foi taxado injustamente de fascista, por defender repressão às drogas e abrir o debate sobre a situação do usuário, dividindo opiniões contrárias e favoráveis.


Recentemente o tema ganhou novos ares quando alguns alunos de uma das mais importantes instituições de ensino da América Latina promoveram verdadeira "guerrilha estudantil", visando à retirada da Polícia Militar do campus universitário após a guarnição, ali presente, deter usuários e conduzi-los à viatura. Novamente foi trazido à baila o debate sobre a legalização das drogas, outrora considerado constitucional pelo STF, diga-se de passagem (julgamento da ADPF sobre à Marcha da Maconha).


Seja como for, a verdade é que a discussão sobre à legalização do entorpecente foi colocada sobre à mesa da sociedade civil. Mas, afinal, o Brasil estaria mesmo preparado para legalizar o consumo de entorpecentes?


A meu ver, a resposta para esta pergunta deve ser perquirida, inicialmente, com base na formação histórica e cultural da sociedade brasileira. Diferentemente da Holanda, nossa sociedade foi esculpida nos moldes da nefasta colonização portuguesa, que além de dizimar parte da população indígena, trouxe ao Brasil "personas non gratas" da Coroa portuguesa, tais como piratas, corruptos, criminosos, etc.


Desta feita, com tais (des)valores surgiu à sociedade brasileira, há séculos permeada por conceitos distorcidos, desprovida de educação e castigada por uma política de exclusão social. Ora, como estabelecer paradigma para à legalização do entorpecente, no Brasil, um país construído sob os pilares da educação, cultura e amplo acesso a informação, como é o caso da Holanda?


Não bastasse isso, vale destacar que o Brasil há tempos padece de maior atenção no sistema público de saúde, face aos constantes episódios de falta de médicos, leitos, instrumentos hospitalares adequados, etc. Considerando que o SUS mal consegue atender seus doentes, uma vez legalizado o consumo do entorpecente, como seria feito o acompanhamento psicológico e médico dos usuários no país?


Nas últimas semanas a imprensa noticiou que "64% dos municípios sofrem problemas com epidemia do crack" (http://www.meionorte.com/noticias/jornais-e-revistas/64-dos-municipios-sofrem-problemas-com-epidemia-do-crack-148944.html), causando alarde na população brasileira e a preocupação dos profissionais de saúde quanto às formas de prevenção e tratamento destas pessoas.


Com respeito aos que pensam diferente, todavia, sem furtar o direito de ousar pensar diferente, entende-se uma irresponsabilidade defender à tese da legalização do entorpecente sem que haja meios adequados e suficientes para prover atendimento às vitimas da droga. É certo que muitas entidades filantrópicas, por altruísmo, abrigam dependentes no intuito de fornecer-lhes apoio, contudo, não são suficientes para atender à devastadora quantidade de dependentes Brasil afora, logo, a maior parte das clínicas de recuperação são pagas e, portanto, compostas por filhos da classe "A" e "B".


Assim, liberar o uso de entorpecentes sem o correspondente e adequado acompanhamento e tratamento seria uma temeridade, eis que culminaria na morte de muitos dependentes e, consequentemente, aumentaria ainda mais a demanda das unidades hospitalares brasileiras, já vitimadas por inúmeros episódios de overdose, bem como problemas relacionados ao álcool.


Por derradeiro, vale destacar que a citada lei 11.343/06 contempla em seu artigo 19 uma série de medidas profiláticas destinadas a propagar o conhecimento dos malefícios do entorpecente. No entanto, à exceção do chamado PROERD (promovidos pelas Polícias Militares), nenhum dos outros incisos, nele previstos, são levados a efeito, ou algum dos senhores observa "investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida" (art. 19, IX)?


Notem, se nem mesmo sob a égide de norma repressiva estatal tais medidas de prevenção são eficazes, imaginem a dificuldade em recuperar jovens e adolescentes sob os ares da "liberdade do consumo do entorpecente"?


Como bem assevera o Senador Cristovam Buarque, enquanto o Brasil não for conhecido como o país da educação, toda e qualquer ação, seja em que área for, denotará mero paliativo, sem maiores perspectivas de sucesso. Desta forma, entende-se que o debate sobre a liberação da droga resta absolutamente prejudicado no país, eis que nos falta o antecedente da educação, fato que obsta o devido discernimento, por parte da população, sobre a correção ou não da legalização do entorpecente.


É o que penso!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

BRASIL, A SOCIEDADE DA INVERSÃO DE VALORES - PARTE 2



"As drogas fazem você virar os seus pais"
(Renato Russo)


No período de carnaval, tomado pelo mais genuíno inconformismo diante da absoluta falta de educação de parte da população brasileira, resolvi discorrer sobre o devastador fenômeno da "inversão de valores", no Brasil (http://voxadvocatus.blogspot.com/2011/03/brasil-sociedade-dos-valores-invertidos.html). Na ocasião, refletiu-se à respeito do padrão comportamental da sociedade brasileira, sobretudo nas comemorações do carnaval, chegando-se à conclusão de que os desvios de conduta durante o período refletem novos (des)valores do povo, colocando em xeque o modelo educacional baseado na família e no respeito ao próximo.

Não bastasse toda "prosa carnavalesca" de outrora, parte da sociedade brasileira, infelizmente, corrobora à tese da inversão de valores. Desta vez, têm-se no epicentro deste ensaio o lamentável episódio envolvendo "alguns" estudantes de uma das maiores universidades públicas do país, que, de forma imotivada e despropositada, tomaram o prédio da instituição e afrontaram a Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Para que a "prosa estudantil", em tela, seja devidamente compreendida, cabe, inicialmente, retroceder no tempo e recordar que a presença da Polícia Militar na instituição deu-se em razão de diversos crimes contra o patrimônio, ora experimentados por estudantes no interior e nos arredores da universidade, culminando, inclusive, na morte de um jovem, em maio p.p.

Atendendo à solicitação da instituição, a Polícia Militar destacou homens para a efetiva permanência e patrulhamento no interior da universidade, visando coibir novos delitos e assegurar a integridade física de funcionários e alunos. Todavia, os policiais depararam-se com outro problema: o consumo de substâncias entorpecentes nas dependências da instituição.

No estrito cumprimento do dever legal, em 27/10, policiais militares surpreenderam três "estudantes" fazendo uso da maconha e, conforme determina a lei, deram-lhes voz de prisão e os encaminharam à viatura, até que outros "estudantes" os cercaram e impediram que os mesmos fossem conduzidos à autoridade policial.

Desde então, um verdadeiro confronto foi estabelecido na universidade, provocando conflito direto entre policiais e "estudantes". Neste diapasão, peço aos leitores o seguinte exercício de reflexão: a Polícia Militar é mesmo a vilã desta "prosa estudantil"?

Ora, caríssimos leitores, ao contrário do que muitos imaginam o uso do entorpecente no Brasil não foi descriminalizado, apenas despenalizado. Em outras palavras, o policial, ao testemunhar o consumo do entorpecente, é obrigado a conduzir os usuários à autoridade policial, sob pena de incorrer no crime de prevaricação.

Foi o que fizeram, prenderam os usuários! No entanto, foram impedidos de conduzi-los à delegacia correspondente à circunscrição territorial a qual está contida a universidade. Logo, os "estudantes", ao impedirem a prisão, cometeram crime de resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal, já que mediante violência obstaram o cumprimento de dever de ofício.

Considerando as premissas supra, é forçoso reconhecer que a Polícia Militar agiu conforme a lei, o mesmo não se pode dizer dos "estudantes" que uma vez subsumidos à norma do art. 28 da da lei 11.343/2006 e 329 do Código Penal, respectivamente, merecem o peso do Jus Puniendi estatal. Diante desta constatação, resta unívoco asseverar que razão assiste aos policiais militares, eis que cumpriram a missão que a sociedade civil, de modo geral, outorgou-lhes e espera atendimento.

Uma vez caracterizada, juridicamente, o acerto na conduta dos policiais, cabe aqui destacar a absoluta falta de valores que acomete à sociedade brasileira. Notem, estudantes universitários, que antes lutavam pela democracia, por ideais de justiça, etc, hoje preferem concentrar suas energias para afrontar o Estado, em nome do direito de usar o entorpecente!

As dependências de uma instituição de ensino não podem jamais servir de escudo, por parte de alguns, para o uso de substâncias psicotrópicas. Tampouco, é aceitável conceber a imposição de retirada dos policiais do interior da universidade, já que isso significaria afastar o Estado para legitimar o uso da droga, em detrimento, inclusive, dos "verdadeiros estudantes", que, por sua vez, restariam desprotegidos e sujeitos a novas investidas de marginais.

Data maxima venia, entristece-me sobremaneira deparar com a seguinte declaração, feita por um agente político, in verbis:

“O uso de drogas na faculdade faz parte de um ritual de passagem”, disse à reportagem o deputado do PT. “A presença da PM junto aos estudantes é uma química que não dá certo e gerou esse problema hoje.” (in http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/paulo-teixeira-lider-do-pt-na-camara-diz-que-maconha-na-universidade-e-%E2%80%9Critual-de-passagem%E2%80%9D-eis-ai-seus-filhos-estao-expostos-ao-pt/)

Ora, é um contra sensu legitimar o uso de entorpecentes em estabelecimentos de ensino, ainda que de Nível Superior, num momento em que se combate o aliciamento de crianças e jovens pelo tráfico. Afinal, considerando a afirmação supra, legitimar o uso da droga no âmbito universitário, é o mesmo que incutir na cabeça da criança de hoje que todo discurso anti-drogas efetivamente cai por terra, revelando-se, portanto, mais uma balela de seus educadores.

Por derradeiro, o caso mostra-se emblemático, já que expõe profunda e perigosa mudança nos padrões comportamentais da sociedade, cujos valores mostram-se cada vez mais deturpados por um "movimento invisível" que pretende colocar termo à família, bem como nos enfiar "goela a baixo" conceitos notadamente obtusos e negativos.

Segundo dizem, o jovem estudante é paradigma para a transformação de uma sociedade. Esta é a transformação que esperávamos?


terça-feira, 1 de novembro de 2011

LIMITAÇÃO DE ANUIDADE POR CONSELHOS DE CLASSE AGORA É LEI


Publicada lei que, dentre outras questões, limita o valor cobrado de anuidade por conselhos profissionais.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

UM MITO CHAMADO HORÁRIO BRASILEIRO DE VERÃO


Neste sábado, foi inaugurado o horário brasileiro de verão em 11 estados e no Distrito Federal. Desta vez, o destaque ficou para o estado da Bahia, que após 8 anos sem se submeter ao "horário especial", volta a experimentá-lo, "após estudo realizado pelo governo local sobre o nascer do sol"?!?! (in http://www.correio24horas.com.br)


A implementação do horário não é unanimidade entre os brasileiros, gerando infindáveis debates acerca da sua necessidade. Todavia, data maxima venia, a discussão está longe de alcançar maior efetividade, tudo porque mostra-se, invariavelmente, pautada por premissas desprovidas da cientificidade que a caracteriza.


Em outras linhas, o debate popular concentra-se quase que única e exclusivamente no aspecto "lazer", ou seja, por propiciar dias (raios de sol) mais longos, possibilitar a realização de atividades ao ar livre, unificar programação televisiva, etc.


Com absoluto respeito aos que assim entendem, mas o debate em torno do tema, com o perdão da redundância, está absolutamente equivocado!


A adoção do horário brasileiro de verão possui fulcro no artigo 1º, "b", do Decreto 4.295/42, cujo dispor autoriza à Presidência da República, mediante Decreto, adotar horário diferenciado nas regiões e épocas do ano em que se fizer conveniente, visando reduzir o consumo de energia elétrica no país.


Consoante previsão supra é possível depreender que, ao contrário do que muitos acreditam, tal "horário especial" não necessariamente deve ser implementado na primavera/verão, mas conforme à discricionariedade administrativa, devidamente embasada em critérios técnicos que legitimem sua adoção.


No início, o horário diferenciado foi instituído em determinados períodos, ficando desde 1967 até 1985 sem aplicação no país. A partir de então, o horário de verão passou a ser regra no Brasil, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, tal modificação justifica-se, in verbis:


"pelo melhor aproveitamento da luz natural ao entardecer, o que proporciona substancial redução na geração da energia elétrica, em tese equivalente àquela que se destinaria à iluminação artificial de qualquer natureza, seja para logradouros e repartições públicas, uso residencial, comercial, de propaganda ou nos pátios das fábricas e indústrias. (...) o Horário de Verão reduz a demanda por energia no período de suprimento mais crítico do dia, ou seja, que vai das 18h às 21h quando a coincidência de consumo por toda a população provoca um pico de consumo, denominado "horário de ponta". Portanto, adiantar os ponteiros do relógio em uma hora, como acontece durante quatro meses no ano, permite que se aproveite melhor a luz natural, obtendo-se uma redução da ponta (apurada por medição pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS), em média, de 4% a 5% e poupa o País de sofrer as conseqüências da sobrecarga na rede durante a estação mais quente do ano, onde o uso de eletricidade para refrigeração, condicionamento de ar e ventilação atinge seu ápice." (http://www.aneel.gov.br/65.htm)


Apesar do inequívoco conhecimento técnico-científico da Agência Reguladora em comento, os aludidos benefícios não se confirmam in totum, tanto verdade que a redução de economia nem de longe aproxima-se dos 4% e 5% enunciados pelo estudo, atingindo, por vezes, ínfimo índice de 0,5% de economia.


Ora, caríssimos leitores, se levarmos a efeito que a estação, objeto do horário especial, registra, por óbvio, elevada temperatura, logo, fazendo crescer o uso de aparelhos de ar condicionado, ventiladores, banhos mais demorados, etc, o acréscimo de hora seria mesmo capaz de compensar o consumo de energia para o período?


Seria inconcludente afirmar que o aproveitamento da iluminação natural em nada contribui para a redução no consumo da energia elétrica, contudo, também afigura-se notadamente ingênuo tornar despiciendo que estabelecimentos comerciais, hospitais e os lares brasileiros valem-se de aparelhos de ventilação artificial, por vezes, por períodos superiores a 10 horas. Desta maneira, a economia de energia propiciada pelo aproveitamento da luz solar é prejudicada pelo uso do ar condicionado e do chuveiro elétrico, principais "vilões" para o período, tornando, portanto, pouco efetiva a adoção do horário especial, dito horário de verão.


Ademais, não é despiciendo consignar que, nos últimos tempos, o país tem enfrentado frequentes problemas com a falta de energia elétrica, ditos "apagões", sendo alguns inclusive observados no período abarcado pelo horário de verão, como se observa abaixo:


1. 17/09/1985 - atingiu as regiões sul e sudeste;
2. 11/03/1999 - atingiu boa parte do país;
3. 2005 e 2007 - atingiu o Rio de Janeiro, Espírito Santo e outros estados;
4. 10/11/2009 - atingiu 18 estados brasileiros;
5. 04/02/2011 - atingiu 07 estados do nordeste
6. 09/2011 - atingiu Brasília por algumas horas


Conforme depreende-se, o país registra consideráveis eventos que apontam para problemas energéticos, inclusive no período do horário de verão, fato que coloca em xeque à efetividade prática de sua implementação.


Na verdade, o verdadeiro vilão do setor, no país, é o histórico descaso dos governos com a a politica energética brasileira. Neste sentido, Adriano Pires do Centro Brasileiro de Infraestrutura assevera, in verbis:


"O governo Lula encarou o desafio de pôr fim a apagões só no lado da oferta. O resultado disso é que nossa fiscalização e regulação são de terceira categoria". (...) os investimentos no setor, previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), são expressivos, "mas concentrados em novas linhas". Enquanto isso, os cortes de energia refletem problemas nas redes sucateadas. "Assim, chegaremos ao modelo angolano, no qual quem pode adquire gerador para se preservar".


Ante o brilhante posicionamento esposado pelo técnico, resta evidente que o horário de verão tão somente mascara os problemas de energia no país, servindo como mero paliativo que além de não solucionar o problema, afeta, indiscutivelmente, o metabolismo humano, já que modifica o relógio biológico do indivíduo, que se vê forçado a habituar-se ao novo período.


Particularmente, entende-se que, além da reestruturação do sistema energético brasileiro, seria mais efetivo e prudente promover à educação voltada ao uso racional da energia, estimulando a população em geral a utilizar aparelhos elétricos de forma moderada, tal como uso consciente de chuveiros elétricos (responsável, em regra, pelo consumo de 30% de energia por unidade consumidora).


Desta feita, entende-se pela inefetividade da implementação do horário de verão brasileiro, haja vista comprovado o ínfimo resultado obtido pelo programa, fruto do inevitável aumento do consumo de energia em virtude das elevadas temperaturas registradas no período. A verdade é que, no Brasil, é mais fácil instituir instrumentos notadamente paliativos a promover a educação do povo e investimentos concretos em infraestrutura.


Não quero ser arrogante, tampouco pretensioso, logo, devo estar redondamente equivocado !!!


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

15 ANOS SEM RENATO RUSSO!


"É tão estranho, os bons morrem jovens,
assim parece ser quando me lembro de você,
que acabou indo embora cedo demais"
(Renato Russo)


O Brasil sempre foi celeiro de grandes músicos, desde Cartola, passando por Adoniran Barbosa, Cazuza, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e tantos outros gênios. No entanto, numa análise confessamente parcial, nenhuma outra estrela brilhou tanto quanto Renato Manfredini Junior.


Nascido no Rio de Janeiro, porém "filho de Brasília", Renato Russo cantou o Brasil como ninguém, retratando sua beleza, seus defeitos, sua esperança, sempre preocupado com a juventude, a quem costumava a reverenciar no palco dizendo: "a Legião está no palco, mas a verdadeira Legião Urbana são vocês".


Falar da poesia e talento musical do ídolo é, como se diz, "chover no molhado". A obra de Renato Russo transcende o entretenimento, eis que suas músicas questionam temas como política, religião, sexualidade, amor ao próximo, etc. Contudo, poucos sabem que suas músicas estabelecem uma espécie de linha do tempo do intérprete, cujas letras expõem seus medos e anseios (como nos álbuns "Dois" e "Quatro Estações"), desilusão amorosa e frustrações (no álbum "V"), o equilíbrio e a cura para o alcoolismo (no álbum "Descobrimento do Brasil") e uma triste despedida (no álbum "A tempestade").


Apesar de retratar suas próprias experiências e anseios, Renato Russo, diferente de outros grandes poetas, soube retratá-las de modo a permitir imediata identificação do receptor (ouvinte), deixando a sensação de que a música foi feita especialmente para ele, para aquele momento específico.


Muito embora à revelia da banda, o termo "Religião Urbana" acompanhou toda sua trajetória, fruto da idolatria dos "legionários", que entoavam suas músicas como verdadeiros hinos de uma geração. Renato Russo e suas frases de efeito encantaram multidões, despertando conceitos, quebrando tabus e, fundamentalmente, promovendo reflexão dos jovens, há tempos carentes de uma referência.


Esse era Renato Russo, roqueiro voraz, iluminado por ideias revolucionárias, dono de incomparável talento que sequer o tempo será capaz de apagar. Que o talento do Renato seja perpetuado por mais 15 longas décadas, inspirando novas gerações a seguir os rumos da "geração coca-cola".


"LEGIO OMNIA VINCIT"


domingo, 9 de outubro de 2011

O ENGODO DA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS



A temática abordada neste ensaio certamente não é nova e, tampouco, longe de ser pacífica. A tese da desmilitarização da polícia há muito permeia os debates políticos no Brasil, despertando inquietação e profunda divisão entre os membros que integram a segurança pública e, por que não, da própria sociedade civil.


Com fulcro no artigo 144 da Carta Magna, a segurança pública compreende as seguintes instituições, a saber: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e seu corpo de bombeiros.


Da estrutura jurídico-normativa criada pela Constituinte de 1988, a segurança pública dos estados fica à cargo das polícias civil, militar e seu corpo de bombeiros. Assim, incumbe à polícia civil as funções de polícia judiciária, assumindo papel de prevenção dos delitos, mediante investigações, bem como repressão ao crime. Por sua vez, cabe à Polícia Militar exercer a função de polícia ostensiva, com fins à preservação da ordem pública, sob a égide da estrutura e hierarquia militar.


No entanto, por não se tratar de cláusula pétrea, o legislador federal, através da PEC 21, pretende suprimir o dispositivo constitucional em tela, a fim de atribuir aos estados a opção de manter duas polícias ou unificá-las, desde sua formação. Tal proposta vem ganhando inúmeros adeptos ao longo do tempo, sob os mais variados argumentos:


a) uma polícia militarizada não se mostra compatível com o Estado Democrático de Direito;

b) hierarquia e disciplina são valores que não devem imiscuir-se no âmbito da atividade policial;

c) grande número de problemas graves de segurança pública, inclusive violência e corrupção, tem origem no caráter militar, absolutamente impróprio, dessas corporações [1];

d) o fato de estar nos quartéis e ser, por isso, de difícil acesso, afasta essas polícias do povo. (...) o uso do fardamento militar, em lugar de um uniforme civil, lembram muito mais um exército do que uma polícia, sendo também um fator de distanciamento; [2]

e) excessivo corporativismo e ausência de controle e fiscalização;

f) a manutenção de duas polícias resulta em considerável e dispendioso investimento financeiro, que poderia ser contido com a unificação.


É certo que, como em qualquer instituição pública ou privada, o atual modelo de segurança pública também apresenta certas inoperacionalidades e falhas que podem e devem ser corrigidas pelas Administrações Públicas, contudo, atribuir à Polícia Militar o papel de "vilã" do sistema, data maxima venia, é uma ignomínia, senão vejamos.


O Brasil deixou o regime de exceção, dito Ditadura Militar, há quase trinta anos, porém muitos insistem, sistematicamente, em vincular às Forças Armadas e Forças Auxiliares como representantes do período, logo, incompatíveis com o também dito Estado Democrático de Direito.


Ora, o simples fato do estado manter uma polícia militar fere em algo o Estado Democrático de Direito? Penso que não, afinal a corporação não é autônoma, mas subordinada à Administração Publica dos estados-membros (na pessoa de seus Governadores), legitimamente escolhida através de sufrágio universal.


Do mesmo modo, não prospera a premissa que tende a afastar os valores da "hierarquia e disciplina" do bojo da atividade policial. Tais preceitos, inequivocamente enraizados na estrutura e administração militar, não são instituídos ao acaso, funcionam como mecanismo que assegura a eficácia administrativa da instituição, estimulando seu escorreito exercício, bem como respeito aos postos (oficiais) e graduações (praças), acima das pessoas que a ostentam, tudo para preservar os pilares da instituição.


Nada obstante, causa espécie a tese de que a doutrina militar é responsável pela violência e corrupção nos níveis da segurança pública. Com respeito aqueles que assim pensam, porém discordando veementemente, com absoluto conhecimento de causa, pode-se afirmar que tal afirmação não corresponde à realidade.


Conforme descrito no proêmio, seria uma impropriedade fechar os olhos para alguns problemas que atingem a segurança pública, no entanto, da mesma forma, tal utopia ideológica de alguns em atribuir tais desvalores à Polícia Militar demonstra claramente o vazio sentimento revanchista pós regime de exceção aliado à conhecida oratória política de justificar seus equívocos transferindo problemas para terceiros.


A corrupção é, sem dúvida, um desvalor histórico, que há tempos acomete o país nos mais variados níveis da Administração Pública. Mas, afinal, qual a justificativa para vincular a doutrina militar à corrupção e violência?


Ora, reitera-se, o regime de exceção foi extirpado há quase 30 anos, contudo, desde a instituição do novo regime, os episódios envolvendo corrupção, nos mais diversos níveis de Poder, e os índices de violência só aumentaram. Logo, seria mesmo o "caráter militar" a origem desses problemas?


Com relação ao "distanciamento" da PM em relação à comunidade, percebe-se novo impropério, afinal as Polícias Militares, de um modo geral, promovem inúmeros programas no intuito encurtar distâncias e promover maior integração social.


Como exemplo, cita-se o Programa Nacional de Resistência às Drogas e a violência - PROERD, desenvolvido pela Polícia Militar do Estado de Canta Catarina, cujo intuito é trazer ao âmbito escolar informações acerca dos malefícios dos entorpecentes, promovendo adequada formação dos alunos e importante aproximação entre a instituição e sociedade [3]


Outro exemplo unívoco, faz alusão a recente ocupação de algumas comunidades do Rio de Janeiro, cuja presença aproxima a comunidade dos policiais militares. Tanto verdade que crianças, até então desprovidas de sonhos, agora projetam carreira na PM fluminense:


"Estava faltando isso para as crianças, essa interação social. Elas já vêem a polícia de forma diferente. O Gabriel (outro filho dela), por exemplo, quer ser do Bope. Mudou a realidade dessas crianças – revela Ana Márcia." [4]


Como se vê, ao contrário do que aduz o iminente jurista, a PM, por óbvio, não está "inerte dentro das Organizações Militares", aliás, nem poderia, afinal tem como finalidade institucional o policiamento ostensivo, tampouco o fardamento serve de "barreira" entre instituição e comunidade, já que desperta, ao mesmo tempo, respeito e admiração, sobretudo de crianças.


No que tange ao falacioso argumento de corporativismo e ausência de controle, resta imperioso destacar, desde princípio, o fato dos militares federais e estaduais serem os únicos servidores submetidos a dois diplomas penais (Código Penal e Código Penal Militar), além de um rígido regulamento, que, por sua vez, afastam qualquer insinuação de corporativismo que conduza à impunidade do mau militar.


Ademais, consoante disposto no art. 37 do Decreto 88.777/83 [5], cabe ao Estado Maior do Exército, por meio de sua Inspetoria Geral das PM's, fiscalizar e promover o avanço destas instituições. Desta maneira, o Exército Brasileiro, além de oferecer diretrizes às forças auxiliares, também as controla e auxilia, suprindo, no caso das Polícias Militares, o vazio deixado pelo disposto no art. 129, VII, da Constituição [6], há anos objeto de resistência e pouca efetividade.


Por derradeiro, entende-se que a proposta de unificação das polícias em nada desonerará o Estado, eis que o orçamento disponibilizado para a pasta de segurança pública em nada seria afetado. É que a demanda por armas, munições, viaturas, unidades policiais, etc, continuariam inalteradas, exigindo o mesmo quantum observado no atual modelo.


Tampouco o argumento de formação profissional unificado seria capaz de legitimar a proposta de unificação, haja vista que muitos estados (à exemplo de Santa Catarina e Minas Gerais), de forma diligente e voltada à nova realidade brasileira, exigem de seus futuros oficiais curso superior em Direito, fato que além de propiciar melhor qualificação profissional a instituição, reduz o tempo de academia, permitindo a instituição preocupar-se, apenas, com a formação técnico-administrativa do futuro oficial.


Desta feita, entende-se pelo não cabimento da proposta de unificação (desmilitarização) das polícias, já que em nada resolveria os problemas de violência urbana que acometem as principais capitais brasileiras, tampouco desoneraria o Estado, já que a pasta, de per si, exige alto incremento orçamentário, tal qual a saúde. Evidente, portanto, o caráter unicamente político da discussão, que pretende de 4 em 4 anos transferir problemas gerenciais ao atual modelo de gestão em segurança pública, principalmente à Polícia Militar.


NOTAS


[1] DALLARI, Dalmo. Desmilitarizar a polícia. in http://www.sspcpb.com.br/ARTIGO36.htm

[2] ib idem.

[3] 12º BPM: Proerd forma mais de 300 crianças em Itapema. in http://www.pm.sc.gov.br/website/redir.php?site=40&act=1&id=11594


[5] Art . 37 - Compete ao Estado-Maior do Exército, por intermédio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares:

1) o estabelecimento de princípios, diretrizes e normas para a efetiva realização do controle e da coordenação das Polícias Militares por parte dos Exércitos, Comandos Militares de Área, Regiões Militares e demais Grandes Comandos;

2) a centralização dos assuntos da alçada do Ministério do Exército, com vistas ao estabelecimento da política conveniente e à adoção das providências adequadas;

3) a orientação, fiscalização e controle do ensino e da instrução das Polícias Militares;

4) o controle da organização, dos efetivos e de todo material citado no parágrafo único do artigo 3º deste Regulamento;

5) a colaboração nos estudos visando aos direitos, deveres, remuneração, justiça e garantias das Polícias Militares e ao estabelecimento das condições gerais de convocação e de mobilização;

6) a apreciação dos quadros de mobilização para as Polícias Militares;

7) orientar as Polícias Militares, cooperando no estabelecimento e na atualização da legislação básica relativa a essas Corporações, bem como coordenar e controlar o cumprimento dos dispositivos da legislação federal e estadual pertinentes.


[6] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Internação compulsória de dependentes químicos


Por Arles Gonçalves Junior Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da OABSP e Consultor Jurídico do Programa Questão de Justiça


O tema tem sido debatido por vários segmentos da sociedade, os ativistas de direitos humanos sustentam que a internação compulsória fere cláusula pétrea, o direito à liberdade do cidadão, consagrado no artigo 5º, da Constituição Federal.

Por sua vez, os médicos sustentam que internar uma pessoa contra a sua vontade caracterizaria crime, denominado como cárcere privado.

A meu ver, as duas correntes acima estão equivocadas, o princípio constitucional que deve ser protegido pelo Estado é o direito à vida, a mais importante das cláusulas pétreas, o maior bem que um ser humano possui. No caso específico dos dependentes químicos, em razão da dependência às drogas, em sua maioria os usuários perdem o discernimento, não mais conseguem decidir o rumo de sua vida. É de conhecimento público que o uso contínuo de drogas causa a morte do usuário, assim, acredito que caracterizada esta situação é dever do Estado interferir na vida daquele cidadão e determinar sua internação para tratamento, o poder público tem o dever de salvar a vida daquele cidadão e devolver-lhe a dignidade, sua cidadania.

Algumas pessoas têm defendido a tese da criação de uma legislação que autorize o poder público efetuar a internação compulsória de dependentes químicos para tratamento.

Totalmente desnecessário, o ordenamento jurídico brasileiro possui o Decreto-Lei 891, de 25 de novembro de 1938, em plena vigência, que regulamenta a fiscalização de entorpecentes, legislação que reconhece que o usuário de drogas é doente, que é proibido tratá-lo em domicílio e cria e regulamenta a figura da internação obrigatória de dependentes químicos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo ou quando for conveniente à ordem pública.

Para liquidar a questão, transcrevemos os artigos 27, 28 e 29, da referida legislação, in verbis: “Artigo 27. A toxicomania ou a intoxicação habitual, por substâncias entorpecentes, é considerada doença de notificação compulsória, em caráter reservado, à autoridade sanitária local.”

“Art. 28. Não é permitido o tratamento de toxicômanos em domicílio.”

“Art. 29. Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não.

§1º. A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada à necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão judicial.”

Quando se tratar de usuário menor de idade, a internação deverá ser requerida judicialmente pelo Ministério Público, como medida protetiva à criança ou adolescente, sempre utilizando como base legal o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Todavia, infelizmente, no caso da Cidade de São Paulo, não há vagas suficientes nos estabelecimentos públicos adequados ao tratamento de dependentes químicos, nas redes do serviço de saúde pública estadual e municipal.

Os órgãos públicos da área de saúde têm obrigação legal de incrementar programas públicos de atendimento aos usuários e dependentes de drogas, todavia, é incontestável a negligência do poder público nesta obrigação. O Estado deveria investir de forma direta na criação de clínicas públicas para tratamento de dependentes químicos e de forma indireta na destinação de recursos às entidades da sociedade civil, sem fim lucrativo, que atuem neste seguimento.

Por fim, entendo que a internação compulsória dos dependentes químicos é totalmente legal, não fere direitos fundamentais do usuário, na verdade busca preservar e resgatar a dignidade destes cidadãos desprezados pela sociedade e esquecidos pelo poder público.

Fonte:

http://www.conjur.com.br/2011-ago-05/internacao-compulsoria-dependentes-quimicos-constitucional

terça-feira, 26 de julho de 2011

DAS COISAS QUE NÃO ENTENDO!




"Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê"
(Renato Russo)




Num país em que a tônica é a péssima conservação de suas malhas viárias, o estado de São Paulo destaca-se, em regra [1], pelas excelentes rodovias que possui. A política de concessão dos serviços destinada à manutenção e gestão das estradas paulistas é sem dúvida a razão para o invejável estado de conservação de parte destes bens de uso comum.

Com aproximados 5,4 mil Km de rodovias concedidas, o estado resta desonerado com os custos da administração destas rodovias, permitindo, em tese, serviços de qualidade ao usuário, por parte das concessionárias. Em contrapartida estas pessoas jurídicas de direito privado tem o direito de exigir uma contraprestação pelos serviços, ora materializada na forma do "pedágio".

É justamente essa imposição (ora caracterizada como tarifa, ora como taxa, a depender da natureza jurídica de sua imposição) que evidencia toda celeuma em torno das rodovias concedidas à iniciativa privada. É que sua exigência, por vezes, extrapola a razoabilidade, bem como avilta os princípios do serviço público.

Como exemplo, exsurge o "Sistema Anchieta-Imigrantes" (malha viária que que interliga São Paulo à Baixada Santista). Desde dezembro de 2002 o complexo viário em comento foi incrementado com a construção da segunda pista da Imigrantes, obra faraônica e dispendiosa que possibilitou rápido e confortável acesso de veículos de passeio aos municípios litorâneos.

No entanto, por razões de segurança, ônibus e caminhões são proibidos de trafegar na pista nova, devendo utilizar a rodovia Anchieta (cuja pista, concluída no anos 50, oferece condições de pouca velocidade, intenso fluxo de caminhões de grande porte, alto índice de acidentes [2], etc).

Consoante às descrições acima, é possível perceber que os usuários da rodovia Anchieta nem de longe fruem das mesmas condições oferecidas àqueles que utilizam a segunda pista da Imigrantes, rumo à Baixada Santista. Todavia, tal obviedade é simplesmente ignorada por concedente e concessionária, eis que a única "casa de pedágio" para as duas rodovias exige o mesmo montante de ambos usuários (R$ 20,10).

Ora, se uma rodovia não dispõe dos mesmos adjetivos da outra, existe razoabilidade na exigência do mesmo valor tanto para quem trafega na Imigrantes, quanto para aquele que utiliza a rodovia Anchieta?

Ousa-se dizer que não!!!

Nesta esteira, forçoso invocar o "Princípio da Razoabilidade", implícito na Carta Magna Brasileira. Segundo o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio em voga impõe ao Poder Público "obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida". [3]

Trazendo o brilhantismo do autor à casuística proposta, resta impossível aferir razoabilidade na imposição de uma prestação nitidamente desproporcional em relação a usuários que recebem, notadamente, serviços de menor qualidade. Em outras linhas, se uma via não oferece as mesmas condições de tráfego e segurança que a outra, qual o sentido de se exigir a mesma soma tarifária para usuários em situações desiguais?

A forttiori, à luz do Princípio da Razoabilidade, deveria a Administração Pública/concessionária do serviço mensurar o valor da tarifa conforme à qualidade do serviço prestado ao usuário. De modo a exigir um valor "X" do usuário da Rodovia Imigrantes (moderna, segura e que permite maiores velocidades) e um valor "Y" daqueles que trafegam na Rodovia Anchieta (pista de intenso tráfego de caminhões carregados, baixas velocidades e menor segurança se comparada a outra via de acesso à Baixada Santista).

Não obstante a absoluta ausência de razoabilidade na cobrança, não é despiciendo consignar o valor da tarifa "imposta" ao usuário. Como dito alhures, é certo que os veículos de passeio gozam de uma das mais perfeitas malhas viárias do Brasil, contudo, data maxima venia, o valor exigido em muito extrapola os padrões econômicos brasileiros, por consequência, fazendo do "Princípio da modicidade" letra morta.

Neste ínterim, destaco o § 1º, artigo 6º, da lei 8.987/95, in verbis:

Art. 6o (...)

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.


Da leitura do dispositivo legal suso mencionado, depreende-se que o serviço prestado pela concessionária resta vinculado, dentre outras coisas, à ponderada política tarifária. Assim, o preço deve resultar da ponderação do custo para a execução do serviço em relação à condição econômica do usuário.

Apesar de contar com um dos principais portos da América Latina, bem como possuir elevado número de instituições de ensino, a Baixada Santista, há muito, não oferece oportunidades de emprego aos recém saídos dos bancos acadêmicos, tampouco possui auto-suficiência para o abastecimento de diversas mercadorias e produtos hortifrutigranjeiros. Em razão disso, os profissionais são "compelidos a subir a serra", em busca de oportunidades, e o comércio obrigado a importar produtos e insumos das mais variadas regiões.

Tal fenômeno, aliado a política tarifária nas rodovias que dão acesso ao litoral paulista, resultam na perda aquisitiva do trabalhador, bem como o elevado custo das mercadorias, em razão do frete. É que o quantum exigido do usuário do serviço reflete efeitos, ainda que indiretamente, no custo de vida da população destes municípios litorâneos, eis que o valor do pedágio é repassado ao consumidor final, encarecendo o transporte de pessoas e o consumo em si.

Por fim, acredita-se que apesar do excelente estado de conservação desta malha viária, faz-se necessário ajustar tais inoperacionalidades, que acabam por limitar o crescimento econômico da região ante à imposição de um pedágio desarrazoado e que desconsidera às condições econômicas de toda uma região.


NOTAS


[1] Dos 15,8 mil quilômetros de rodovias estaduais sem pedágio do estado de São Paulo, pelo menos 10 mil km têm problemas de conservação e precisam de reformas, aponta levantamento realizado pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (Setcesp). (Fonte: G1)

[2] GALVEZ, Camila. Via Anchieta tem oito acidentes por dia. Diário do Grande ABC. 17/01/2011. Disponível em http://www.dgabc.com.br/News/5851394/via-anchieta-tem-oito-acidentes-por-dia.aspx . Acesso em 21/07/2011.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. Malheiros: São Paulo, 2002, p. 91


quarta-feira, 20 de julho de 2011

DIVISÃO DO PARÁ: SOLUÇÃO OU NOVOS PROBLEMAS?


Com fulcro no § 3º, artigo 18, da Carta Magna, o eleitorado paraense decidirá, através de plebiscito, os rumos político-administrativos do estado. Caberá, a princípio, ao eleitor local homologar ou não a criação dos estados do Tapajós e Carajás, resultantes da divisão do estado do Pará.

Aprovado mediante decreto legislativo, o plebiscito, segundo seus defensores, objetiva corrigir desigualdades, fruto da inoperacional política de gestão do estado, que, devido a sua extensão, inviabiliza políticas públicas individualizadas as regiões carentes de melhor infra-estrutura.

Num primeiro momento, a subdivisão traz aspectos interessantes, tal como a descentralização político-administrativa da região, eis que uma vez fragmentado o território, seria possível a adoção de mecanismos mais eficientes para equacionar históricos desajustes regionais. Em outras linhas, o planejamento e, conseqüente, execução de projetos restaria facilitado, face à redistribuição populacional, que possibilitaria atendimento personalizado aos problemas de cada região.

No entanto, numa análise confessamente apriorística, se considerados os demais aspectos que orbitam o centro da discussão, a criação destes novos estados pode resultar em desafios deveras complexos, quiçá maiores que os atuais, senão veja-se.

A proposta mostra-se controvertida ab initio, haja vista a necessária disponibilização de verbas para atender o custo da realização e preparo logístico do plebiscito. Ora, num país, que apesar dos seguidos recordes de arrecadação tributária, a tônica é a escassez de recursos orçamentários, afigura-se razoável despender o montante, aproximado, de cinco milhões de Reais para tal finalidade?

É certo que a soma, de per si, não seria suficiente para atender 1% dos problemas de qualquer estado brasileiro, contudo, o emprego da verba pública encontraria melhor destino se investido na modernização de equipamentos públicos (como exemplo, a aquisição de instrumentos e materiais hospitalares), suavizando, ao menos, o problema de um Município.

Ademais, uma vez homologada a proposta legislativa, o objetivo de minimizar gastos e fortalecer as finanças públicas da região, provavelmente, cairá por terra nos primeiros dias. Tal constatação parece inequívoca, uma vez que, em atendimento aos preceitos constitucionais, será necessária a criação de um novo Legislativo, Executivo e Judiciário, com a conseqüente criação de novos cargos efetivos e em comissão, representando expressivo incremento orçamentário às maquinas públicas incipientes.

Forçoso reconhecer que os novos estados não possuirão, de imediato, autonomia financeira suficiente para arcar com o ônus administrativo que se impõe, exigindo da União aportes orçamentários para suprir os gastos com folhas de pagamento, aquisição de bens necessários ao serviço público, dentre outras despesas.

Noutro vértice, surge o impacto na arrecadação tributária do estado. Como é cediço, o Pará destaca-se por sua invejável diversidade natural (exportação de madeiras), turismo, riquezas minerais, pecuária, agricultura e potencial hidroelétrico (usina do Tucuruí, uma das cinco maiores do planeta), fatores que impulsionam não apenas a economia do estado, mas do Brasil de um modo geral.

Nos primeiros meses deste exercício financeiro, o estado arrecadou mais de um bilhão em tributos, com destaque para o ICMS, cujo crescimento superou a casa dos 23% em relação a 2010. [1] Tais números comprovam a vocação econômica do estado como um todo, afastando, por óbvio, quaisquer argumentos de natureza orçamentária no intuito de justificar sua divisão

Neste sentido, a sugerida divisão representará, também, o fracionamento econômico da região, enfraquecendo substancialmente o orçamento dos estados envolvidos. Ainda que distribuídas, tais riquezas e economias não parecem suficientes para atender a contento os desafios das novas administrações, cuja manutenção anual girará em torno de R$ 2,9 bilhões (Carajás) e R$ 2,2 bilhões (Tapajós), segundo estudos do IPEA [2].

A nosso sentir, a solução para os problemas do estado do Pará vai além da simplória divisão territorial. De fato a dimensão geográfica do estado, aliada a má distribuição de renda, é determinante para a situação de pobreza em que se encontram alguns municípios, contudo a pretensa subdivisão servirá apenas e tão somente como um paliativo.

Para encurtar distâncias, poderia a Administração estadual, a título de exemplo, lançar mão de sub-administrações regionais, a serem estabelecidas em locais de grande concentração, porém geograficamente afastados da cúpula do governo. Tais órgãos funcionariam como ouvidorias, estabelecendo verdadeiro elo entre as administrações regiões e governo do estado. Não obstante, tal desconcentração propiciaria estudos e planejamentos especializados para o desenvolvimento destas regiões, bem como funcionaria como efetivo órgão fiscalizador dos recursos públicos repassados aos respectivos Municípios.

No tocante a distribuição de recursos, não é despiciendo consignar que este, lamentavelmente, não é um privilégio do estado do Pará, mas um histórico problema brasileiro, cuja solução resta condicionada à reforma tributária e, conseqüente, repartição de receitas. Conforme descrito outrora, o estado destaca-se pela exportação de madeiras e recursos minerais, porém, em nada se beneficia já que estas operações configuram-se isentas consoante inteligência do artigo 3º, II, da Lei Complementar nº 87/96. [3]

Considerando a vocação do estado para comércio exterior, cabe a União modificar a legislação federal a fim de prestigiar seu potencial econômico, incentivando a exportação, sem descurar o relevante aspecto tributário destas operações para o desenvolvimento da região. [4] Uma vez tributadas, tais operações abasteceriam os cofres paraenses, permitindo maiores investimentos em regiões economicamente frágeis, cabendo, ainda, ao estado promover emendas constitucionais voltadas a melhor distribuição das receitas aos Municípios que o integram.

Desta feita, a subdivisão do Pará, com a conseqüente criação dos estados do Tapajós e Carajás não parece ser a solução mais adequada ao caso, assumindo viés paliativo no tocante aos problemas estruturais que enfrenta. É preciso que o estado seja fortalecido por meio de mecanismos administrativos e legislativos que permitam atendimento a todos os municípios de forma isonômica, sem a necessidade de subdivisão territorial administrativa.

Em verdade, a sugerida subdivisão do Pará nos remete aos ideais propugnados por Lord Keynes, cuja teoria defendia a contratação de uma pessoa para abrir e fechar buracos, sem aparente necessidade, visando apenas à circulação da riqueza. Mutatis mutandis é o que pretende a aludida proposta legislativa, promover a todo custo o giro de capital, sem, no entanto, oferecer soluções concretas para a manutenção e desenvolvimento econômico da região.


NOTAS

[1] Disponível em http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp?id_ver=73205

[2] TOLEDO, José Roberto de. Quem paga a conta? Estado de São Paulo. São Paulo 09 de maio de 2011.

[3] Art. 3º O imposto não incide sobre:

(...)

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

[4] MACHADO, Paulo Fernando. Lei Kandir, os estados exportadores e a reforma tributária: o caso do Pará. Belém: SECTAM, 2002.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

DIREITO PENAL DO INIMIGO, ESSE DESCONHECIDO


AUTORES

_______________________________________________________________

RICHARD PAES LYRA JUNIOR

Advogado, especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD.

LINCOLN ALMEIDA RODRIGUES

Bacharelando em Direito pela PUC-MG – Campus Arcos-MG.



SUMÁRIO: Introdução; 1 – Funcionalismo Penal; 2 – Direito Penal do Inimigo; 2.1 – Aspectos favoráveis; 2.2 – O modelo colombiano de combate ao narcotráfico - 2.3 - A critica de Zaffaroni; 2.4 – Em busca do inimigo; Considerações finais; Referencias bibliográficas; Notas.



"O maior estímulo para cometer faltas

é a esperança de impunidade."

(Cícero)



INTRODUÇÃO


Recentemente, a sociedade assistiu lamentáveis barbáries urbanas em grandes capitais brasileiras, promovidas por organizações criminosas essencialmente financiadas pelo tráfico de drogas. Como sempre, tais situações, despertam imediato clamor por leis penais mais severas, melhor aparelhamento policial, construção de novos presídios, etc.

Enquanto os meios de comunicação promovem debates acalorados, em dados momentos permeados pelo sensacionalismo, a comunidade jurídica coloca em xeque a sistemática penal brasileira sob um enfoque doutrinário deveras controvertido, quiçá tormentoso ad eternum, qual seja: garantismo versus direito penal do inimigo.

Tal discussão fomenta o interesse de muitos pela teoria formulada por Günther Jakobs, nos idos de 1985. Todavia, o debate mostra-se invariavelmente parcial, eis que estigmatizado por proposições preconcebidas sobre o Direito Penal do Inimigo, criando, de antemão, uma atmosfera desfavorável acerca desta construção doutrinária.

Antes de adentrar a análise do tema, imperioso advertir o intuito de promover reflexão acerca dos aspectos jurídico-normativos que envolvem a teoria de Jakobs, sem descuidar da casuística que a cerca. No entanto, sua escorreita compreensão resta condicionada à leitura desprovida de concepções de natureza puramente axiológica, priorizando, então, a dogmática jurídica.


1. FUNCIONALISMO PENAL


Inspirado na sociologia germânica, sobretudo nas doutrinas de Jürgen Habermas e Niklas Lühmann (teoria do consenso da verdade [1] e teoria sistêmica [2], respectivamente), o funcionalismo esboça seus primeiros traços na Alemanha dos anos 70. Como o próprio nome sugere, o objetivo é conhecer os porquês do Direito Penal, ou seja, perquirir os fins do Direito na sistemática jurídica, ora descobertos nos mecanismos de interação social.

Sob o enfoque funcionalista, a doutrina debruça-se sobre o finalismo de Welzel, de natureza ontológica, asseverando que “não lhe interessa primariamente até que ponto vai a estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda que uma tal coisa exista e seja unicamente cognoscível, o problema que se tem à frente é um problema jurídico, normativo. [3]. Desta nova dimensão desdobram-se duas vertentes: o funcionalismo teleológico (Roxin) e o funcionalismo sistêmico (Jakobs).

O chamado funcionalismo teleológico, preconizado pelo doutrinador alemão Claus Roxin, apesar de conceber o fato típico, em seu aspecto objetivo, tal qual a teoria finalista (conjugando conduta, nexo de causalidade, resultado naturalístico e adequação típica), porém, introduziu importante modificação ao transmutar a culpa do aspecto subjetivo para o normativo (limite da pena), definindo crime como fato típico, antijurídico e reprovável.

A reprovabilidade da conduta condiciona a caracterização do crime à imputabilidade do agente, a exigência de conduta diversa, capacidade de entender o caráter ilícito da ação e a necessidade da pena. [4] Este último elemento impõe verdadeira limitação ao jus puniendi estatal, apregoando que “o fim da pena no Estado democrático de direito não pode ser outro que não a tutela necessária dos bens jurídicos.” [5]

Consoante a regra-matriz do funcionalismo teleológico, resta evidente a quebra da dogmática pura, outrora dominante na sistemática penal. Segundo Roxin, o direito penal é muito mais a forma através da qual as finalidades político-criminais podem ser transferidas para o modo da vigência jurídica. (..) Um divórcio entre construção dogmática e acertos político-criminais é de plano impossível.” [6]

Noutros termos, inequívoco deduzir que Roxin flexibiliza a sistemática penal clássica, vez que afasta conceitos puramente ontológicos (causalidade, ação, etc.), vislumbrando o Direito Penal enquanto sistema aberto, fazendo repercutir os efeitos da política criminal.

Neste diapasão, o iminente jurista Eugenio Raul Zafaroni define política criminal como “a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela". [7] A partir desta premissa, Roxin defende efetiva tutela de bens jurídicos indispensáveis ao ser humano, em sua concepção individual e coletiva, obtemperando, contudo, a necessária razoabilidade no emprego das ferramentas de prevenção e combate ao crime.

Destarte, depreende-se que o sistema penal não deve desdobrar efeitos sobre toda e qualquer conduta típica, devendo eleger ações de manifesta e efetiva lesão ou perigo a bem jurídico tutelado, isto se não houver outros meios de solução. É o chamado princípio da intervenção mínima, corolário do princípio da insignificância, cujo teor avoca à sistemática penal, apenas e tão somente, a tutela de bens jurídicos indispensáveis, condicionado a inexistência de outros mecanismos capazes de equacionar a ameaça (características da fragmentariedade e da subsidiariedade, respectivamente).

Na esteira desta premissa, defende-se o caráter preventivo do Direito Penal, cujo propósito é despertar na sociedade às conseqüências da prática delituosa, sem, contudo, fazer do Direito Penal um instrumento de intimidação. Em outras palavras, a retributividade penal advém do mundo fenomênico à realidade social com o fito de inibir delitos através da conscientização de seus efeitos. É o que se chama de prevenção geral limitadora.

Em suma, Roxin preconiza a flexibilização do sistema penal, pautado na ponderação dos valores permeados na norma penal, a fim de assegurar perfeita adequação do sistema à realidade social, tutelando, desta forma, apenas bens jurídicos relevantes.

Noutro vértice, a busca pelos fins do Direito Penal encontra corrente diametralmente oposta àquela delineada por Roxin. É o chamado Funcionalismo Sistêmico, cujo precursor é o jurista alemão Günther Jakobs.

Como o próprio nome sugere a corrente sistêmica parte do princípio que a sociedade é o núcleo do sistema, sendo o homem (sujeito de direitos e obrigações) conseqüência do meio. Segundo Jakobs, “o funcionalismo jurídico-penal se concebe como aquela teoria segundo a qual o Direito Penal está orientado a garantir a identidade normativa, a garantir a constituição da sociedade”. [8]

Outrossim, a missão do Direito Penal resta, então, destinada a proteção da norma, sendo a sociedade o objeto da proteção do Estado. Disto infere-se que o funcionalismo sistêmico não contempla a proteção de um bem jurídico, mas, sim, das regras de conduta que devem nortear o convívio social.

Para esta corrente, a força coercitiva do Direito é a chave para a ordem social, ou seja, o jus imperii é pilar fundamental à estrutura da sociedade. Uma vez violada a norma, cabe ao Estado punir o indivíduo, fazendo valer sua autoridade, com o fito de preservar o sistema. Com isto, Jakobs projeta uma sistemática penal “isenta de ilusões, pois para qualquer outra atitude, o Direito, junto com sua ciência, tem sido comprometido com a política de modo demasiadamente evidente”. [9]

Tais considerações demonstram de plano as diferenças doutrinárias no tocante à teoria de Roxin. Isto porque, o funcionalismo sistêmico reprova toda conduta que avilta a norma, que, por sua vez, deve ser prontamente combatida pelo Estado, evidenciando a inaplicabilidade da intervenção mínima.

Como exemplo, o furto de um objeto de mero deleite seria alvo de efetiva resposta estatal, eis que a conduta não se coaduna aos preceitos estabelecidos pela norma, de modo que uma vez subsumido o fato típico, antijurídico e culpável (substratos do crime, segundo Jakobs) à norma posta, deve o Estado punir o infrator.

Por conseqüência, o funcionalismo sistêmico adota a teoria preventiva positiva, cuja ferramenta é a intimidação. A intenção é incutir no intelecto a certeza de punição para condutas contrárias a norma jurídica, assumindo nítida coação psicológica no sentido de inibir delitos.

Portanto, a pena, além de mecanismo de intimidação, objetiva o restabelecimento da ordem social preconizada pelo sistema, na certeza que o indivíduo sofrerá a conseqüência de seus atos, servindo a pena como paradigma de conduta não esperada no âmbito social.

Neste contexto, surge o Direito Penal do Inimigo, ora enraizado nas proposições que fundamentam o funcionalismo sistêmico.


2 – DIREITO PENAL DO INIMIGO


A teoria denominada Feindstrafrecht, construída por Jakobs, surgiu na década de 80, na Alemanha, propondo novo modelo de enfrentamento ao crime, subdividindo o sistema em Direito Penal do Inimigo (destinado aos criminosos que atentam contra o Estado) e Direito Penal do Cidadão (dirigido a sociedade em geral). Assim, ao romper o contrato social [10], o indivíduo implicitamente renuncia a condição de cidadão, sendo, então, um inimigo.

A doutrina em comento é deveras criticada e raramente explorada nos bancos acadêmicos, tornando-a pouco compreendida, obstaculizando ponderações acerca das ideias irradiadas por seu precursor. Para tal, faz-se mister considerar os pilares que a sustentam, de modo a desmistificar certos dogmas, bem como pré-concepções que a enlaçam.

Ante o proêmio, não é despiciendo refletir: quem são e como devem ser tratados os inimigos do Estado? Luiz Flávio Gomes, um dos maiores expoentes do Direito Penal brasileiro e exímio conhecedor das correntes funcionalistas, leciona, in verbis:


“é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma. (...) o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído. Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, “ainda que de modo juridicamente ordenado – p. 45” (sic). Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), sim, um procedimento de guerra.” [11]


Em termos práticos, os clientes do Direito Penal, considerados inimigos do Estado, são, a saber: estupradores, sonegadores fiscais, seqüestradores, gestores públicos corruptos, membros de organizações criminosas, terroristas, dentre outras figuras criminosas que exponham o Estado e, consequentemente, a sociedade a riscos.

Assim, a definição e, conseqüente, punição daquele considerado inimigo é baseada na periculosidade, não na culpabilidade. Uma vez manifestadas características criminosas o Estado tem legitimidade, na fase inicial do itter criminis, para punir o agente com fulcro na potencial ameaça à sociedade (antecipa a punição dos atos preparatórios).

Tal característica denota a imposição de medida de segurança, não de pena. Devido à periculosidade externada, o inimigo sofrerá tal medida no intuito de resguardar a incolumidade social, coibindo a reiteração dos delitos cometidos pelo agente. A sanção penal assumiria a mesma característica preventiva daquela imposta a inimputáveis, todavia, o perigo, a ser contido pelo Estado, faria menção a imputáveis.

Nesta esteira, leciona Luciana Tramontim Bonho, in verbis:


“O trânsito do cidadão ao inimigo se dá pela integração em organizações criminosas bem estruturadas, mas, além disso, se dá também, pela importância de cada ato ilícito cometido, da habitualidade e da profissionalização criminosa, de forma a manifestar concretamente a perigosidade do agente. "O Direito do inimigo – poder-se-ia conjeturar – seria, então, sobretudo o Direito das medidas de segurança aplicáveis a imputáveis perigosos.” [12]


A punição projeta o futuro, levando em conta o risco potencial do criminoso para a sociedade, funcionando a medida de segurança como instrumento de eliminação do perigo, já que “essas pessoas configuram uma ameaça para o Estado, submetendo-se, assim, a um tratamento diferenciado, com o fim de preservar o equilíbrio e a paz social. [13]

Como inimigo do Estado o indivíduo deixa, ainda, de gozar certos direitos, eis que se afasta dos preceitos estabelecidos pelo pacto social, deixando de ser considerado sujeito processual e de direitos, para ser um não-cidadão. É o que se chama Direito Penal de terceira velocidade (direito penal de guerra).

Segundo a doutrina, o direito penal de terceira velocidade reflete o atual momento da humanidade, pelo qual a supressão ou relativização de garantias do indivíduo é determinante para a manutenção da ordem social. A condição de não-cidadão mitiga a abrangência dos princípios, bem como garantias processuais e penais (como contraditório, ampla defesa, acesso a peça de inquérito, etc.), visando preservar a sociedade.

O não enquadramento do inimigo à condição de sujeito processual e a submissão a um direito penal de guerra ocorre porque o agente “não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não deve esperar ser tratado como pessoa, senão que o Estado não deve tratá-lo como pessoa (pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas) [14]

A relativização das garantias resta assegurada através de instrumentos legislativos, ora denominadas leis de luta ou de combate. Como exemplo, Damásio [15] cita a lei dos crimes hediondos, a lei dos crimes organizados, a incomunicabilidade de presos, o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, dentre outras normas que, de algum modo, mitigam dados princípios e garantias.

As referidas leis são comumente observadas em situações pós-traumáticas experimentadas pela sociedade. É que devido à comoção e o inevitável clamor público, o legislativo edita normas rigorosas visando atacar um delito em especial, razão pela qual, alguns doutrinadores chamam de “leis de ocasião”.

Com efeito, cabe, também, consignar o apego aos tipos de perigo abstrato (aquele cujo perigo é presumido pela norma) e mera conduta (desprovido de resultado naturalístico).

Assim, traz-se à baila o caráter preventivo-punitivo da doutrina de Jakobs, afastando a ofensividade da conduta. Tome-se, por exemplo, os crimes de porte ilegal de arma e omissão de socorro, ambos tipificados na legislação penal brasileira, cujo dispor afasta o iminente risco à sociedade, presumindo a periculosidade.

Desta feita, uma vez delineados os substratos da tese formulada por Jakobs, imprescindível analisar seus aspectos favoráveis e as críticas dirigidas ao Direito Penal do Inimigo.


2.1 – Aspectos favoráveis


Ab initio, faz-se necessário desmistificar a premissa que remete o Direito Penal do Inimigo às bases do nazismo, de Adolf Hittler. Como é cediço, o regime nazista perdurou, na Alemanha, de 1933 a 1945, sendo marcado pela intolerância racial, infundado apego a raça ariana, propagação do ódio às diferenças, etc. Por sua vez, a doutrina de Jakobs surgiu em meados dos anos oitenta, portanto, aproximados 40 anos após o término do nazismo.

Não bastasse a impropriedade cronológica, a tentativa de associar o nazismo ao Direito Penal do Inimigo alcança os pilares que sustentam a tese de Jakobs. É certo que ambos adotam o direito penal do autor como fundamento para punição daqueles que perseguem, no entanto, a aparente congruência logo é desfeita se levada a efeito as filosofias correspondentes.

É que a adoção do direito penal do autor, pelos nazistas, era fundada na chamada comunidade do povo (Volksgemeinschaft), designando a conhecida "comunidade de sangue e solo", baseada na doentia perseguição às minorias religiosas, homossexuais, etnias e até portadores de deficiência física. Ao revés, o Direito Penal do Inimigo toma por baliza a periculosidade do agente e tem legítimo objeto de proteção (o Estado/sociedade), daí porque são inimigos: terroristas, traficantes, criminosos organizados, estupradores, etc.

Feitas as considerações introdutórias, vale destacar a relevância da doutrina de Jakobs para a realidade brasileira. Há tempos o país assiste inerte o aumento progressivo da violência urbana, alto índice de reincidência criminal, falência das políticas de ressocialização, organização e especialização da criminalidade, bem como imotivada ampliação de garantias.

O histórico descaso pela educação e o abandono das políticas de segurança pública refletem os índices de criminalidade no país. Daí porque o Direito Penal do Inimigo surge como alternativa para o problema da violência urbana, eis que muitos delinqüentes mostram-se absolutamente corrompidos pelo tráfico, sem quaisquer perspectivas de recuperação.

Não é aceitável, por exemplo, que um criminoso (estuprador, seqüestrador ou traficante) disponha de tantos recursos processuais que, por sua vez, podem conduzir a persecução penal aos dissabores da prescrição, por consequência, perpetuando a impunidade. A eliminação destes criminosos (do meio social) é conditio sine qua non para uma sociedade harmônica e livre de perigos, uma vez que livremente optaram por ficar à margem da lei e, como tal, representam risco à sociedade.

Vale citar o problema da reincidência criminal. O absoluto abandono do Estado aliado à certeza da impunidade reflete o elevado número de reincidentes, como ocorre, a título de exemplo, no Estado do Pará, cuja população carcerária atinge 8.592 presos, e alarmante índice de reincidência, na casa dos 58,43%. [16]

Tendo em vista as bases do Direito Penal do Inimigo, bem como a realidade político-social brasileira, não seria absurdo considerar o elemento “periculosidade” uma ferramenta eficaz para coibir a reiteração e a própria reincidência criminal. Ora, enquanto perdurar a periculosidade do agente, este deve permanecer encarcerado a fim de evitar novas ações em desfavor da sociedade.

A própria literatura criminal brasileira oferece exemplos de criminosos irrecuperáveis, como o “bandido da Luz Vermelha”, que após cumprir 30 anos de prisão (tempo máximo de sanção penal, no país), ainda manifestava periculosidade, sendo morto, em legítima defesa, após 4 meses de liberdade. Se levada a efeito as bases da teoria de Jakobs, o criminoso permaneceria encarcerado, eis que latente sua periculosidade, independentemente da constatação ou não de sua inimputabilidade.

Nada obstante, cumpre ressaltar que os posicionamentos supracitados encontram amparo constitucional, mais precisamente no Princípio da Isonomia, já que não se afigura razoável submeter criminosos aos mesmos direitos e garantias do cidadão. Isto não significa, contudo, relativizar direitos e garantias de todos os criminosos indiscriminadamente, mas, tão somente, a clientela penal citada anteriormente, jamais aqueles sem manifesta periculosidade, como furtadores.

Citando Jakobs, Alexandre Rocha Almeida de Moraes faz importante advertência, in verbis:


“Aceitar um “Direito Penal do Inimigo”, é importante reprisar, não implica, todavia, que tudo esteja permitido; “antes é possível que se reconheça no indivíduo uma personalidade potencial, de tal modo que na luta contra ele não se possa ultrapassar a medida do necessário” [17]


Do mesmo modo, imperioso salientar que a relativização de garantias não pressupõe uma campanha contra os direitos humanos, na verdade, o que se busca é ajustá-lo. Neste sentido, nada melhor do que a leitura das palavras de Jakobs, in verbis:


“Como é evidente, não me dirijo contra os direitos humanos com vigência universal, porém seu estabelecimento é algo distinto de sua garantia. Servindo ao estabelecimento de uma constituição mundial (comunitário-legal), deverá castigar aos que vulnerem os direitos humanos; porém, isso não é uma pena contra pessoas culpáveis, mas contra inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se a coisa pelo seu nome: Direito penal do inimigo” [18]


Estas proposições afastam a “demonização” atribuída ao Direito Penal do Inimigo, vez que rechaça a tese de rompimento com os preceitos estatuídos pelos Direitos Humanos. O que se busca, na verdade, é o emprego de meios adequados à punição de criminosos perigosos, de modo a não permitir que a sociedade fique refém desses indivíduos, notadamente desvinculados de quaisquer preceitos humanísticos.

Por derradeiro, é possível abstrair os seguintes argumentos favoráveis a tese de Jakobs: (i) endurecimento das leis contra criminosos de notável periculosidade; (ii) serve o Direito Penal do Inimigo como eficaz instrumento de intimidação e repressão, sobretudo em países dominados pelo tráfico de entorpecentes; (iii) adequada e proporcional aplicação do Direito Penal, assegurando a proteção dos direitos humanos, principalmente, aos cidadãos; (iv) a caracterização da periculosidade do agente evita ou, ao menos, minimiza a reiteração e a própria reincidência criminal, impedindo sua liberdade até que cessada em definitivo. (v) endurecimento da execução penal, possibilitando o isolamento de presos considerados de alto risco, de modo a evitar qualquer persuasão aos demais presos, tampouco permitir a gestão de atos criminosos externos. [19]


2.2 – O modelo colombiano de combate ao narcotráfico


O modelo colombiano de combate ao narcotráfico é, sem dúvida, um exemplo bem sucedido da teoria insculpida por Jakobs.

Há alguns anos a Colômbia era dominada pelos cartéis de Cali e Medellín, ambos representantes das maiores redes do tráfico de entorpecentes do país, constituindo grupos bem organizados, com faturamento, aproximado, de 50 bilhões de dólares por ano.

No intuito de combater tais criminosos, o governo daquele país alterou leis, legitimou intervenções enérgicas por parte do Exército e da polícia, bem como ações voltadas ao enfraquecimento financeiro de seus cofres, sufocando as principais fontes de abastecimento do tráfico.

Para tal, o país contou com o apoio do governo americano, ora administrado por Bill Clinton, que se tornou parceiro do chamado “Plano Colômbia”, destinado repressão às organizações criminosas. Assim, as operações engendradas pelas forças de segurança resultaram na morte dos principais líderes dos cartéis do tráfico, culminando na apreensão de grande número de armas, dinheiro e entorpecentes, bem como representou a retomada territorial de diversas comunidades dominadas pelos criminosos.

No tocante a violência urbana, os números impressionam. As cidades de Bogotá e Medellín, antes dominadas por criminosos, “conseguiram reduzir, respectivamente, suas taxas de homicídio em 79% e 90%” [20]. A abrupta queda dos índices de violência está intimamente relacionada à política de guerra imposta às referidas organizações criminosas, refletindo, ainda que indiretamente, a diminuição de crimes que estão na órbita do tráfico.

Especificamente falando, a edição de leis severas contra o narcotráfico, considerando os criminosos inimigos do Estado colombiano, reduziu severamente o poderio destes grupos, servindo, inclusive, de paradigma para diversos países europeus, que hodiernamente consultam a cúpula do governo sobre o modelo de segurança pública implantado.

Ratificando a afirmação supra, em março deste ano, a Organização das Nações Unidas – ONU, através de sua Comissão de Controle Internacional de Narcóticos – INCB, não só elogiou a luta colombiana antidrogas, como também excluiu o país de sua lista de observação especial. Em seu relatório, a ONU indica que 165.000 hectares de plantações de drogas ilícitas foram erradicados na Colômbia em 2009, (...) O cultivo da coca no país andino caiu 58% entre 2000 e 2009, (...) O documento também informa que a Colômbia confiscou mais narcóticos que qualquer outro país do mundo na última década. (grifo nosso) [21]

É, por óbvio, incontestável o sucesso do modelo de segurança adotado na Colômbia, cujas bases remetem às características imanentes ao Direito Penal do Inimigo. O sucesso só não é maior devido à descentralização do narcotráfico, que impede sua imediata extirpação.


2.2 - A critica de Zaffaroni


Crítico voraz da teoria de Jakobs, Zaffaroni chama atenção para o que convencionou chamar de Direito Penal de Periculosidade, cujo núcleo não visa punir a conduta em si, mas o indivíduo enquanto pessoa.

A teoria de Jakobs privilegia o entendimento de que o homem que pratica delitos não age conforme o livre arbítrio, o faz de forma pré-determinada, não havendo qualquer possibilidade de escolha. Assim, o direito penal do inimigo adere a política do direito penal 100% preventivo.

A teoria de Jakobs afasta do infrator qualquer garantia inerente ao devido processo legal, eis que substanciada na tese de que o homem ao cometer uma determinada infração quebra o pacto social, ficando, portanto, à margem das garantias penais e processuais.

Deveras, insta salientar que o homem não deve ser visto como um ser desprovido do direito de escolha, pois, por óbvio, a racionalidade é o elemento que o difere dos demais seres. Assim, a doutrina de Jakobs propugna o entendimento de que o homem, ao não possuir capacidade de escolha, age por instinto, não por consciência e vontade própria. Logo, evidencia-se o regresso do indivíduo ao estado de natureza, mais especificamente ao status de homem das cavernas.

Neste sentido, assim discorre Zaffaroni, in verbis:


“o direito penal que parte de uma concepção antropológica que considera o homem incapaz de autodeterminação (sem autonomia moral, isto é, sem capacidade para escolher entre o bem e o mal), só pode ser um direito penal de autor: o ato é o sintoma de uma personalidade perigosa, que deve ser corrigida do mesmo modo que se conserta uma máquina que funciona mal.” [22]


Ademais, a teoria de Jakobs, segundo Zaffaroni, defende que “um sujeito não é quem pode produzir ou impedir um fato, mas quem pode se apresentar como competente para isso”. [23] Disto, infere-se que a teoria de Jakobs leva a efeito o grau de periculosidade do indivíduo, sendo este, portanto, elemento determinante para reprimir a conduta antes da execução do delito, razão pela qual deve ser combatido já na fase de preparação do ilícito penal.

Em suma, tratar o indivíduo como um objeto, e não como um sujeito de direito, em razão da potencial realização de um crime, significa ferir de modo incongruente a proporcionalidade e a razoabilidade da pena, pois, o indivíduo que comete um ilícito penal não deve ter afastada sua condição de ser humano.

Em outras linhas, não há punição mais rigorosa do que retirar do indivíduo tal condição, sem, sequer, lhe conferir resquícios de respeito a sua existência. A coisificação da pessoa e da pena, seja qual for à situação, deve ser abolida, eis que inequívoco reconhecer que a teoria do direito penal do inimigo em nada coibirá ou auxiliará na ressocialização do indivíduo. Pelo contrário, o indivíduo, antes com potencial periculosidade passará a ser um sujeito de efetivo risco a sociedade.

Por conclusão, a teoria do direito penal do inimigo não seria a mais adequada para coibir o ímpeto criminoso. Ademais, seus efeitos na sistemática jurídica e, conseqüente, irradiação na esfera social podem desencadear a criminalidade adormecida em indivíduos com tendência a pratica de delitos de um modo geral.


2.3 – EM BUSCA DO INIMIGO


Nos últimos tempos, observa-se que o Estado, por vezes, justifica suas ações na eterna e obsessiva busca de seus inimigos, não medindo esforços na persecução penal até a efetiva captura e promoção da justiça.

Com esta afirmativa, o Estado americano legitima suas invasões, cometendo diversas arbitrariedades que contrariam os Direitos Humanos e a soberania destes Estados.

Observando as duas últimas invasões americanas ao Iraque, bem como ao Afeganistão, consolida-se o entendimento de que por trás de um discurso democrático, há, em verdade, incessante busca a um inimigo declarado.

No Iraque, os Estados Unidos adotou discurso de que a invasão se justificaria em razão do governo ditatorial de Saddam Hussein, vigente há mais de 30 anos, para consumar a invasão ao território iraquiano e, conseqüentemente, explorar o potencial petrolífero daquele país, deixando-o completamente devastado, sem liderança, tampouco recurso financeiro para se reerguer após intensa ofensiva militar.

Já no Afeganistão, o inimigo era Osama Bin Laden. Movido pelo sentimento de orgulho e vingança, despertado nos atentados de “11 de setembro”, os Estados Unidos iniciaram caça ao saudita Bin Laden, promovendo diversos ataques a capital Cabul, sem, sequer, ter certeza de sua permanência na região.

Conseqüentemente, a busca pelo líder da Al Qaeda resultou em milhares de mortos, um país arrasado pela guerra, cuja ação só trouxe frutos quase dez anos após o início da ofensiva militar americana. Os mais de 800 bilhões de dólares gastos pelos Estados Unidos durante estes 10 anos tinham um único objetivo: aniquilar aquele considerado inimigo n° 1 da nação estadunidense.

A incessante busca pelo inimigo penal, demonstrada nos ataques ao Iraque e ao Afeganistão, leva a seguinte reflexão: não se pode justificar um ato arbitrário com fundamentos que ensejam legalidade. O discurso legalista americano acerca dos ataques mascara veementemente a verdadeira intenção dos EUA em reaver o status de nação mais poderosa do mundo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ante o exposto, fica clara a controvertida atmosfera criada em torno do Direito Penal do Inimigo, haja vista o acalorado debate doutrinário a respeito de sua legitimidade e eficácia no universo jurídico-penal. A discussão vem ganhando força mundo afora, apesar de pouco explorada nos bancos acadêmicos, suscitando argumentos contrários e favoráveis à doutrina de Jakobs.

Seja como for, sua penetração no meio jurídico é cada vez mais intensa, devido a acontecimentos extraordinários (como os atentados de 11 de setembro), bem como em função do aumento da criminalidade, sobretudo em países em desenvolvimento. Seus pilares são, hoje, observados em países como Espanha e Inglaterra (leis antiterrorismo), Estados Unidos (guerras contra o terror) e Colômbia (adoção de políticas de combate ao narcotráfico).

Conforme adverte Rogério Sanches Cunha (informação verbal) [24], mesmo o Brasil, cuja Constituição exalta expressamente as bases do garantismo, sinaliza a presença da teoria de Jakobs devido à existência de crimes de mera conduta e perigo abstrato, presença de leis de luta ou combate (lei de crimes hediondos, endurecimento da execução penal (Regime Disciplinar Diferenciado), dentre outros aspectos.

Fato é que o Direito Penal do Inimigo é visto com desconfiança, sobretudo em países cuja democracia mostra-se traumatizada por anos de regime de exceção. Contudo, não se pode fechar os olhos para o óbvio e negar a ameaça que certos criminosos representam ao Estado Democrático de Direito, vide os ataques realizados por uma conhecida organização criminosa ao Poder Público paulista, em 2006.

É preciso deixar os discursos extremistas e demagógicos de lado e, efetivamente, buscar soluções concretas para o tormentoso estágio de violência que acomete o mundo contemporâneo. Talvez as ideias enunciadas por Jakobs não sejam integralmente eficazes, mas o sucesso colombiano no combate ao narcotráfico exige, ao menos, reflexão sobre os sustentáculos da teoria do Direito Penal do Inimigo.


Referências Bibliográficas


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NOTAS


[1] Segundo Robert Alexy (in Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica), Habermas inova ao afastar o discurso como fundamento da verdade. Para este, a reflexão, o consenso é o elemento que norteia a busca pela verdade. Sob a égide desta doutrina, o conceito de sociedade edifica-se de forma complementar, conjugando o que se chama de mundo da vida (comportamentos implicitamente aceitos no contrato social) e sistema (aptidão para atender as exigências funcionais impostas pela sociedade). Tal dualidade visa à superação da conseqüente complexidade social

[2] Divergindo das posições de Habermas, Luhmann atribui à comunicação o caráter principal de uma sociedade, sendo este o fenômeno pelo qual se desenvolve. À medida que esse desenvolvimento resulta num expressivo número de membros, que nela interagem, consequentemente verifica-se uma diversidade de comportamentos, emergindo complexidade tal, a ponto de ameaçar a sociedade. Daí a necessidade de subdividir o sistema, com o fito de promover tratamentos específicos para, então, minimizar as complicações decorrentes do crescimento social. Essa teoria influenciou a doutrina de Jakobs.

[3] Greco, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 8, 32. São Paulo: RT, 2000, pp. 126-127.

[4] MAMEDE, Saymon. É possível um finalismo corrigido. Conteúdo Jurídico, Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj032016.pdf. Acesso em: 30 jun. 2011.

[5] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena. Barueri: Manole, 2004, p. 73.

[6] ROXIN, Claus. Política criminal e Sistema Jurídico-Penal. Tradução: Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 82.

[7] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral - Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 132.

[8] JAKOBS, Günter. Sociedade, norma e pessoa. Teoria de um direito funcional. Trad. Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Barueri: Editora Manole, 2003 p. 1

[9] _______. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. Trad. Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri: Editora Manole, 2003, p.2.

[10] Segundo a teoria de Rousseau (Do contrato social), o homem é produto do meio, e, como tal, adere tacitamente a um acordo social que atribui direitos e deveres numa sociedade.

[11] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal). In: Juspodivm Jurídico, 27/11/2010 [Internet].

Disponível em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B5CAC2295-54A6-4F6D-9BCA-0A818EF72C6D%7D_8.pdf. Acesso em 01/07/2011

[12] BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1048, 15 maio 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/8439>. Acesso em: 4 jul. 2011.

[13] SANNINI NETO, Francisco. Direito Penal do inimigo e Estado Democrático de Direito: compatibilidade. 20 fev 2009. Disponível em http://www.lfg.com.br. Acesso em: 5 jul 2011.

[14] GOMES, Luiz Flávio. Ibidem.

[15] JESUS, Damásio E. de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10836>. Acesso em: 4 jul. 2011.

[16] Público (2011). “De cada 10 ex-detentos, 6 voltam à prisão“. 5 de julho. Página Consultada em 4 de julho.< http://www.orm.com.br/projetos/oliberal/interna/default.asp?modulo=247&codigo=423098>

[17] MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A Terceira Velocidade do Direito Penal: “o Direito Penal do Inimigo”. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica. 2006, p.202.

[18] JAKOBS; CANCIO MELIÁ. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Tradução de André Luis Callegari & Nereu José Giacomolli. 2a Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007, p. 48.

[19] NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 961.

[20] DIMENSTEIN, Gilberto (2006). Colômbia dá exemplo para reduzir violência”. Folha de São Paulo. Consulta em 06 de julho de 2011.

[21] Publico (2011), “ONU elogia luta antidrogas na Colômbia” 04 de março. Página consultada em 07 de julho de 2011.< http://www.infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/main/2011/03/04/feature-02 >

[22] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Ibidem. p. 119

[23] Ibidem. p. 405.

[24] Aula ministrada em abril de 2011 no curso LFG.